31/12/05

FELIZ ANO NOVO!



E, como de sete em sete anos, o dia 31 vai durar mais um segundo...[questão de acerto da hora com o tempo cósmico...] - segundinho esse que convém aproveitar bem... que ele seja de paz, alegria, sonho...

OS MEUS MELHORES DE 2005

Não se trata de estabelecer rankings: apenas de reflexão pessoal e inteiramente subjectiva que, à semelhança do início deste ano e do blogue, para o ano de 2004,faço agora.


Cinema

Não vejo muito cinema, mas, de entre os melhores filmes que vi em 2005, constam:

Vera Drake
Million Dollar’s baby

Saraband
As invasões Bárbaras
A melhor juventude


Livros

No que respeita a livros, os melhores que li em 2004:

A Mancha Humana e Pastoral Americana – de Philip Roth
Cantos – de Ezra Pound
Vários de Georges Steiner e, em especial, Errata:Revisões de uma vida

-Ravelstein (Saul Below )
Neste momento leio Austerlitz, de W. G. Sebald – e parece-me que poderá vir a acrescentar-se a esta lista.

Releituras várias – é sempre bom reler, nomeadamente os clássicos… reli, por exemplo, Memórias de Adriano (Yourcenar), Morte em Veneza(Th.Mann),Gertrud (Herman Hesse),
O Malhadinhas(Aquilino Ribeiro),A Ilíada (Homero),O Delfim(Cardoso Pires),Um deus passeando na brisa da tarde(Máriode Carvalho),O Palácio da Lua(Paul Auster),Terra de neve (Yasunari Kawabata),Sinais de Fogo(Jorge de Sena),Gente de Dublin (James Joyce),Cartas a Lucílio(Séneca),Odes (Horácio)...regressando sempre aos meus poetas preferidos -que são muitos.

Teatro:

Não fui muito ao teatro, este ano. Mas vi com gosto o musical de Chico Buarque A Ópera do Malandro e, de Harold Pinter, O Amante,de Harold Pinter (pelo Te-Ato, de Leiria)

Discos-CDs

Eleni Karaindrou –EurIpides-Trojan Women – ECM Records
Preisner’s Music – ed.Virgin, France (Preisner:compositor polaco, sobretudo de músicas dos filmes de Kielowski-ver http://www.preisner.com/)
Don Quijote de la Mancha –Romances y Músicas Hespérion XXI–dir. de Jordi Savall
Irene Pappas sings Mikis Theodorakis


Mas haveria certamente, muitos mais - nomeadamente entre música clássica, étnica e jazz...


Prémios bem atribuídos:

O Nobel da Literatura a Harold Pinter
O Prémio Pessoa a Luís Miguel Cintra
Os óscares para Million Dollar Baby
Os prémio para Vera Drake, em Veneza -o de melhor actriz:Imelda Stauton, e o de melhor filme,( o mesmo filme recebeu 3 nomeações para os óscares)


Alguns blogues que leio diariamente

São muitos, sobretudo de poesia própria dos seus autores ou de poetas vários, dos mais ou menos reconhecidos ou … porventura já esquecidos … ou ainda quase desconhecidos…

Limito-me a indicar 3, fora dessas categorias:


Da Literatura (http://daliteratura.blogspot.com) ,
Bona Musica (http://bonamusica.blogspot.com/)
Catedral (http://catedral.weblog.com.pt/).

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30/12/05

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 3







rosa vermelha

A esposa do guerreiro está sentada à janela
De coração aflito, borda uma rosa branca numa almofada de seda.
picou-se no dedo! Seu sangue corre na rosa branca, que se torna vermelha.
Seu pensamento vai ter com seu amado, que está na guerra
e cujo sangue tinge, talvez, a neve de vermelho.
Ouve o galope de um cavalo...Chega, enfim, seu amado?
É apenas o coração que lhe salta com força no peito...
Curva-se mais sobre a almofada e borda com prata
as lágrimas que cercam a rosa
vermelha.

Li Po

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O PRAZER DE LER - 35




A Importância de uma Segunda Leitura


As obras mais próximas da perfeição têm normalmente a faculdade de à segunda leitura agradarem mais do que à primeira. O contrário acontece com muitos livros compostos com um talento e um esforço apenas medíocres, mas apesar disso não privados de algum valor intrínseco e aparente; os quais, lidos uma segunda vez, descem na opinião que o homem deles fizera quando da primeira leitura. Mas se forem lidos, tanto uns como os outros, um única vez, enganam por vezes de tal maneira até mesmo os doutos e experientes, que os óptimos são preteridos a favor dos medíocres.

Giacomo Leopardi

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29/12/05

OMNIA VINCIT AMOR - 40


Munch - kissing window

Pranto para comover Jonathan

Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.

Adélia Prado

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PÉROLAS - 58




«Accroche ton chariot à une étoile.»


Amarra a tua carroça a uma estrela


Ralph Waldo Emerson


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28/12/05

PENSAR -31



O trabalho


Os deuses haviam condenado Sisifo a rodar uma rocha até ao cimo de uma montanha e uma vez atingido o cimo, a rocha regressava pelo seu próprio peso ao sopé da montanha, obrigando Sisifo a recomeçar o seu trabalho, sem cessar.Haviam pensado (os deuses), com algum fundamento, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança. (...) Se o mito é trágico é, porque o homem, seu protagonista, tem consciência de que a esperança de atingir o propósito do seu trabalho é frustrada. Muitos trabalhadores do nosso tempo trabalham nas mesmas condições e o seu destino não é menos absurdo. Mas esta situação só é trágica nos momentos em que se tem consciência dela”.
Albert Camus, in O Mito de Sísifo.

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POETAS AMIGOS - 27




Agora e sempre
estou só.
Sou só.
Atendo ao mundo
rumos e rumores
laços e esperas

- tudo que mais quero
visita-me no sonho.

Guardo lembranças, folhetos
de toda felicidade que conheço.
Guardo visões impossíveis
paraísos

e as visões felizes de onde estive.

Essas visões conduzem meu futuro
mas nada induzem:
sou desejo puro.



Adelaide Amorim
http://www.meublog.net/adelaideamorim/

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27/12/05

Uma "leitura" de CLÁSSICOS - 33 A



To everything - turn, turn, turn
There is a season - turn, turn, turn
And a time for every purpose under heaven

A time to be born, a time to die
A time to plant, a time to reap
A time to kill, a time to heal
A time to laugh, a time to weep

To everything - turn, turn, turn
There is a season - turn, turn, turn
And a time for every purpose under heaven

A time to build up, a time to break down
A time to dance, a time to mourn
A time to cast away stones
A time to gather stones together

To everything - turn, turn, turn
There is a season - turn, turn, turn
And a time for every purpose under heaven

A time of war, a time of peace
A time of love, a time of hate
A time you may embrace
A time to refrain from embracing

To everything - turn, turn, turn
There is a season - turn, turn, turn
And a time for every purpose under heaven

A time to gain, a time to lose
A time to rend, a time to sew
A time to love, a time to hate
A time of peace, I swear it's not too late!

Bob Dylan

LER OS CLÁSSICOS - 33


«Para tudo há um momento e um tempo para tudo o que se deseja debaixo do céu:

Tempo de nascer e tempo de morrer,
tempo de plantar e tempo de arrancar plantas,
tempo de matar e tempo de curar,
tempo de destruir e tempo de edificar,
tempo de chorar e tempo de rir,
tempo de lamentar e tempo de dançar,
tempo de atirar pedras, e tempo de as ajuntar,
tempo de abraçar e tempo de evitar o abraço,
tempo de procurar e tempo de perder,
tempo de guardar e tempo de atirar fora,
tempo de rasgar e tempo de coser,
tempo de calar e tempo de falar,
tempo de amar e tempo de odiar,
tempo de guerra e tempo de paz.

Que proveito tira das suas fadigas aquele que trabalha?

Eu vi a tarefa que Deus impôs aos filhos dos homens para que dela se ocupem.

Todas as coisas que Deus fez, são boas a seu tempo. Até a eternidade colocou no coração deles, sem que nenhum ser humano possa compreender a obra divina do princípio ao fim.

Eu concluí que nada é melhor para o homem do que folgar e procurar a felicidade durante a sua vida.
Todo o homem que come e bebe e encontra felicidade no seu trabalho, tem aí um dom de Deus.»

Rei Salomão, Livro do Eclesiastes 3, 1-8

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DESASSOSSEGOS - 22



E agora, José

Está sem mulher,
está sem discurso.
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra
seu instante de febre,
sua gula e jejum
sua biblioteca,
seu terno de vidro
sua incoerência
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou,
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse
se você gemesse
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José


Sózinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua,
pra se enroscar,
seu cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José?
José, para onde?



Carlos Drummond de Andrade

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26/12/05

O PRAZER DE LER - 34



A arte é tudo; tudo o resto é nada.
Só um livro é capaz de fazer a eternidade de um povo.

Eça de Queirós

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PÉROLAS - 57



Finda

Não ser mais que um cisco de terra:
mas terra viva,
poeira
e aragem.
Ter um casaco feito de estrelas e sóis vagabundos
e um pouco de dia nascido dentro do coração.

Pedro da Silveira

encontrado em http://www.puracoincidencia.blogspot.com/

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25/12/05

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 2




Há uma rosa caída
Morta
Há uma rosa caída
Bela
Há uma rosa caída
Rosa

Maria Ângela Alvim

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24/12/05

ESTE É UM DOS MAIS BELOS POEMAS DE NATAL



Poema VIII

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
«Se é que ele as criou, do que duvido.» -
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

......

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

......

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

......

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?



O Guardador de Rebanhos

Fica-vos neste dia de consoada, com os melhores votos de que em 2006 se vão cumprindo os sonhos de cada um.

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OS MEUS POETAS - 45



Não sou o herói do dia

Não sou o herói do dia.
A vida me obrigou
a comparecer, sem convite, ao banquete,
em que me vejo, agora, erguendo a taça,
não sei a quem.
Soldado que lutou sem querer, por força
do original pecado,
e em cujo peito não fulgura,até hoje,
nenhuma
condecoração.

Não sou o herói do dia.
Passei pela vida
como quem passa
por um jardim público,
onde há uma rosa proibida
por edital.
A rosa de ninguém, a rosa anônima
que aparece jogada sobre o túmulo
do desconhecido, todas as manhãs.

É bem verdade que, em menino, eu possuía uma banda de música
que tocava no circo, acompanhava enterro,
que tomava parte em procissão de encontro
e nos triunfos da legalidade.
Hoje, porém, - pergunto -, onde o pistão, o bombardino, o saxofone, a flauta,
a clarineta,
os instrumentos todos
dessa banda de música?
Todos quebrados, os respectivos músicos caídos
num só horizonte.
Minha banda de música, se existe,é agora
de homens descalços e instrumentos mudos.
Não sou o herói do dia.


Ah, o silêncio
de alguns amigos que deviam falar e não falam.
O grande silêncio
da banda de música que devia tocar e não toca.
O silêncio espantoso
de quem devia estar gritando
desesperadamente, e ficou quieto.
E ficou quieto, sem explicação.
Maestro, não é hora de tocar-se o hino nacional?

Ah, positivamente,não sou o herói do dia!

Cassiano Ricardo (1895-1974)

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23/12/05

DE AMICITIA -34



"Amigos são aquelas pessoas raras que nos perguntam
como estamos e depois ficam à espera da resposta."

E. Cunningham

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OMNIA VINCIT AMOR - 39





Ele deseja os tecidos do céu


Tivesse eu os tecidos bordados dos céus,
Lavrados com a prata e o ouro da luz,
Os tecidos azuis e foscos e de breu
Que têm a noite,a luz e a meia-luz
Estenderia esses tecidos a teus pés:
Mas eu, porque sou pobre,apenas tenho sonhos;
São os meus sonhos que eu estendi a teus pés;
Sê suave no pisar, que pisas os meus sonhos.

William Butler Yeats
imagem do filme Les roseaux sauvages

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22/12/05

PÉROLAS - 56



el hombre



Estranha é a coragem
que me dás, estrela amiga

Brilha sozinha na aurora
para a qual nada representas!



william carlos williams

Trad de José Agostinho Baptista
in Antologia Breve
-Ass.e Alvim, col.Gato Maltês

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POETAS AMIGOS - 26





Ao ler um poema

As âncoras e as raízes
são fundamentais: umas aos barcos,
outras às plantas; ambas aos seres humanos.
são também palavras belas, embora representem
o poder da inércia e o obscuro das profundidades.
por vezes é preciso esquecê-las
ao ler um poema.

Paulo Tavares
http://www.atravessandooinverno.blogspot.com/

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21/12/05

O PRAZER DE LER - 33



Padre António Vieira

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POEMAS COM ROSAS DENTRO - 1



A rosa


A rosa,
a imarcescível rosa que não canto,
a que é peso e fragrância,
a do negro jardim e qualquer tarde,
a rosa que ressurge da ténue
cinza pela arte da alquimia,
a rosa dos persas e de Ariosto,
a que sempre está só,
a que sempre é a rosa das rosas,
a jovem flor platónica,
a ardente e cega rosa que não canto, a rosa inalcançável.

Jorge Luís Borges

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20/12/05

LER OS CLÁSSICOS - 32




Assim eu fosse o seu espelho
para poder captar o branco do seu olhar!

Assim eu fosse o seu vestido,
envolvendo-a sempre!

Assim eu fosse a água que lava o seu corpo
e o bálsamo perfumado que vai ungi-la!

Assim eu fosse a faixa de linho
que cinge os seus seios
ou o colar que acaricia o seu colo!

Assim eu fosse a sandália
que ela pisa!

Anacreonte

(séculos VI-V a. C.)

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DESASSOSSEGOS - 21




Glória Morta

Tanto rumor de falsa glória,
Só o silêncio é musical,
Só o silêncio,
A grave solidão individual,
O exílio em si mesmo,
O sonho que não está em parte alguma.
De tão lúcido, sinto-me irreal.


Dante Milano

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19/12/05

PÉROLAS - 55



monumento a Sibelius -Helsinki

"… A música é capaz de reproduzir em sua forma real
a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria ..."

Beethoven

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CAMONIANAS - 7




ODE V

Nunca manhã suave

Nunca manhã suave,
estendendo seus raios pelo mundo,
despois de noite grave,
tempestuosa, negra, em mar profundo,
alegrou tanto nau, que já no fundo,
se viu em mares grossos,
como a luz clara a mim dos olhos vossos.

Aquela fermosura
que só no virar deles resplandece,
com que a sombra escura
clara se faz, e o campo reverdece,
quando meu pensamento s'entristece,
ela e sua viveza
me desfazem a nuvem da tristeza.

O meu peito, onde estais,
é, para tanto bem, pequeno vaso;
quando acaso virais
os olhos, que de mim não fazem caso,
todo, gentil Senhora, então me abraso
na luz que me consume
bem como a borboleta faz no lume.

Se mil almas tivera
que a tão fermosos olhos entregara,
todas quantas tivera
polas pestanas deles pendurara;
e, enlevadas na vista pura e clara,
- posto que disso indinas - ,
se andaram sempre vendo nas mininas.

E vós, que descuidada
agora vivereis de tais querelas,
de almas minhas cercada
não pudésseis tirar os olhos delas;
não pode ser que, vendo a vossa antr’ elas,
a dor que lhe mostrassem,
tantas üa alma só não abrandassem.

Mas pois o peito ardente
üa só pode ter, fermosa Dama,
basta que esta somente,
como se fossem duas mil, vos ama,
para que a dor de sua ardente flama
convosco tanto possa
que não queirais ver cinza üa alma vossa.


Luís de Camões, Ode V

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18/12/05

DA EDUCAÇÃO - 9



foto de robert doisneau - l'horloge

Cada vez me apetece menos classificar os rapazes, dar-lhes notas, pelo que eles "sabem". Eu não quero (ou dispenso) que eles metam coisas na cabeça; não é para isso que eu dou aulas. O saber - diz o povo - não ocupa lugar; pois muito bem: que eles saibam, mas que o saber não ocupe lugar, porque o que vale, o que importa (e para isso pode o saber contribuir e só contribuir) é que eles se desenvolvam, que eles cresçam, que eles saibam "resolver", que eles possam "perceber".

Sebastião da Gama - Diário

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OS MEUS POETAS - 44



«Cada palavra com sua andorinha
para te trazer a Primavera no Verão» disse
E muitas oliveiras

para que peneirem com as mãos a luz
e esta leve se derrame sobre o teu sono
e muitas cigarras
para que não as sintas

tal como não sentes o pulso no teu punho
mas pouca água

para que que a tenhas por divina e entendas o que significa
[ a sua fala
e a árvore só consigo
sem rebanho
para que a faças amiga

e conheças o seu verdadeiro nome
rala sob os teus pés a terra
para que não tenhas onde alargar raízes
e não pares de buscar um pouco de fundo
e vasto por cima o céu
para que por ti sozinho leias a infinidade


ESTE
o mundo, o pequeno, o grande!


Odisséas Elytis, Louvada Seja,
tradução de Manuel Resende, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004

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17/12/05

PÉROLAS - 54




- Mestre, a lua clara e tranquila brilha tão alto no céu!
- Sim, ela está muito longe!
- Mestre, ajude-me a elevar até ela.
- Porquê? Não vem ela até ti?

in Os Melhores Contos Zen

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OMNIA VINCIT AMOR - 38


imagem de eli

"... Ainda te lembrarás de mim? Deve ser horrível, para ti, que vives num mundo agradável, estar casada com uma sombra ... Tenho a impressão que as minhas cartas devem parecer vir de um universo irreal e gasoso, como as mensagens espíritas dos mortos. Não devo ter espessura, consistência humana, penso eu ... eu amo-a. Se eu não a conhecesse, persegui-la-ia pelas ruas com propostas sórdidas e veementes. Recordo-me do primeiro dia em que a vi, do seu perfil de Boticelli, recordo-me do ano seguinte na praia, do seu cabelo preso atrás e da sua risca ao meio, do seu aspecto de retrato de Ingres, recordo-me do seu cabelo cortado e do seu ar de midinette, e amo perdidamente todas as suas encarnações, sem poder escolher entre elas ... Mas eu, que sou excessivo, berro-te como um possesso, como um doido, como um personagem de Dostoievski, que gosto tudo de ti ... Amo-te para além da minha bruteza e da minha falta de ternura, desesperadamente ..."
António Lobo Antunes, "D'este viver aqui neste papel descripto. Cartas da guerra",

excerto encontrado in http://cadecasa.blogspot.com/

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16/12/05

POETAS AMIGOS - 25



foto-poema de Sandra Baldessin - http://sandraregina.multiply.com/

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PENSAR -30



Viver Sempre Perfeitamente Feliz


Viver sempre perfeitamente feliz. A nossa alma tem em si mesma esse poder de ficar indiferente perante as coisas indiferentes. Ficará indiferente se considerar cada uma delas analiticamente e em bloco, lembrando-se que nenhuma nos impõe opinião a seu respeito nem nos vem solicitar; os objectos estão aí imóveis e somos nós que formamos os nossos juízos sobre eles e os entalhamos, por dizê-lo assim, em nós mesmos; e está em nosso poder não os gravar e, se eles se insinuam nalgum cantinho da alma, apagá-los de repente.
Depois os cuidados que te pungem não duram, bem depressa deixará de viver. E por que tens um penoso sentimento de serem assim as coisas? Se são conformes à natureza aceita-as alegremente e sejam-te propícias. Se vão ao arrepio da natureza, busca o que for conforme à tua natureza, e corre nessa direcção, fosse-te ela menos propícia; merece indulgência quem procura o seu próprio bem.

Marco Aurélio, Pensamentos

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15/12/05

PÉROLAS - 53


foto de amélia pais

Só viver é insuficiente, disse a borboleta.
Precisamos de sol, de liberdade e de uma pequena flor.

Hans Christian Andersen

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14/12/05

DO FALAR POESIA - 39



Intensive Care

A poesia, irmã, não é
Nem canção, nem reflexão.
Poesia é «cuidado intensivo»
Aplicado à criação sem sangue
E sobretudo registo
De como a vida conduz à morte.

Kharkianákis
trad. de Manuel Resende in revista de poesia DiVersos 6

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07/12/05



O programa segue dentro de momentos.

VOLTO JÁ

DESASSOSSEGOS - 19




Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias dos Anjos?


Rainer Maria Rilke, nascido em Praga

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06/12/05

LER OS CLÁSSICOS -31


logo da CPLP

[...e, neste caso, et pour cause...]

«Floreça, fale, cante, ouça-se, e viva
A Portuguesa língua,
e já onde forSenhora
vá de si soberba, e altiva.
Se téqui esteve baixa, e sem louvor,

Culpa é dos que a mal exercitaram:
Esquecimento nosso, e desamor.»

António Ferreira, s.XVI

Obs.:recordar/reler tambérm, neste blogue O Ler os clássicos 28, de 17 de novembro, e no blogue nocturno com gatos a entrada e comentários de hoje, dia 6 de Dezembro.

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PÉROLAS - 52





GERÊS

Quando me levantei
já as minhas sandálias andavam
a passear lá fora na relva


Esta noite
até os atacadores dos sapatos
floriram



Jorge de Sousa Braga

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ESCREVER - 25



Em Cada Livro Que se Escreve, uma Vida Desconhecida

A parte desconhecida da minha vida é a minha vida escrita. Morrerei sem conhecer essa parte desconhecida. Como foi escrito isto, porquê, como o escrevi, não sei, não sei como isto começou. Não se pode explicar. Donde vêm certos livros? A página está vazia e, de repente, já há trezentas páginas. Donde vem isto? É preciso deixar andar, quando se escreve, não devemos controlar-nos, é preciso deixar andar, porque não sabemos tudo de nós próprios. Não sabemos o que somos capazes de escrever.
[...] Após o final de cada livro é o fim do mundo inteiro, é sempre assim, de cada vez. E depois tudo recomeça, como a vida. Quando se escreve, não se pode falar em vez de escrever. O que se passa quando se escreve, nunca se pode dizer. Eu consigo ler uma passagem, mas depressa fico assustada. Sou mais escritora do que vivente, que uma pessoa que vive. Naquilo que vivi, sou mais escritora do que alguém que vive. É assim que eu me vejo.
Marguerite Duras, in 'Mundo Exterior '

05/12/05

MOZART - O AMADO DE DEUS


mozart e a flauta mágica



«Je cherche les notes qui s’aiment»
(wolfgang amadeus mozart, 1756-1791)


Mozart no céu

NO DIA 5 de dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus
Mozart entrou no céu, como um artista
de circo, fazendo piruetas extraordinárias
sobre um mirabolante cavalo branco.

Os anjinhos atônitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam nas linhas suplementares
[superiores da pauta.
Um momento se suspendeu a contemplação inefável.
A Virgem beijou-o na testa
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o
[ mais moço dos anjos.

Manuel Bandeira -in Lira dos Cinquent'anos
imagem in http://www.superkids.com/aweb/pages/reviews/music/04/magicflute/merge.shtml


POETAS AMIGOS - 24





a glória com que refulges à luz
te deixas habitar como uma luva
a mesma que mais tarde te reduz
ser simples bueiro para a chuva

és seara ondulando matinal
sobre a natureza quando te levantas
depois ardes percutindo no areal
sempre música, se choras ou se cantas

esplendor a que sempre habituas
se mostras, ou se dás, ou se expões
grandezas e misérias são as tuas
como rostos que não têm corações

já exausto desse teu modo sublime
primo eject e passo a ver outro filme

Miguel B. - um voo cego nada -http://www.livejournal.com/users/innersmile/

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04/12/05

PÉROLAS - 51




A luz tem idade. A noite não.

René Char

imagem de aguarelas de turner

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DA EDUCAÇÃO - 8



Reflectindo sobre o acto de aprender

Aprender não é acumular certezas
Nem estar fechado em respostas
Aprender é incorporar a dúvida
e estar aberto a múltiplos encontros

Aprender não é dar por consumida uma busca
Aprender não é ter aprendido
Aprender não é nunca um verbo do passado
Aprender não é um acto findo
Aprender é um exercício constante de renovação

Aprender é sentir-se humildemente sabedor
de seus limites, mas com coragem de não recuar diante dos desafios
Aprender é debruçar-se com curiosidade
sobre a realidade
É reinventá-la com soltura dentro de si
Aprender é conceder lugar a tudo e a todos
e recriar o próprio espaço
Aprender é reconhecer em si e nos outros
o direito de ser, dentro de inevitáveis repetições
porque aprender é caminhar com seus pés
um caminho já traçado

É descobrir de repente uma pequena flor inesperada
É aprender também novos rumos
onde parecia morrer a esperança

Aprender é construir e reconstruir pacientemente
uma obra que não será definitiva
porque o humano é transitório

Aprender não é conquistar, nem apoderar-se

mas peregrinar

Aprender é estar sempre caminhando

não é reter, mas comungar

Tem que ser um acto de amor
para não ser um acto vazio.

Paulo Freire

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