10/11/05

DA EDUCAÇÃO - 6




PROFESSOR:«INDISCIPLINADOR DE ALMAS»?

«A par desse vigor e de uma actividade notável, Mr.Ringold trouxe consigo para a sala de aula uma carga de espontaneidade visceral que era uma revelação para aqueles miúdos dóceis e tementes que ainda não tinham percebido que acatar as regras de comportamento de um professor nada tinha a ver com desenvolvimento intelectual. Havia mais relevância do que talvez ele pudesse imaginar na sua predilecção por nos atirar com o apagador sempre que a resposta dada não acertava em cheio. E dai talvez não. Talvez Mr.Ringold soubesse muito bem que o que miúdos como eu precisavam de aprender não era apenas expressar-se com precisão e reagir às palavras com mais discernimento, mas também a saber como serem rebeldes sem serem disparatados, como não serem dissimulados ou bem-comportados de mais e como começarem a libertar as tensões masculinas face à rigidez institucional que intimidava principalmente os alunos mais inteligentes.

Sentia-se, no sentido sexual do termo, o poder de um professor como Murray Ringold – a autoridade masculina sem laivos de piedade – e sentia-se, no sentido carreirístico do termo, a vocação de um professor como Murray Ringold, que não se tinha perdido na amorfa aspiração americana de chegar ao topo, que – ao contrário das professoras – poderia ter escolhido outra coisa qualquer e, ao invés, tinha escolhido como forma de vida ser nosso. Tudo o que desejava vinte e quatro horas por dia era lidar com jovens que ele pudesse influenciar e nada lhe dava mais gozo do que observar as suas reacções. «Estou-me completamente nas tintas», ensinar-lhes que não é preciso ser-se o Al Capone para se transgredir – que basta pensar. – Na sociedade humana – dizia-nos Mr.Ringold – pensar é a maior de todas as transgressões E acrescentava, batendo com os nós dos dedos na mesa, a reforçar cada sílaba: - Pen-sa-men-to crí-ti-co, eis a máxima subversão.»


Philip Roth in Casei com um comunista-Publ.-Dom Quixote,1999.
[título do excerto e sublinhados meus]

Obs.:O livro passa-se por volta dos anos 50, aquando das perseguições do maccarthismo.

Etiquetas:

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Licença Creative Commons