30/09/05

JAMES DEAN



No 50ºaniversário da morte do Rebelde sem Causa

«Rêve comme si tu vivais éternellement. Vis comme si tu allais mourir aujourd’hui»

-Sonha como se vivesses para sempre.Vive como se fosses morrer hoje mesmo -.


James Dean

- citação encontrada in http://www.evene.fr

OS MEUS POETAS - 38


Picasso

Nas ruas da cidade caminha o meu amor. Pouco importa onde vai no tempo dividido. Já não é meu amor, todos podem falar-lhe. Ele já não se recorda. Quem de facto o amou?

Procura o seu igual no voto dos olhares. O espaço que percorre é a minha fidelidade. Ele desenha a esperança e ligeiro despede-a. Ele é preponderante sem tomar parte em nada.

Vivo no seu abismo como um feliz destroço. Sem que ele o saiba, a minha solidão é o seu tesouro. No grande meridiano onde inscreve o seu curso é a minha liberdade que o escava.

Nas ruas da cidade caminha o meu amor. Pouco importa onde vai no tempo dividido. Já não é o meu amor, todos podem falar-lhe. Ele já não se recorda. Quem de facto o amou e de longe o ilumina para que ele não caia?


René Char
(trad. de Yvette Centeno)

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29/09/05

PÉROLAS - 18



Só crêem no divino
Os que o trazem em si.

Hölderlin

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DESASSOSSEGOS - 12



Poema do Homem Só

Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nehum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.

António Gedeão

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28/09/05

PÉROLAS - 17



Se alargas os braços,
desencadeia-se uma estrela.

Herberto Helder

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LER OS CLÁSSICOS - 21



[O Judeu]

«Que delito fiz eu para que sinta
o peso desta aspérrima cadeia
nos horrores de um cárcere penoso
em cuja triste, lôbrega morada
habita a confusão e o susto mora?
Mas se acaso, tirana, estrela ímpia,
é culpa o não ter culpa, eu culpa tenho.
Mas se a culpa que tenho não é culpa,
para que me usurpais com impiedade
o crédito, a esposa e a liberdade?»


António José da Silva, o «Judeu»
- in Anfitrião
- dramaturgo português do s.XVIII; preso pela Inquisição em 5 de outubro de 1739, foi condenado,em auto-de-fé, a ser queimado, com mais 10 "judaizantes", em 18 Outubro seguinte;tinha então 34 anos; sobre ele escreveu Bernardo de Santareno a peça «O Judeu».


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27/09/05

PÉROLAS - 16




Creio

Creio no incrível, nas coisas assombrosas, na ocupação do mundo pelas rosas, creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.

Natália Correia

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ESCREVER -18


Picasso


Escrevemos.
Até as palavras
Serem carne,

E o poema
A foz
Do nosso gozo.


Violeta Teixeira- in Orgias do Esquecimento (inédito)

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26/09/05

PÉROLAS - 15


almada negreiros - arlequim e colombina


Uma frase que sobejou

há sistemas para todas as coisas que nos ajudam
a saber amar, só não há sistemas para saber amar!

Almada Negreiros

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UMA CANÇÃO NO OUTONO



Les feuilles mortes


Oh! je voudrais tant que tu te souviennes
Des jours heureux où nous étions amis
En ce temps-là la vie était plus belle,
Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle
Tu vois, je n'ai pas oublié...
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle
Les souvenirs et les regrets aussi
Et le vent du nord les emporte
Dans la nuit froide de l'oubli.
Tu vois, je n'ai pas oublié
La chanson que tu me chantais.

Refrain:

C'est une chanson qui nous ressemble
Toi, tu m'aimais et je t'aimais
Et nous vivions tous deux ensemble
Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais
Mais la vie sépare ceux qui s'aiment
Tout doucement, sans faire de bruit
Et la mer efface sur le sable
Les pas des amants désunis.

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,
Les souvenirs et les regrets aussi
Mais mon amour silencieux et fidèle
Sourit toujours et remercie la vie
Je t'aimais tant, tu étais si jolie,
Comment veux-tu que je t'oublie?
En ce temps-là, la vie était plus belle
Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui
Tu étais ma plus douce amie
Mais je n'ai que faire des regrets
Et la chanson que tu chantais
Toujours, toujours je l'entendrai!

paroles: Jacques Prévert
musique: Joseph Kosma

[quem souber pode ir cantarolando...]

25/09/05

PÉROLAS - 14



Ulisses, Ítaca e o amor à Pátria

«Olha Ulisses: está com vontade de ver os rochedos da sua querida Ítaca, como Agamémnon, as muralhas da nobre Micenas: - não amamos a pátria porque ela é grande, mas porque nascemos nela».

SénecaCartas a Lucílio

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DE AMICITIA - 25




Procura-se um amigo

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. [...]
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade.
[...]
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.


Vinicius de Moraes

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24/09/05

PÉROLAS - 13




A verdade é a beleza e a beleza é a verdade.
— É tudo o que há para saber, e nada mais.

John Keats - in Ode sobre uma urna grega


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OMNIA VINCIT AMOR - 29




O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir
[vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto

[
na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim
[como um girassol com a cara dela no meio.


(10-7-1930)

Fernando Pessoa/Alberto Caeiro - O Pastor Amoroso

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23/09/05

PÉROLAS - 12



O Outono é uma segunda primavera
quando as folhas são as flores -Albert Camus


[encontrado no blogue http://www.garfos.letrascomgarfos.net/]

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POETAS AMIGOS - 18



Olha aquele branco, aquela cor sem vazio,
Aquele peixe formidável que engole toda a água.
As nuvens, as chaminés, as casas prometem a serenidade.
Aquele balão subindo pode ser todo o ser.
O rio rindo com os seixos rolando, podem dizer todo o dia.
Olha o deserto saindo da enciclopédia pedindo amor.
Podem as cataratas dizer a voz por detrás?
Toda a gente subindo a calçada querem dizer basta.
Qualquer criança escrevendo poesia num soluço chorando,
Procura a mãe.
Eu não posso mais filho. Todo o céu não será demais para nós.
Amo-te.

Constantino Mendes Alves - in http://diariopoetico.weblog.com.pt/

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22/09/05

PÉROLAS -11




Amo, ergo sum...
E precisamente nessa proporção.



Ezra Pound - Poemas Escolhidos - ed.D.Quixote, 1986
-trad. de José Palla e Carmo

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DE AMICITIA -24



Amizade

De mais ninguém, senão de ti, preciso:

Do teu sereno olhar, do teu sorriso,

Da tua mão pousada no meu ombro,

Ouvir-te murmurar: espera e confia

E sentir transformar-se em harmonia

O que era, dantes, confusão e assombro.


Carlos Queiroz- in Desaparecido e Outros Poemas. Ática, 3ºed.1957

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21/09/05

PÉROLAS -10



«A ALEGRIA É SABER»


Rainer Maria Rilke - in Cartas a um Poeta

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LER OS CLÁSSICOS - 20


Ingres

[Sedução de Júpiter por Vénus]

[...]

34

E, como ia afrontada do caminho,
Tão fermosa no gesto se mostrava,
Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho
E tudo quanto a via, namorava.
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,
Uns espíritos vivos inspirava,
Com que os Pólos gelados acendia,
E tornava do Fogo a Esfera, fria.

35

E, por mais namorar o soberano
Padre, de quem foi sempre amada e cara,
Se lhe apresenta assi como ao Troiano,
Na selva, Ideia já se apresentara.
Se a vira o caçador que o vulto humano
Perdeu, vendo Diana na água clara,
Nunca os famintos galgos o mataram,
Que primeiro desejos o acabaram.

36

Os crespos fios de ouro se esparziam
Pelo colo que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,
Com quem Amor brincava e não se via;
Da alva petrina flamas lhe saíam,
Onde o Minino as almas acendia.
Polas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.

37

Cum delgado cendal as partes cobre
De quem vergonha é natural reparo;
Porém nem tudo esconde nem descobre
O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Mas, pera que o desejo acenda e dobre,
Lhe põe diante aquele objecto raro.
Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.


[…]

42
E destas brandas mostras comovido,
Que moveram de um tigre o peito duro,
Co vulto alegre, qual, do Céu subido,
Torna sereno e claro o ar escuro,
Às lágrimas lhe alimpa, e, acendido,
Na face a beija, e abraça o colo puro;
De modo que dali, se só se achara,
Outro novo Cupido se gerara.
[...]


Camões - Os Lusíadas,II, 34 e ss.
imagem encontrada em modus vivendi - http://amata.weblog.com.pt/

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20/09/05

PÉROLAS - 9




Qual é a minha experiência de vida?
Nenhuma.
Qual é a lei que extrais da vida?
Nenhuma.
Só o espanto.


Raul Brandão

Cit.em noctívago - http://noctivago.blogspot.com

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DESASSOSSEGOS - 11



desassossego

há uma estranha melancolia :

no adágio para cordas de mozart
tocando na vitrola
no rock
(a um volume ensurdecedor)
no carro dos rapazes do bar em frente
na variedade do verde das palmeiras ao longe
e da castanhola e do ipê tão perto
nas vozes alegres da pessoas espremidas em longas filas
à porta da doceira
e no tom róseo do céu nessa tarde de dezembro.

há uma estranha melancolia em mim
(e bem sei não deveria) :

um desassossego
que a tudo contagia
como uma epidemia de saudade.


Márcia Maia

http://www.tabuademares.blogger.com.br/

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19/09/05

DO FALAR POESIA - 33



FORMA & FUNDO

Um poema precisa ser
mais que o simples
desenrolar da elipse
ascendendo em fuso
afunilado.

Se sobe
(e é bom que suba),
deverá desenrolar-se
de si mesmo,
multiplicar o impulso
inicial e acelerar
o arranque da subida.

Inútil, porém,
se nessa forma de hélice
despetalada em sons
e sílabas,
não tiver lá dentro
o combustível do sangue
o pulsar de um desejo
o fundo de um grito
que ateste a sua
condição humana.

Ivo Barroso

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Greta Garbo -1905-1990



Ela foi Mata-Hari, Ana Karenina,Rainha Cristina, Maria Walewska, Ninotchka, A mulher de duas caras e muitas outras.Teve carreira fulgurante e voluntariamente breve.Teria feito ontem,dia 18, cem anos .

«O percurso cinematográfico de Greta Garbo foi relativamente curto, apenas 20 anos de carreira (se contarmos os spots publicitários de 1921/2) seguidos por 49 de silêncio. Mas um silêncio preenchido por uma impossível busca de anonimato e uma contraditória vida social de alta intensidade no jet set internacional. Mas nessas duas décadas, Garbo iluminou ecrãs e vidas literalmente em todo o mundo, mesmo sendo reconhecido que sem a sua presença muitos dos filmes em que participou não passariam da mediocridade... » -
Ver, também,neste e noutros lugares, a sua filmografia completa.

18/09/05

PÉROLAS - 8





Não há volta,
quando a meta é a estrela.

Leonardo Da Vinci
imagem: índios-México

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ESCREVER - 17



Às vezes penso na matéria para o livro a escrever como uma coisa que já existe: pensamentos já pensados, diálogos já pronunciados, histórias já acontecidas, lugares e ambientes já vistos; o livro não devia ser senão o equivalente do mundo não escrito traduzido em escrita.
Mas outras vezes julgo compreender que entre o livro a escrever e as coisas que já existem só pode haver uma espécie de complementaridade: o livro devia ser a parte escrita do mundo não escrito; a sua matéria devia ser o que não existe nem poderá existir senão quando for escrito, mas cujo vazio o que existe sente obscuramente na sua imperfeição.
Vejo que seja como for, continuo a girar em torno da ideia de uma interdependência entre o mundo não escrito e o livro que deveria escrever. É por isso que o escrever se me apresenta como uma operação de tal peso que fico esmagado.
Ponho o olho no óculo e aponto-o para a leitora. Entre os seus olhos e a página voa uma borboleta branca. Seja o que for que estivesse a ler, a verdade é que agora foi a borboleta a prender a sua atenção. O mundo escrito tem o seu apogeu naquela borboleta. O resultado para que devo tender é uma coisa precisa, íntima, leve.
Observando a jovem mulher na cadeira, deu-me uma necessidade de escrever a vista, ou seja escrever não ela mas a sua leitura, de escrever qualquer coisa, mas pensando que tem de passar através da leitura dela.
Agora, vendo a borboleta que pousa no livro. Queria escrever "a vista" tendo presente a borboleta. Escrever por exemplo um crime atroz, mas que de algum modo se pareça com a borboleta, que seja fino e leve como a borboleta. Poderia também descrever a borboleta mas tendo presente a cena atroz de um crime, para que a borboleta se torne uma coisa assustadora.

Italo Calvino

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17/09/05

POETAS AMIGOS - 17



[sobre o acto de escrever]


O primeiro raio de sol
não tem um nome
- é somente uma flecha,

e surge todos os dias
atravessando a falha
na tua persiana.

O primeiro canto do galo
não traz nenhum verso
ao teu coração isolado:

"Mas sem o teu canto, galo galo,
não posso despertar"
pensas.

No entanto, para ti,a angústia
é sempre o primeiro passo,
o primeiro nome e verso
de um qualquer poema.



Oscar Mourave -http://www.finisterra.blogger.com.br/

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16/09/05

PÉROLAS - 7



"Nada acontece
antes de ser sonhado."


Carl SandBurg

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LER OS CLÁSSICOS -19





A VIDA É SONHO

É certo; então reprimamos

esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
Que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.

Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
Vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?

Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende ,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.

Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.

Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.

Pedro Calderón de La Barca (1600-1681)

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15/09/05

PÉROLAS - 6




Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


[...]


Álvaro de Campos, exc. de Tabacaria, certamente um dos mais belos poemas do mundo.

Pode relê-lo integralmente em http://www.tanto.com.br/fernandopessoa.htm

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OMNIA VINCIT AMOR -28





Eu não sei se estiveste ausente.
Eu deito-me contigo, e levanto-me contigo.
Nos meus sonhos tu estás junto a mim.
Se estremecem os brincos das minhas orelhas
eu sei que és tu que te moves no meu coração.

México,Nahuas

Trad. de José Agostinho Baptista in Rosa do Mundo

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14/09/05

PÉROLAS -5


imagem: Dante e Beatriz

«O amor [que] move o sol e todas as estrelas



Dante Alighieri - in A Divina Comédia
( hoje, data da sua morte em Ravenna, em 1321; n.em Firenze em 1265)


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13/09/05

O PRAZER DE LER - 27


livraria Lello-Porto-interior


Lugares mágicos

Entro numa livraria como quem entra num santuário, onde o direito de asilo nos é sempre garantido. Nas cidades que não conheço, é sempre o primeiro lugar que procuro e nunca resisto a entrar quando ela se atravessa no meu caminho. As livrarias fazem parte da minha família. São amigas de infância. É nelas que marco encontros com amigos, é passando a mão pelas capas dos seus livros que desfaço neuras e procuro energias.
Claro que há as minhas livrarias de eleição, aquelas a que, por qualquer motivo,me habituei como ao café da manhã ou o jornal comprado no quiosque de sempre: durante anos e anos a Quadrante foi a minha segunda casa, uma espécie de "baby-sitter" para os meus filhos pequenos, que lá deixava rodeados de livros e vigiados pela Nini, uma cadela com quem compartilhavam festas e lambidelas nos chupa-chupas, até que um dia a Quadrante fechou e, até hoje, nada lá conseguiu vingar.
Já foi casa de pronto-a-vestir, já foi loja de móveis, já foi galeria de arte, neste momento alberga a redacção de uma revista de saúde à qual, evidentemente, desejo muita sorte e que consiga vencer a maldição...E há ainda as livrarias mágicas, aquelas sem as quais os lugares, para mim, perdiam muito da sua razão de ser: ir ao Porto sem ter tempo para ir à Lello, não vale a pena; ir a Londres sem ter horas disponíveis para a Waterstone, é um desperdício.
E depois há aquelas velhíssimas lojas, que são livrarias, mas também vendem revistas de bordados e croché, calendários e postais ilustrados e muitos livros de edição de autor que acumulam pó porque já ali estão há que anos, com um cheiro a papel que se esfarela nos dedos e nos traz à lembrança os livros de histórias que líamos na infância, com meninos "órphãos" que se perdiam nas florestas.
Numa dessas velhas livrarias de bairro entrei há dias, exactamente porque na montra deparei com um livro, decerto tão velho como a livraria, de que tinha gostado muito em criança e de que há muito perdera o rasto.
O dono da loja (e também tão velho como ela) passou tormentos para descobrir o preço do livro, abriu gavetas, fechou gavetas, coçou a cabeça, virou e revirou o livro, até que, não sei por que estranhos cálculos, me propôs: "Trezentos escudos, acha que está bem?". Nem hesitei, e já ia a sair com o meu tesouro debaixo do braço quando entra uma jovem, de ar aborrecido, que coloca um livro em cima do balcão e diz: "Venho trocar este livro, que está estragado". O homem olha o livro e não entende, não tem páginas trocadas, não tem páginas rasgadas, não tem manchas em lado nenhum, mas ela insiste: "Não vê que está estragado?". Como o homem continuasse a não perceber, ela abre o livro e enfia os dedos pelas páginas: "Está a ver? As folhas estão todas juntas, assim não se consegue ler!".
Como o homem, coitado, continuasse a não perceber, antes de sair da livraria fiz a minha boa acção do dia e expliquei à jovem que, dantes, era assim que todos os livros se publicavam, e que bastava ela pegar numa faquinha e abrir, e logo podia ler o livro à vontade, e que até havia faquinhas de propósito para isso, para abrir os livros. Ela encolheu os ombros: "Cá para mim é um livro estragado, mas pronto", e lá se foi à vida. O velhote, esse, nunca chegou a perceber de que é que ela se queixava.

Alice Vieira

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LER OS CLÁSSICOS -18




4 POEMAS DA ANTIGA ÍNDIA


1.

Esta mesma lua ilumina a minha amada
O vento acariciou já o seu rosto
A lua impregnou-se da sua beleza
e o vento do seu perfume.

Quem ama de verdade pouco lhe basta
para suportar a separação…
Que ela e eu respiremos o mesmo ar
e que os nossos pés pisem o mesmo céu.


2.

Suspiro por vê-la quando estamos separados
Anseio por abraçá-la quando a vejo
E quando abraço essa beleza de olhos rasgados
Fundir-me com ela é o meu único desejo.


3.

Não pode o lótus florir de noite
Nem a lua brilhar durante o dia
Apenas o teu rosto
Consegue realizar essa magia



4.

Embora não tenham limites as minhas conquistas
Para mim há apenas uma cidade
E nessa cidade um palácio
E nesse palácio um quarto
E nesse quarto uma cama
E nessa cama uma mulher
Adormecida
A jóia mais valiosa
De toda a minha coroa


(autores anónimos)

traduções de Jorge de Sousa Braga
in ROSA DO MUNDO-
ed.Assírio e Alvim, Lisboa, 2001

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12/09/05

PÉROLAS - 4




A tristeza das coisas que não foram
Na minha'alma desceu veladamente.


Mário de Sá-Carneiro, excerto de Estátua Falsa

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DE AMICITIA - 23




A Amizade é Indispensável ao Nosso Ser

[…] Mas quanto à amizade, toda a gente está de acordo […] - : todos declaram que a vida nada é sem a amizade, por pouco que queiram reservar a sua para algum sentimento honorável.
Ela se insinua, com efeito, não sei como, no coração de todos os homens e não se admite que, sem ela, possa passar nenhuma condição da vida.[…]
A necessidade da amizade seria ainda mais evidente, se se pudesse admitir que um Deus nos tirasse do seio da sociedade para nos colocar numa solidão profunda, onde, fornecendo-nos em abundância tudo o que a natureza nos pode propinar, nos subtraísse ao mesmo passo a esperança e os meios de ver jamais qualquer face humana.-Qual é a alma de ferro que suportaria uma tal existência e a quem a solidão não tornaria insípidos todos os gozos? […]
Assim, a natureza do homem se recusa à solidão, e parece sempre procurar um apoio: e não o há mais doce que o coração de um terno amigo.
[...]
Cícero, in Sobre a Amizade

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11/09/05

DO FALAR POESIA - 32


chagall -violinista azul


Canto porque a poesia
quis falar uma vez mais.
Canto porque a alegria
é uma das horas desiguais.
Canto porque a multidão
existe apenas na voz
que se ouve na solidão.
Canto porque as palavras
passaram cegas à espera
da luz da minha canção.

Alberto Lacerda

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DESASSOSSEGOS - 10



[…]Sim, estamos sós, profun­damente sós e haverá sempre, à nossa espera, uma camada de solidão ainda mais profunda. Não há nada que possamos fazer para contrariar isto. Não, por mais espantoso que isso nos pareça, a solidão não nos devia surpreender. Pode­mos tentar virar-nos todos cá para fora, mas a única coisa que acontece nessa altura é ficarmos virados para fora e sozinhos em vez de ficarmos virados para dentro, sozinhos. Minha Merry estúpida, minha querida e estúpida Merry, ainda mais estúpida do que o teu pai, nem sequer ajuda mandar um edifício pelos ares. Estamos sozinhos com edifícios e estamos sozinhos sem eles. Não há protesto possível contra a solidão, nem todas as campanhas do mundo a favor das bombas conseguiram, sequer, beliscá-la. O explosivo mais letal feito pelo homem nem sequer é capaz de lhe tocar. […]

Philip Roth, Pastoral Americanaed.D.Quixote, Lisboa,1999

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10/09/05

POETAS AMIGOS-16



dança

Não se ouvem os passos, só
os vultos parecem cortar o ar em zumbidos
adivinhados. Se de um filme se tratasse
talvez os pudesse fazer voar. Não se lhes sente
o peso sobre as folhas secas. Ouvem-se as folhas
secas. Umas a dançar com as outras. Não se ouvem
morrer as folhas quebradas pelo
peso silente dos vultos. Apenas ciciam
as folhas que dançam.


Jorge Pereira- ( a geometria da inexistência)
http://www.extensamadrugada.blogspot.com

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ESCREVER -16





A Humildade na Escrita

Nós, os que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falada, grande mistério que não quero desvendar com o meu raciocínio que é frio. Tenho que não indagar do mistério para não trair o milagre. Quem escreve ou pinta ou ensina ou dança ou faz cálculos em termos de matemática, faz milagre todos os dias. É uma grande aventura e exige muita coragem e devoção e muita humildade. Meu forte não é a humildade em viver. Mas ao escrever sou fatalmente humilde. Embora com limites. Pois no dia em que eu perder dentro de mim a minha própria importância - tudo estará perdido.


Clarice Lispector
, in 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

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09/09/05

OS MEUS POETAS - 37



DA PROPENSÃO A PERDER AS CHAVES

Tenho perdido muitas chaves pela vida.
A chave do êxito extraviou-se num século
cujas chaves não decifro neste pentagrama
de louca transcendência.
A da felicidade caiu no mar dos absurdos
e meu escafandro estava cheio de furos.
A do conhecimento está em algum lugar
que não sei precisar
buscá-la é ofício do vigia
que faz a barba em minha pupila.
A da imortalidade pesava tanto
tive que desfazer-me dela
para seguir vivendo.
A do teu coração profundo e espesso
só abria duas de suas sete portas.
A única chave que conservo
preserva minha inocência
em algum lugar da caixa do corpo.
Só para não perdê-la
Escrevo versos.

Consuelo Tomás
(Panamá)

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08/09/05

PENSAR -25





Mais vale a tristeza do que o riso porque a tristeza do rosto é boa para o coração.[...]
No dia da felicidade, sê alegre; no dia da desgraça, reflecte, pois Deus fez uma a par da outra, a fim de que o Homem não descubra o que depois lhe irá acontecer. [...]


Livro do Ecclesiastes ou da Sabedoriaatribuído a Salomão

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OMNIA VINCIT AMOR - 27




Vou pronunciar o teu nome quando estiver sozinho,
sentado entre as sombras dos meus pensamentos silenciosos.
Vou pronunciá-lo sem palavras e sem motivo.

Sou como a criança que chama cem vezes por sua mãe,
alegre de apenas poder falar "mãe".


Rabindranath Tagore, in "A Colheita"

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07/09/05

PÉROLAS - 3






Doem-me as ilusões
Tão grande é a distância da realidade.
Dói-me a realidade
Tão longa é a distância das ilusões."
Carlos Veríssimo -in http://www.silenciodigital.blogspot.com/

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LER OS CLÁSSICOS - 17


biombo nambam:duas civilizações
em contacto


Como nos partimos desta ilha dos ladrões para o porto de Liampó,
e do que passámos até chegar a um rio a que chamavam Xingrau

[...]

António de Faria, vendo um menino que também ali estava, de doze até treze anos, alvo e bem assombrado, lhe perguntou donde vinha aquela lantea (embarcação) ou porque viera ali ter, de quem era, e para onde ia; o qual lhe respondeu:

- Era do sem ventura de meu pai, a quem caiu em sorte triste e desventurada, tornar-de-Ihes vós outros em menos de uma hora o que ele ganhou em mais de trinta anos, o qual vinha de um lugar que se chama Quoamão, onde a troco de prata com­ toda essa fazenda que aí tendes, para a ir vender aos juncos de Sião que estão no porto de Comhay, e porque lhe faltava a água, quis a sua triste fortuna que a visse tomar aqui para vós lhe tomardes sua fazenda sem nenhum temor da justiça do céu...
António de Faria lhe disse que não chorasse e o afagou quanto pôde, prometendo­ – lhe que o trataria como filho, porque nessa conta o tinha e o teria sempre, a que o moço, olhando para ele, respondeu com um sorriso a modo de escárnio:

- Não cuides de mim, ainda que me vejas menino, que sou tão parvo que possa cuidar (esperar) de ti que roubando-me meu pai, me hajas a mim tratar como filho, e se és esse que dizes, eu te peço muito muito muito por amor do teu Deus, que me deixes botar a nado até essa triste terra onde fica quem me gerou, porque esse é o meu pai verdadeiro, com o qual quero antes morrer ali naquele mato, onde o vejo estar me cho­rando, que viver entre gente tão má como vós outro sois.

Alguns dos que ali estavam o repreenderam e lhe disseram que não dissesse aquilo, porque não era bem dito, ao que ele respondeu:

- Sabeis porque vo-lo digo? Porque vos vi louvar a Deus com os beiços untados, como homens a quem parece que basta arreganhar os dentes ao céu sem satisfazer o que têm roubado; pois entendei que o Senhor da mão poderosa não nos obriga tanto a bulir com os beiços, quanto nos proíbe de tomar o alheio, quanto mais roubar e matar, que são dois pecados tão graves quanto depois de mortos conhecereis no rigoroso cas­tigo de sua divina justiça.

Espantado António de Faria das razões deste moço, lhe disse se queria ser cristão, a que o moço, pondo os olhos nele, respondeu:

- Não entendo isso que dizes, nem sei que coisa é essa que me dizes; explica-ma primeiro e então te responderei a propósito.

E declarando-lhe António de Faria por palavras discretas, ao seu modo, lhe não respondeu o moço a elas, mas pondo os olhos no céu, com as mãos levantadas disse chorando:

- Bendita seja, Senhor, a tua paciência, que sofre haver na terra gente que fale tão bem de ti e use tão pouco da tua lei, como estes miseráveis e cegos que cuidam que furtar e pregar te pode satisfazer como aos príncipes tiranos que reinam na terra.

E não querendo mais responder a pergunta nenhuma, se foi pôr a um canto a cho­rar, sem em três dias querer comer coisa nenhuma de quantas lhe davam.

[…]

Fernão Mendes Pinto (s.XVI)- Peregrinação

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06/09/05

DESASSOSSEGOS - 9



A bruxa

Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.


Estarei mesmo sozinho?

Ainda há pouco um ruído
anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida.
E sinto a bruxa
presa na zona de luz.


De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?


E nem precisava tanto.

Precisava de mulher
que entrasse nesse minuto,
recebesse este carinho,
Salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.


Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis

interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e calma.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?


Esta cidade do Rio!

Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
Sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me,
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.


Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.

Carlos Drummond de Andrade

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05/09/05

POETAS AMIGOS - 15



Rock garden

As raparigas apanhavam flores
em tabuleiros de vime ou esperavam
nos balcões do comércio o sinal
de que o verão, quer dizer a
vida, começava enfim. Em tempo
de festa, quando as bandas de música
distraíam os velhos, algumas delas,
no escuro, matavam a fome mais que perdiam
a honra ou a vergonha, e recitavam
poemas entre a margem do rio e
a íntima flor do negrilho. Como se
envelhece tanto, no espírito, no
corpo, nas cadeiras aos sábados
dos cabeleireiros caros.


José Carlos Barros –«encontrado" em http://2dedosprosaepoesia.blogs.sapo.pt/

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04/09/05

PÉROLAS-2




You can erase someone from your mind.
Getting them out of your heart is another story.


Podes apagar alguém do teu pensamento.
Expulsá-lo do teu coração, isso é já outra história..

[Do filme Eternal Sunshine of theSpotless Mind (2004)]

encontrado em http://www.theresonly1alice.blogspot.com/

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03/09/05

OS MEUS POETAS - 36

COLEGIAL


Em cima da minha mesa,
Da minha mesa de estudo,
Mesa da minha tristeza
Em que, de noite e de dia,
Rasgo as folhas, leio tudo
Destes livros em que estudo,
E me estudo
(Eu já me estudo...)
E me estudo,
A mim também,
Em cima da minha mesa
Tenho o teu retrato, Mãe!

À cabeceira do leito,
Dentro dum lindo caixilho,
Tenho uma Nossa Senhora
Que venero a toda a hora...
Ai minha Nossa Senhora,
Que se parece contigo,
E que tem, ao peito,
Um filho
(O que ainda é mais estranho)
Que se parece comigo,
Num retratinho,
Que tenho,
De menino pequenino...!

No fundo da minha arca,
Mesmo lá no fundo, a um canto,
Não lhes vá tocar alguém,
(Quem as lesse, o que entendia?
Só riria
Do que nos comove a nós...)
Já tenho três maços, Mãe,
Das cartas que tu me escreves
Desde que saí de casa...
Três maços - e nada leves! -
Atados com um retrós...

Se não fora eu ter-te assim,
A toda a hora,
Sempre à beirinha de mim,
(Sei agora
Que isto de a gente ser grande
Não é como se nos pinta...)
Mãe! já teria morrido,
Ou já teria fugido,
Ou já teria bebido
Algum tinteiro de tinta!

José Régio

02/09/05

DE AMICITIA - 22





O amor e a amizade

[…]
Sem dúvida alguma, o amor se assemelha à amizade: poderíamos dizer que é uma amizade to­mada pela loucura. Ora, amamos pela sedução do ganho? Por ambição? Por desejo de glória? O amor basta a si mesmo e não se ocupa de nenhuma outra coisa. É assim que ele inflama as almas do desejo da beleza, movido pela esperança de uma afeição recíproca. Como aceitar que de um princípio mais nobre nasça um sentimento vil? "Não se trata, tu me dirás, de saber se a amizade deve ser procurada por si mesma ou por outra razão." Muito pelo contrário, é este o ponto que precisamos estabelecer antes de mais nada: se é por si mesma que ela deve ser procurada, o homem que encontra em si a sua a sua satisfação pode tender à amizade.”E como, então?"
Como tendemos para a coisa mais bela, sem preo­cupação com lucros, nem medo diante dos rever­sos da fortuna. Tiramos a grandeza da amizade, quando nela vemos um meio de ganhar alguma coisa.[…]

A mesma suavidade natural que encontramos em alguns momentos nos leva a procurar a amizade e a companhia do outro. O homem detesta a solidão e por natureza vai em direcção ao próximo; nele também há um impulso que o leva a procurar a amizade.
[…]

Séneca Cartas a Lucílio
in As relações humanas – A amizade, os livros, a filosofia,o sábio e a atitude perante a morteed. Landy –Introd. e trad. de Renata Maria Parreira Cordeiro

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01/09/05

LER OS CLÁSSICOS - 16



Belerofonte


Quem disse alguma vez que há deuses lá nos céus?
Não há, não há, não há. Não deixem que ninguém,
mesmo crente sincero nessas velhas fábulas,
com eles vos engane e vos iluda ainda,
Olhai o que acontece, e dai a quanto digo
a fé que isto merece: eu afirmo que os reis
matam, roubam, saqueiam à traição cidades
e, assim fazendo, vivem muito mais felizes
que quantos dia a dia pios são e justos.
Quantas nações pequenas, bem fiéis aos deuses,
sujeitas são dos ímpios com poder e força,
vencidas por exércitos que as escravizam.
E vós, se em vez de trabalhar rezais aos deuses,
e deixais de lutar para ganhar a vida,
aprendereis que os deuses não existem. Que
todas as divindades significam só
a sorte, boa ou má, que temos neste mundo.

Eurípedes -S.v A.c
(trad. de Jorge de Sena, in Poesia de 26 Séculos)

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