29/01/05

INESIANAS - 5


Margem da Alegria
(excerto)


Que tudo o mais se esqueça na presença do mosteiro de santa maria de alcobaça]

(...)

É a maior igreja portuguesa e alicerça essa grandeza
nas três naves que no silncio talha com a precisão de uma navalha
e na grande desproporção o entre a pouca largura e a altura

(...)

No túmulo deitada inês parece a própria placidez
ela que em vida ouvindo alguém chamar
julgava respirar esse cheiro envolvente português
dos laranjais e jamais o da nave donde nunca mais
havia de sair não já para criança inaugurar
o dia a dia o vasto espaço onde cada folha
dos plátanos a até canas e oliveiras
valem humidamente mais do que a melhor palavra minha
mas sim ver só o sol inevitável renascer
da morte e vir tal como ela de castela com o vento

(...)

Que sei pergunta ela para sempre imóvel
no túmulo de pedra inamovível que sei eu desse homem tão instável
mais triste e mais sozinho quanto mais alegre e rodeado
que ao dar-me um outro nome como que me deu um novo ser
e a quem toda me dei como se dá em parte na arte alguém mais que no amor

(...)

Eu canto os amores e a morte a apoteose e a sorte
dessa que tão horizontal em pedra jaz e esse pedro neto desse trovador de quem se diz
que sempre dom dinis fez o que quis

(...)
Na igreja abacial de santa maria de alcobaça
os que em vida se amaram para sempre se juntaram
No cruzeiro de pedra poisam hoje os dois moimentos
dois poemas em pedra onde em quarenta e seis edículas se narra
a história desse amor às vezes alegria quase sempre dor
amor ptreo de pedro que prepara para inês esse alvo leito em pedra
pois morta a sua amada mais n´~ao pede já por ela
e assim o seu moimento fez poer acerca do seu dela
em tudo semelhável para dela sempre se membrar
quando se aqueecesse de morrer
E na dureza desses dois sarcófagos escreveu o escopro
o que somente a agulha pode pôr no bastidor
ou um buril pode imprimir no ouro
para que na memória dos mortais reinasse
aquela que do ânimo de pedro fora
dominadora dama absoluta senhora

Ruy Belo, A Margem da Alegria, Editorial Presença, Lisboa, 4? ed, 1998




Obs.: A Margem da Alegria é um longo poema que constitui por si só um livro. Desse livro seleccionarei mais alguns excertos, lembrando que recentemente foi editado o livro/poema, incluindo a declamaaçãoo do mesmo por actores da Cornucópia em 2 CDs. Edição Assí­rio e Alvim,Lisboa, 2004





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