08/02/05

PENSAR - 3



A CHAMA DUPLA


«O acaso objectivo, tal como Breton o expõe, apresenta-se como outra explicação do enigma da atracção amorosa. Como as outras -- a bebida mágica, a influência dos astros ou as tendências infantis da psicanálise-- deixa intacto o outro mistério, o fundamental: a conjunção entre destino e liberdade. Acidente ou destino, acaso ou predestinação, para que a relação se realize precisa da cumplicidade da nossa vontade. O amor, qualquer amor, implica um sacrifício; contudo, sabendo isto, escolhemos sem pestanejar esse sacrifício. Este é o mistério da liberdade, como admiravelmente o viram os trágicos gregos, os teólogos cristãos e Shakespeare. Também Dante e Cavalcanti pensavam que o amor era um acidente que, graças à nossa liberdade, se transformava numa escolha. Cavalcanti dizia: o amor não é a virtude mas, nascido da perfeição (da pessoa amada), é o que a torna possível. Devo acrescentar que a virtude, seja qual for o sentido que dermos a essa palavra, é primeiro que tudo e sobretudo um acto livre. Em suma, para dizê-lo usando uma enérgica expressão popular: o amor é a liberdade em pessoa. A liberdade encarnada num corpo e numa alma ...»
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«Amamos um ser mortal como se fosse imortal. Lope de Vega disse-o melhor: àquilo que é temporal chamamos eterno. Sim, somos mortais, somos filhos do tempo e ninguém se salva da morte. Não apenas sabemos que vamos morrer, mas que a pessoa que amamos também morrerá. Somos os joguetes do tempo e dos seus acidentes: a doença e a velhice, que desfiguram o corpo e fazem perder a alma. Mas o amor é uma das respostas que o homem inventou para olhar de frente a morte. Por intermédio do amor roubamos ao tempo que nos mata umas quantas horas que transformamos às vezes em paraíso e outras em inferno. Das duas maneiras o tempo distende-se e deixa de ser uma medida. Para lá da felicidade ou infelicidade, embora seja as duas coisas, o amor é intensidade; não nos oferece a eternidade mas a vivacidade, esse minuto no qual se entreabrem as portas do tempo e do espaço: aqui é lá, e agora é sempre. No amor tudo é dois e tudo tende a ser um.»
Octavio Paz, A Chama Dupla-Amor e Erotismo, Assírio e Alvim 1995

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