08/05/05

LER OS CLÁSSICOS - introdução

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Inicio hoje uma nova espécie de secção/variante de «os meus poetas» - em que colocarei textos de clássicos, portugueses ou outros.Começo com um texto que, suponho, será o adequado:


PORQUÊ LER OS CLÁSSICOS

Comecemos com algumas propostas de definição:

1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou a reler..." e nunca "Estou a ler..." [...]
2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.[...]
3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando - se como inconsciente colectivo ou individual. [...]
4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira. [...]
5. Toda a primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura. [...]
6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. [...]
7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes). [...]
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe. [...]
9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, mais se descobrem como novos, , inesperados, inéditos, quando são lidos de facto. [...]
10. Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs. [...]
11. O nosso clássico é aquele que não pode ser-nos indiferente e que nos serve para nos definirmos em relação e se calhar até talvez em contraste com ele. [...]
12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê esse, reconhece logo o seu lugar na genealogia. [...]
13. É clássico aquilo que tende a relegar as actualidade para a posição de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse ruído de fundo. [...]
14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a actualidade mais incompatível.[…]

...não se deve pensar que os clássicos devem ser lidos porque «servem» para alguma coisa. A única razão que se pode aduzir para ler os clássicos é que ler os clássicos é melhor que não ler os clássicos.


E se alguém objectar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto lhe preparavam a cicuta, Sócrates pôs-se a aprender uma ária na flauta. 'Para que te servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer".


Italo Calvino. Porquê ler os clássicos - excertos do capítulo inicial.

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