28/02/05

DO FALAR POESIA - 13




A poesia é o autêntico Real absoluto.

Este é o cerne da minha filosofia

- quanto mais poético, mais verdadeiro .



[Novalis]

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27/02/05

COISAS MINHAS - 8




Transparência límpida de infância não vivida
a fonte as casas o mar
a alga o sol a flor o búzio
a rocha a busca

a ânsia


Ergue-te coração
Na tarde limpa



Amélia Pais

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OS MEUS POETAS - 14



NECROLOGIA DO VERBO AMAR


Amo -

lançando-se contra moinhos de vento gritava dom Quixote.

Amo –
envenenado de céus gritava Otelo.
Amo –
recostado em Ossian soluçava Werther.
Amo –
tremendo nas carruagens de Jasvin repetia Vronski.
Amo –
separando-se de Grusenka sonhava Dimitri Karamazov.
Amo –
brandindo a espada recitava Cyrano.
Amo –
regressando do comício sussurrava Jacques Thibault.
Amo –
gritaria também o herói de um romance contemporâneo,
mas o autor não lho permite.


Não está na moda.
O amor já não é contemporâneo.



Izet Sarajlic, poeta bósnio, 1930 - 2002.
Trad. de José Luís Peixoto e Juan Vicente Piqueras

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26/02/05

OMNIA VINCIT AMOR




Não se Ama uma Pedra


Amar é reconhecer nos outros um ser misterioso, e não um objecto - tu eras uma vibração à tua volta, não a estreita presença de um corpo. Aqueles que não amamos nem odiamos são nítidos como uma pedra. Sentir neles uma pessoa é começar a amar ou a odiá-los. Só amamos ou odiamos quem é vivo para nós. («Nunca amaste ninguém...»).


Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar'


Recolhido em http://citador.weblog.com.pt/







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25/02/05

DE AMICITIA -1

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A amizade tem um efeito salvífico, quase taumatúrgico, quando acorre em resgate do que ameaça turvar-se em plena turbulência amorosa. A presença atenta, o sorriso compreensivo, a palavra certeira e necessária dos amigos com quem se tem intimidade, dita no preciso momento em que fazia falta, torna-se no mais prestimoso socorro que se pode desejar perante as vagas alterosas que surpreendem, mais cedo ou mais tarde, quem, por amar, arrisca (re)conhecer.

ana roque
Modus vivendi –- http://amata.weblog.com.pt/

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24/02/05

DO FALAR POESIA - 12

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Ainda Jorge de Sena


[.....]

Testemunhar do que, em nós e através de nós, se transforma, e por isso ser capaz de compreender tudo, de reconhecer a função positiva ou negativa (mas função) de tudo, e de sofrer na consciência ou nos afectos tudo, recusando ao mesmo tempo as disciplinas em que outros serão mais eficientes, os convívios em que alguns serão mais pródigos, ou o isolamento de que muitos serão mais ciosos — eis o que foi, e é, para mim, a poesia.»

Jorge de Sena, in Poesia-I -(Prefácio) -Moraes Editores,Lisboa

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23/02/05

INESIANAS - 12

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A NAVE DE ALCOBAÇA


Vazia, vertical, de pedra branca e fria,
longa de luz e linhas, do silêncio
a arcada sucessiva, madrugada
mortal da eternidade, vácuo puro
do espaço preenchido, pontiaguda
como se transparência cristalina
dos céus harmónicos, espessa, côncava
de rectas concreção, ar retirado
ao tremor último da carne viva,
pedra não-pedra que em pilar's se amarra
em feixes de brancura, geometria
do espírito provável, proporção
da essência tripartida, ideograma
da muda imensidão que se contrai
na perspectiva humana. Ambulatório
da expectação tranquila.

Nave e cetro,
e sepulcral resíduo, tempestade
suspensa e transferida. Rosa e tempo
Escada horizontal. Cilindro curvo
Exemplo e manifesto. Paz e forma
do abstracto e do concreto.Hierarquia
de uma outra vida sobre a terra. Gesto
de pedra branca e fria, sem limites
por dentro dos limites. Esperança
vazia e vertical Humanidade.

Araraquara,Brasil, 27 Novembro 62

Jorge de Sena - in Metamorfoses-Poesia II- Moraes editores, Lisboa,1978

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O PRAZER DE LER - 9



maravilhar-se



"em pequeno, eu costumava maravilhar-me com o facto de que as letras de um livro fechado não se misturassem e se perdessem no decorrer da noite".

Jorge Luis Borges

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OS MEUS POETAS - 13-«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO»-1

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Nos 150 anos do nascimento daquele que,no dizer de Fernando Pessoa, foi mestre porque ensinou a observar em verso :


Frí­gida

I

Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a porque odeio as carnações redondas;
Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.

II

Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
Expõe a majestade austera dos invernos;
N?o cora no seu todo a tí­mida candura;
Dançam a paz dos céus e os assombros dos infernos.

III

Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,
Numa das mãos franzindo um lenço de cambraia!...
Ninguém assim me prende, � seria extravagante,
Quando arrega�a e ondula a preguiçosa saia!


IV

Hei-de esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
É como o Sol - dourada, e, como a Lua - branca!

V

Pudesse-m'eu prostrar, num meditado impulso,
Ó gélida mulher bizarramente estranha,
E tr�mulo depor os lábios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!...

VI

Cintila no seu rosto a lucidez das jóias,
Ao deparar consigo a fantasia pasma;
Pausadamente lembra o silvo das jibóias
E a marcha demorada e muda dum fantasma.

VII

Metálica visão que Charles Baudelaire
Sonhou e pressentiu nos seus del­rios mornos,
Permite que lhe adule a distinção que fere,
As curvas da magreza e o brilho dos adornos!

VIII

Deslize como um astro, um astro que declina;
Tão descansada e firme é que me desvaria,
E tem a lentidão duma corveta fina
Que nobremente vá num mar de calmaria.

IX

Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge,
No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!
E ao persegui-la penso acompanhar de longe
O sossegado espectro angélico da Morte.

X

O seu vagar oculta uma elasticidade
Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,
E a sua glacial impassibilidade
Exalta o meu desejo e ataca o meu nervoso.

XI

Porém não arderei aos seus contactos frios,
E não me enroscará nos serpentinos bra�os.
Receio soportar febrões e calafrios;
Adoro no seu corpo os movimentos lassos.

XII

E se uma vez me abrisse o colo transparente,
E me oculasse, enfim, flexí­vel e submissa,
Eu julgaria ouvir alguém, soturnamente,
Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!



Cesário Verde




Lisboa -publicado in Tribuna (Lisboa) 2a série, no.67, 1875.


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22/02/05

COISAS MINHAS - 7

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les coquelicots (Monet)

E de novo a sensação do mole e indefinido
Vago rumor que envolve as coisas e a solidão nocturna
Ecos longí­nquos trazem-me a distância
Algo agita o vento e levanta a areia
O deserto é mais vasto
e o mar
É proa erguida do navio austero
Em que navega há séculos a sombra -
e a miragemPAPOILAS GRITO ABERTO NA MANHÃ DO ESPANTO



(Amélia Pais)

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PENSAR - 8

DO TEMPO
Muitas vezes a mim mesmo perguntei e muitas vezes escrevi: "Onde é que está o que se passou, onde é que está o que se passou, em que cave, em que arrecadação extravagante, ultramundana, em que arrecadação do nada ou do tudo se encontra o passado?" Será que o passado passa, Deus-sabe-de-que-maneira, para o presente? O presente será sempre, será esse futuro sempre no presente? De certa maneira: oh incerta e paradoxal forma."O que foi... o que foi... o que foi... Desesperadamente, corro atrás do que foi, atrás do que foi. Será o que já foi "nunca mais"? Talvez, no presente, o passado active este presente, se transforme em presente. Ele existiria da mesma forma que existem aqueles livros enormes nas bibliotecas. Como as páginas que lá estão, fotografadas em clichés minúsculos, para não ocuparem tanto espaço e para poderem ser lidos nos aparelhos, nas lupas, nos microscópios que aumentam, aumentam muito.
Eugène Ionesco, A Busca Intermitente, (Lisboa, Difel, 1990)

encontrado em digitalis -http://mhroque.blogspot.com/

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INESIANAS - 11

ADIVINHAS DE PEDRO E INÊS
(excertos)

"... Diz-se que os amores de D. Pedro e Inês começaram nesse primeiro encontro. A beleza de Inês exerce efeito sobre o príncipe e satisfaz a sua fantasia. Mas os que se apaixonam sempre estiveram apaixonados. Há um vestígio de recordação de coisas vividas no coração humano e que nem sequer precisam de corresponder a factos reais. São ás vezes um discurso incoerente mas em que entra a selecção das ideias na direcção de um núcleo original que a todos nos atraí. A origem das coisas e da vida é o princípio fascinante da nossa inclinação; o amor não significa mais que um brusco conhecimento da identidade original, o mesmo que nos faz ser difusos no comportamento social, ou religiosos, idealistas e poetas. “
[............................................]
É certo que a beleza oficial de Inês motivara a inclinação de Pedro, ou, pelo menos, dera suporte ao. aplauso trovadoresco que o envolveu, partindo da seita celta da Ri­beira da Homem. Amor sem apoio corporal não seria enten­dido nessa corte decadente de trovadores. Com Inês, o amor, sempre sujeito e dependente de cumplicidades obscuras, que partem das imagens fixadas desde a infância, não só no homem mas sobretudo no grupo, tomou um sentido que ultrapassava em muito a realidade do objecto. É possível que, ao querer abandonar Inês, com a simplicidade com que as coisas se faziam na sociedade feudal, o infante encon­trasse obstáculos insuperáveis. O primeiro foi o facto de a experiência quotidiana ter dado à pessoa amada uma invul­nerabilidade inesperada. Deixar Inês seria ofender a con­cepção platónica do amor, que resiste mais profundamente no coração humano do que o desejo que se satisfaz e que procria carnalmente. Decerto modo era trair o Eros cortês em que o segredo, a paciência e até o descontentamento têm tanta importância. Vemos muito claramente que o amor de Pedro é revestido de segredo. Não porque declará-lo seja impossível, graças ao impedimento do temor paterno; como o Dr. João das Regras muito bem sugere, esse temor não existia num filho que já se levantara contra seu pai com enorme sanha. O que sucedia é que Inês significava o princípio feminino que existe antes da matéria; e a relação com ela produzia no círculo dos amigos um estado de consolação mútua que era perigoso interromper. No entanto, quando o amor de Pedro se revela mais do que uma liturgia para sus­tento e estímulo do grupo social mais requintado da época
­[……………………………..]
Inês não era só o corpo físico, mas tudo o que compõe a alma, o total do homem profano: a razão, os desejos e até o tempo de acção que transforma a sociedade.

Agustina Bessa Luí­s,in Adivinhas de Pedro e Inês

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LIXO


Era uma vez um homem que passava uma parte considerável dos seus dias a mexer no lixo alheio. Explicava, a quem desejasse saber, que procurava uma alma. Perdera a sua e, por isso, precisava encontrar outra com urgência. Acrescentava que o local mais óbvio para procurar era entre o lixo dos outros. Pois se a bondade apenas se destaca quando contraposta à maldade, se a virtude apenas o é em relação ao pecado, se a verdade apenas existe enquanto a mentira existir, em que outro local procurar a pureza senão entre a impureza? Sorria e continuava a revolver o lixo.
Paulo Kellerman, Miniaturas-Colibri, Lisboa,2001

Encontrado em http://www.universosdesfeitos.weblog.com.pt/

UM POEMA DE QUE GOSTEI



O PRIMEIRO ASTRONAUTA

O primeiro astronauta
devia ter sido
Silvestre José Nhamposse

Só ele teria sacudido os pés à entrada da Lua
Só ele
teria pedido

com suave delicadeza:
- dá licença?

Mia Couto
encontrado no blogue http://fazendocaminho.blogspot.com/

21/02/05

PENSAR - 7


A Solidão em Perspectiva


É exactamente porque não há solidão que dizes que há solidão. Imagina que eras o único homem no universo. Imagina que nascias de uma árvore, ou antes, porque eu quero pôr a hipótese de que não há árvores, nem astros, nem nada com que te confrontes: supõe que o universo é só o vazio e que tu nascias no meio desse vazio, sem nada para te confrontares. Como dizeres «eu estou sozinho»? Para pensares em «eu» e em «sozinho» tinhas de pensar em «tu» e em «companhia». Só há solidão «porque» vivemos com os outros...


Vergílio Ferreira, 'Estrela Polar'

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19/02/05

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [7]




(ou carta quase póstuma para um amor ausente)

Penso em ti como um desejo interrompido que se teceu na minha memória.E sonho-te mais do que te recordo. Selecciono. Invento-te um nome, um rosto. Reconstruo. Reconstruo-te. Peça a peça. Minuciosamente – real ou irreal,- assim te lembro.

Amélia Pais


Obs:terminam aqui estes sete primeiros «fragmentos de um discurso amoroso» sob forma de «carta quase póstuma para um amor ausente».Talvez possam agora lê-los pela ordem normal,do 1º ao 7º...-A.P.


DO FALAR POESIA - 11



A poesia não é voz- é uma inflexão.
Dizer diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há

nos gestos nem nas coisas:

voo sem pássaro dentro.


(Adolfo Casais Monteiro)

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FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [6]


(ou carta quase póstuma para um amor distante)

Tento recordar teu rosto, nome. Curioso, como às vezes nos escapam os traços da pessoa amada. Situo-te num passado já distante. Não te imagino num presente.De ti resta-me o que foste comigo.E foste - me ternura e descoberta do meu corpo, de minhas mãos até então inábeis que ensinaste a acariciar teus cabelos, a sentir teu corpo; e ainda descoberta de que a minha voz tinha um sentido para além de sons mais ou menos indistintos e vagos.

(continua)
Amélia Pais

OS MEUS POETAS - 12



AOS AMIGOS


Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
construi­mos um lugar de silêncio.
De paixão.

(Herberto Hélder)

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18/02/05

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [5]

(ou carta quase póstuma para um amor distante)

De amor não falemos. De que serviria dar nome ao que encerra somente o equívoco? Somos e não somos sós. E depois ser só não é ser só. Não estamos sós. Temo-nos um ao outro na distância e na ausência, que são só acidentes e nada de essencial atingem. Temo-nos no que ficou do fugidio encontro, na ternura renovada que nos inventámos ou recriámos. Ou na lembrança.

(continua)

Amélia Pais

PENSAR - 6




Impuro e desfigurante é o olhar da vontade. Só quando nada cobiçamos, só quando o nosso olhar nada mais é senão pura observação, é que a alma das coisas, a sua beleza, se nos revela.


(Hermann Hesse)


Encontrado in modus vivendi -http://amata.weblog.com.pt/

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17/02/05

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [4]

(ou carta quase póstuma para um amor distante)

Não, não te interrogues – recordar-me-ás? – sobre os meus comos, os meus porquês, os meus quandos, os meus ondes. De nada te serviria.
Deixa flutuar a lembrança breve e imprecisa também. Permaneçamos no vago.
O que resta do nosso encontro breve é pouco? é muito?
Não sei, não podemos saber — o suficiente para nos sabermos existentes.

(continua)

Amélia Pais

O PRAZER DE LER - 8



O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que se lançou pela primeira vez um olhar inteligente sobre si próprio: as minhas primeiras pátrias foram os livros.

Marguerite Yourcenar - Memórias de Adriano

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16/02/05

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [3]



(ou carta quase póstuma para um amor ausente)

Encontro fugidio e breve foi o nosso. Belo também da beleza que permanece na memória para além dos dias. Algures tu és, aqui eu sou.Porque imprecisa, a distância se resolve na certeza vaga de existirmos num como e num onde. Tanto basta. [pergunta ou afirmação?] Não há passos que nos aproximem no impreciso e no vago. O nosso reencontro está só na certeza vaga de existirmos com outros, sob o mesmo sol. Melhor assim.

(continua)

Amélia Pais

INESIANAS - 10



[......]

Há cotovias já no teu silêncio
há coisas de outra idade neste dia
que afugentou os rouxinóis da noite
é manhã nas estrelas alguém vai casar
pedra de pedra intensamente
testamento lavrado sendo já alto o serão
alguém casou alguém morreu de amor
após a primeira postrimeira dor
Talvez um dia eu volte a essa cidade
somente minha e de mais ninguém
A vida era a mágoa para mim que só pedia
a beleza contida num pequeno copo de água
Ninguém profundamente me conhece
nem talvez isso interesse a alguém
e aos í­ntimos menos que a ninguém
Bailador e monteiro e justiceiro
pedro primeiro pedro derradeiro.

[........]


Ruy Belo, A Margem da Alegria- outro excerto

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15/02/05

OS MEUS POETAS - 11



Tu, a quem não digo que acordado
fico à noite a chorar;
tu, cujo ser me faz cansado
como um berço a embalar;
tu, que me não o dizes quando velas
por amor de mim;
diz-me: - Se pudéssemos aguentar
sem a acalmar
a pompa deste amor até ao fim?

Ora olha os amantes e o que eles sentem:
mal vêm as confissões,
qu?o breve mentem!

Só tu me fazes só. Só tu posso trocar.
Um momento és bem tu, depois é o sussurar
ou um perfume sem traços.
Ai! a todas eu perdi entre os meus braços!
Só tu em mim renasces, sempre e a toda a hora:
Por nunca te abraçaar é que te tenho agora.

(Rainer Maria Rilke - tradução dePaulo Quintela)

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FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [2]


(ou carta quase póstuma para um amor distante)
Como serás tu que imagino mais do que recordo – a memória traz consigo também o esquecimento, continuando embora memória de gestos repetidos – com quem te encontras, como pensas, que brisas novas suavizarão teu sangue inquieto.Na distância imprecisa que o tempo traz recordo vagamente teu rosto rude e já marcado, a ternura inconsistente e macia da areia deslizando em nossas mãos.

(continua)

Amélia Pais

14/02/05

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [1]

(ou carta quase póstuma para um amor distante)

Na distância imprecisa, meu amor, ignoramos de nós sequer a latitude.Contudo, provavelmente o mesmo sol cobre nossos corpos ávidos de luz e de acontecer, os mesmo rostos (ou serão outros?) da mesma gente envolvem nossos passos, os mesmos ruídos, o mesmo bombardear de factos e de ideias, a mesma música flutua em nossos cabelos, o mesmo vento nos impele na busca de horizontes claros e do mar, cheiro de algas penetrante, doçura do pôr do sol e das tempestades na barra.

(continua)

Amélia Pais

O PRAZER DE LER - 7


NUMA LIVRARIA


Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler. E os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria.
Deve haver certamente outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido.
No entanto, as pessoas que entravam na livraria estavam todas muito bem vestidas de quem precisa salvar-se.


(José de Almada Negreiros)

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13/02/05

PENSAR - 5



Não sonhes a eternidade, que os deuses aposentaram-se e já a não fabricam. Mas porque a não fabricas tu, se soubeste fabricar quem a fabricava? Está aí à tua mão, aproveita-a. Está aí numa música, num quadro, num poema. E se te é trabalhoso ter olhos e ouvidos, porque não experimentas tentá-la no que passou e onde nunca falha? Está lá a sua fixação para sempre. E se isso te estraga a boa reputação, porque não olhas uma simples flor silvestre, ou ouves um pássaro cantar? Estão fora do tempo no instante em que olhas e ouves. Aproveita. Amanhã é tarde e a corrupção voltou.

(Vergílio Ferreira)

encontrado em http://noctivago.blogspot.com/

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12/02/05

INESIANAS - 9


Inès de Castro


Le passage des navires
imprime dans les eaux
majestueuses et joyeuses
du Tage
ces paroles ailées
prononcées par l’antique
Amante: « Je suis Inès de Castro,
l’Amante portugaise!
je fus haute
dans mon Amour
et fine dans mon Désir!
Je n’ai recherché
que la Volupté,
Souverain Bien
de mon Prince,
Suprême Réalité,
depuis les temps immémoriaux
de Cyrène,
de tous les hommes
qui en sont immortels,
ne pouvant mourir
après l’avoir goûtée!


Car la Volupté
chante jusque dans les cieux
de sa bouche de grenade
et de feu
où les rivières
échangent leur sang!
Elle est même
céleste et divine,
étant le secret,
jalousement gardé,
des dieux!
D’ailleurs, j' en fus
une des Incarnations,
de surcroît lusitanienne!


Et je devins
pour mon Amant
le ciel et les étoiles
et les météores et les comètes
et le Soleil et les Lunes
et leurs danses circulaires,
leurs rondes incessantes
autour de l’Être,
pareil à ma vulve
qui fut la source
de tout rayonnement,
de toute confluence,
de toute paix!


Je fus pour lui,
mon Roi et Maître,
la Terre,
étendue comme un luth
langoureux
avec ses moissons bienheureuses,
avec ses récoltes de figues
alentéjanes,
avec ses vendanges savoureuses,
avec ses collines boisées
où l’on trépasse de bonheur!
Pour lui, mon aurore,
je fus le crépuscule d’été
qu’il souhaita arrêter
pour à jamais
fixer mon image!
Pour lui, la fleur de mes yeux,
je fus la Nuit
vaste comme un puits
de diamants bleus!


Pour lui, mon fleuve d’or,
je fus un pont de Navarre
à six arches,
chiffre de Vénus!
pour lui, le trône de mon corps,
je fus un abreuvoir de nacre!
Pour lui, mon blanc papillon,
je fus le vent
dont rêvent les chrysalides!
Pour lui, mon Âme diverse,
je fus l’ombre smaragdine
de l’oasis irriguée
du seul chant
des hirondelles!


Pour lui, mon Algarve,
je fus tous les jardins
du Portugal!
Pour lui, mon olivier,
je fus le sol
où jettent leurs racines
tous les oliviers!

Pour lui, mon Océan,
je fus le port de Lisbonne,
le port le plus riche
en Espérance,
le pli ultime
du Regret!


Que ceux, sombres et froids
courtisans,
ennemis du jaillissement vital,
ennemis de la Terre,
qui m’enlevèrent
à sa vue
en m’enlevant la vie,
ne soient jamais pardonnés!
Que la géhenne
brûle éternellement pour eux,
car impardonnables sont
les attentats contre l’Amour,
et inexcusables
les outrages au Désir!»


Et les blancs vaisseaux
de passer et de repasser
dans la brume des chrysoprases,
résonnant dans leur sillage
de ces paroles,
sacrées parmi toutes les paroles!



Théo Crassas -Citadelles De Cuivre.
Éditions Associatives Clapsas
Février 2000

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OS MEUS POETAS - 10


Mulher gorda na janela

Não há pressa em seus olhos,
apenas o costume de estar só.
Seu olhar fixa as marcas que deixam os coches,
atenta em vão
ao que falta.
Apoia seu rosto no vidro frio
e repousa.
Olha suas mãos redondas, pequenas,
toca em seus seios grandes e quentes,
pensa em seus pés e sorri maternalmente.
Corpulenta e doce como uma boa sopa,
murmura,
e no entanto está só.
Sabe que está fora mas não sabe de quê.
Ninguém percebe a sua paixão
pesada e gorda na janela.



(Beatriz Novaro - México)
tradução: Ana Thereza Vieira

Obs.: encontrei este poema no blogue da lebre do azrrozal (alice)- http://www.theresonly1alice.blogspot.com/

Não conheço o poema original, em castelhano, mas parece-me que, muito possivelmente, a palavra «coches» do 3ºverso seria melhor traduzida por «carros».





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DO FALAR POESIA - 10



«O poeta deve deixar traços da sua passagem, não provas. Só os traços fazem sonhar.»



(René Char)

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11/02/05

COISAS MINHAS - 6




Belo e difícil este país de não
Ternura e sol de meu amor
Reino de fantasmas de navios
Dedos gigantes abarcando o mar

Ah pudesse eu agarrar no meu país

E dá-lo todo todinho a esta esperança nova


(Amélia Pais)

Nota: escrevi estes versos em 1969. Mas não sei se estarão assim já tão datados...

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PENSAR - 4

Escrevo...

"Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa,não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior."

(Bernardo Soares-Livro do Desassossego)

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10/02/05

amo,ergo sum- e precisamente nessa proporção -Ezra Pound



Despede-se hoje de nós um belíssimo blogue - o Amo,ergo sum - http://amoergosum.blogs.sapo.pt/ - que nos ofereceu momentos de beleza poética e visual que não esqueceremos - e permanecem, para já, nos seus arquivos.Esse blogue estava sob a égide de um grande poeta - e justamente de um dos seus versos meus preferidos.Despede-se com um

até sempre

Feci quod potui, faciant meliora potentes.
(Fiz o que pude, faça melhor quem puder.)
Cicero

Volte breve,amiga.Eu gostaria muito.

Além do mais foi ao seu blog que eu fui «roubar» a imagem do meu dos meus barcos de flores.Obrigada pelo que me/nos deu.



OS MEUS POETAS - 9


(breve homenagem ao Amo, ergo sum)

EURÍDICE



1.

Lançaste-me então para trás,
eu que poderia ter caminhado com as almas vivas sobre a terra,
eu que poderia ter dormido entre flores vivas
por fim;

então pela tua arrogância
pela tua truculência
fui lançada para trás
para onde o líquen morto escorre
escórias mortas sobre musgo de cinza;

então pela tua arrogância estou
por fim despedaçada,
eu que vivi inconsciente,
que fui quase esquecida;

se me tivesses deixado esperar
teria crescido da indiferença
para a paz,
se me tivesses deixado repousar com os mortos, ter-me-ia esquecido de ti
e do passado.





(Ezra Pound -1885-1972)
Fim do Tormento. H.D., seguido de O Livro de Hilda.
(tradução de Filipe Jarro)

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09/02/05

INESIANAS- 8



A Metáfora de Inês


Se o tempo se mistura a outros tempos
medidos pelas vidas

que os limitam à sua brevidade,
de pouco servirá cotejá-los
com o seu próprio dia, tarde cheia
de sinais ansiados como gestos de Inês,
levíssimos no rosto de D. Pedro.
É assim que ele vive, acumulando
o que não é real, senão
quando Inês lhe aparece
e o presente se torna uma medida,
a única que deseja,
e por ela,
como o infante, é capaz de lutar, anulando
o tempo que lhe deu o nome ― Inês ―,
e, recuando, serem todos verdadeiros
no mito que transpõe
em sinais e carícias sempre novas.

(Nuno Dempster-in http://musas_esqueleticas.weblog.com.pt/)

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P'ra tudo se acabar na 4ªfeira



A FELICIDADE


Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como uma pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar.

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
por um momento de sonho para fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou de jardineira.
Pra tudo se acabar na quarta feira.

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como uma gota de orvalho
Numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade é uma coisa louca
Mas tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo isso ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato sempre dela muito bem.

Tristeza não tem fim
Felicidade sim


(António Carlos Jobim e Viní­cius de Morais)

08/02/05



Manhã de Carnaval
(Luiz Bonfá / Antônio Maria)


Manhã, tão bonita manhã
Na vida uma nova canção
Cantando só teus olhos
Teu riso tuas mãos
Pois há de haver um dia
Em que virás

Das cordas do meu violão
Que só teu amor procurou
Vem uma voz falar
Dos beijos perdidos
Nos lábios teus

Canta o meu coração
Alegria voltou
Tão feliz na manhã desse amor

Manhã, tão bonita manhã
De um dia feliz que chegou
O sol no céu surgiu
E em cada cor brilhou
Voltou o sonho então
Ao coração

Depois deste dia feliz
Não sei se outro dia virá
É nossa manhã!Tão bela afinal manhã
De carnaval

Manhã, tão bonita manhã
Na vida uma nova canção
Em cada flor, o amor
Em cada amor, o bem
O bem do amor faz bem
Ao coração

Então vamos juntos cantar
O azul da manhã que nasceu
O dia já vem
E em seu lindo olhar
Também, amanheceu

...............

(ainda lembram a música ?)

PENSAR - 3



A CHAMA DUPLA


«O acaso objectivo, tal como Breton o expõe, apresenta-se como outra explicação do enigma da atracção amorosa. Como as outras -- a bebida mágica, a influência dos astros ou as tendências infantis da psicanálise-- deixa intacto o outro mistério, o fundamental: a conjunção entre destino e liberdade. Acidente ou destino, acaso ou predestinação, para que a relação se realize precisa da cumplicidade da nossa vontade. O amor, qualquer amor, implica um sacrifício; contudo, sabendo isto, escolhemos sem pestanejar esse sacrifício. Este é o mistério da liberdade, como admiravelmente o viram os trágicos gregos, os teólogos cristãos e Shakespeare. Também Dante e Cavalcanti pensavam que o amor era um acidente que, graças à nossa liberdade, se transformava numa escolha. Cavalcanti dizia: o amor não é a virtude mas, nascido da perfeição (da pessoa amada), é o que a torna possível. Devo acrescentar que a virtude, seja qual for o sentido que dermos a essa palavra, é primeiro que tudo e sobretudo um acto livre. Em suma, para dizê-lo usando uma enérgica expressão popular: o amor é a liberdade em pessoa. A liberdade encarnada num corpo e numa alma ...»
[.....]
«Amamos um ser mortal como se fosse imortal. Lope de Vega disse-o melhor: àquilo que é temporal chamamos eterno. Sim, somos mortais, somos filhos do tempo e ninguém se salva da morte. Não apenas sabemos que vamos morrer, mas que a pessoa que amamos também morrerá. Somos os joguetes do tempo e dos seus acidentes: a doença e a velhice, que desfiguram o corpo e fazem perder a alma. Mas o amor é uma das respostas que o homem inventou para olhar de frente a morte. Por intermédio do amor roubamos ao tempo que nos mata umas quantas horas que transformamos às vezes em paraíso e outras em inferno. Das duas maneiras o tempo distende-se e deixa de ser uma medida. Para lá da felicidade ou infelicidade, embora seja as duas coisas, o amor é intensidade; não nos oferece a eternidade mas a vivacidade, esse minuto no qual se entreabrem as portas do tempo e do espaço: aqui é lá, e agora é sempre. No amor tudo é dois e tudo tende a ser um.»
Octavio Paz, A Chama Dupla-Amor e Erotismo, Assírio e Alvim 1995

encontrado em http://ohomemumapaixaoinutil.blogspot.com/

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07/02/05

COISAS MINHAS - 5



Versos dispersos ou quase poemas

..............................

Poeta, eu? Nasceu-me no meu verso
A beleza da vida pressentida
Nasceu-me o sonho – e com ele
Minha verdade ficou – assim vivida


......................................
(variante ou outro)

Poeta, eu? saciasse-me de novo
a pureza do que não aconteceu
e este sol seria mar imenso
de ternura criada entre meus dedos



(Amélia Pais)

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DO FALAR POESIA - 9

Mais do que a palavra, o que em poesia se recebe é o silêncio.


(Orlando Neves)

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06/02/05

CAMONIANAS - 0


SONETO

Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tão confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta quando:
«Não sei, que também fui nisso enganado».
É tão triste este meu presente estado
que o passado por Iedo estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta é mais que os erros?



(Luís de Camões - Rimas)

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05/02/05

PENSAR - 2



Nota para não Escrever

Se o conhecimento é uma forma de escrita, mesmo sem palavras, uma respiração calada, a narrativa que o silêncio faz de si mesmo, então não se deve escrever, nem mesmo admitindo que fazê-lo seria o reconhecimento do conhecimento. Pode escrever-se acerca do silêncio, porque é um modo de alcançá-lo, embora impertinente. Pode também escrever-se por asfixia, porque essa não é maneira de morrer. Pode escrever-se ainda por ilusão criminal: às vezes imagina-se que uma palavra conseguirá atingir mortalmente o mundo. A alegria de um assassinato enorme é legítima, se embebeda o espírito, libertando-o da melancolia da fraternidade universal. Mas se apesar de tudo se escrever, escreva-se sempre para estar só. A escrita afasta concretamente o mundo. Não é o melhor método, mas é um. Os outros requerem uma energia espiritual que suspeita do próprio uso da escrita, como a religiosidade suspeita da religião e o demonismo da demonologia. A escrita - inferior na ordem dos actos simbólicos - concilia-se mal com a metamorfose interior - finalidade e símbolo, ela mesma, da energia espiritual. O espírito tende a transformar o espírito, e transforma-o. O resultado é misterioso. O resultado da escrita, não.

(Herberto Helder, in 'Photomaton & Vox')

http://citador.weblog.com.pt/arquivo/168521.html

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INESIANAS - 7



ESCREVO


Querido amigo gostava de enviar-te
o canto lavado dos pássaros
nos plátanos de Alcobaça

do mosteiro o silêncio coalhado
no sono púrpura de Inês e Pedro

da luz a mais desvelada a da Foz
por onde o mar regressa
chapinhado de infância e sal

enviar-te enfim o pequeno país íntimo
adjacente ao litoral do coração

porque um dia entraste na minha casa
e inesperadamente
todas as janelas se abriram


(Soledade Santos - http://nocturnocomgatos.weblog.com.pt/)

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04/02/05

O PRAZER DE LER - 6



os livros

sento-me no crepúsculo do fim da tarde,

cansado da suposta vida de plenitude
e é neste instante que o livro aparece
rodeado pela necessidade intensa do
enternecimento. percorro as lombadas dos
tomos que fui comprando e recordo aventuras
passadas na impossibilidade das letras. nestes
apaixonados momentos de solidão sinto
o vício do toque do papel, a procura insana e
inócua que existe no desfolhar das folhas
cobertas de sonhos e procuro as minhas vivências
na impossibilidade da leitura onde vou refazendo
sonhos nos sonhos forjados dos escritores encapados.


(Rui Miguel Rocha)

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DO FALAR POESIA - 8



O SONHO DO POEMA


Por duas razões que resistem à especulação
O poema recolhe-se cedo
Ao corpo do poeta:
Ou porque o poema se priva de sonhar
Ou porque o guerreiro
Decidiu descansar!
Apenas entre mãos sonhadoras o poema dorme
[na posição correcta!


Boujema El Aoufi(Marrocos, n. 1961)
Tradução de Pedro Amaral, a partir da versão inglesa, de Norddine Zouitni.

recolhido do blogue - http://quartzo-feldspato-mica.blogspot.com/

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03/02/05

PENSAR - 1



O Que é Escrever ?


Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso (não de livraria, mas de indignação social profunda) é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração. Mas porque a poética precisão de dum acto humano não corresponde totalmente à sua evidência. Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas. Depois de tudo, escrever é um pouco corrigir a fortuna, que é cega, com um júbilo da Natureza, que é precavida.

(Agustina Bessa-Luís, in "Contemplação Carinhosa da Angústia")
-encontrado http://citador.weblog.com.pt/

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02/02/05

INESIANAS - 6



INÊS: O NOME


Inês é nome que se pronuncia
Para instigar ou seduzir prodígios,
é senha que as sibilas balbuciama
o decifrar enigmas cabalísticos.
É mais do que isto: códice da língua,
raiz da fala, bulbo do lirismo.
É gênese da raça e do suplício,
arché do amor e substância prima.
É mais ainda: tálamo do espírito,
dessa alquimia de morrer em vida
e retornar na antítese do epílogo.
E quem disser que Inês é apenas mito
- mente. E faz dela inútil pergaminho.
E da poesia um animal sem vísceras.

(Ivan Junqueira - A Rainha Arcaica)

Obs.: este é um dos vários sonetos que integram a obra A Rainha Arcaica do poeta brasileiro Ivan Junqueira. É possível que venha a colocar outros desses sonetos.

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O PRAZER DE LER - 5



"É um homem extremamente suspeito; leu muito, maneja bem a pena, atravessou quase toda a Rússia (quase sempre a pé)"

Relatório da Polí­cia (1898)


(Máximo Gorki, Três Contos , - Porto, Editorial Inova, 1972)

[encontrado em digitalis - de mhroque - http://mhroque.blogspot.com/]

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01/02/05

OS MEUS POETAS - 7



Um dos grandes poetas gregos contemporâneos de que gosto:


INSISTENTEMENTE


Detrás da velha muralha,
através das ameias,
pelos buracos das pedras em ruí­na,
os rostos
com olhos dilatados, cruéis
observam
o jovem caçador a urinar
sobre um capitel quebrado.

Por acaso, se a vida é mentira
a morte também o é.

(Yannis Ritsos)

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