28/02/06

ESCREVER -31





O Ofuscante Poder da Escrita


O sentido da literatura, no meio dos muitos que tenha ou não tenha, é que ela mantém, purificadas das ameaças da confusão, as linhas de força que configuram a equação da consciência e do acto, com suas tensões e fracturas, suas ambivalências e ambiguidades, suas rudes trajectórias de choque e fuga. O autor é o criador de um símbolo heróico: a sua própria vida
Mas, quando cria esse símbolo, está a elaborar um sistema sensível e sensibilizador, convicto e convincente, de sinais e apelos destinados a colocar o símbolo à altura de uma presença ainda mais viva que aquela matéria desordenada onde teve origem. O valor da escrita reside no facto de, em si mesma, tecer-se ela como símbolo, urdir ela própria a sua dignidade de símbolo. A escrita representa-se a si, e a sua razão está em que dá razão às inspirações reais que evoca. E produz uma tensão muito mais fundamental do que a realidade. É nessa tensão real criada em escrita que a realidade se faz. O ofuscante poder da escrita é que ela possui uma capacidade de persuasão e violentação de que a coisa real se encontra subtraída. O talento de saber tornar verdadeira a verdade
.
Herberto Helder, in 'Photomaton & Vox'

Etiquetas:

25/02/06

24/02/06

PÉROLAS -66



Dizem-me que se escondem para morrer
Mas eu digo
Que os pássaros não morrem
Que muito alto no meio da espuma
E dos turbilhões de astros do seu canto
Sobem de planeta em planeta
Até à fonte


Anne Perrier

Etiquetas:

DA EDUCAÇÃO - 13





De uma mensagem recebida de um amigo brasileiro:


[….] e neste ponto vejo a grande responsabilidade de nossas escolas nossos professores. devem ater-se na arte de fazer pensar, no desenvolvimento das capacidades cognitivas e, sempre que possível, buscar capacidades cognitivas contraditórias para o exercício da argumentação.alertar nossos educandos quanto ao nefando perigo irracional dos preconceitos, sejam estes de qualquer ordem , de qualquer instância ;[...]
Os professores , de uma vez para sempre, têm que entender que todos os componentes curriculares são apenas meios para o fazer pensar, refletir, induzir , raciocinar e portanto, cabe aos professores introduzirem na fortaleza acadêmica do currículo o cavalo de tróia da metodologia humanitária, dos valores e sentimentos de mundo para seres humanos. [...]
A escola tem que tomar este caminho crítico. Nada dentro da escola pode declinar-se desta metodologia.Esta é a prática mais árdua de um professor, mais árdua porque ... não é fácil. é um serviço metodológico de formiguinhas : todos os dias jogam-se sementinhas nos alunos. Contudo, o fruto virá. Veja o que um aluno me escreveu no verso da folha de fim de curso:"obrigado, vota. nem tanto pelas aulas de gramática ; mas por tudo o em que você me fez pensar" .

Vota (João Batista)

Etiquetas:

23/02/06

LER OS CLÁSSICOS - 40




Retratar a tristeza em vão procura
Quem na vida um só pesar não sente
Porque sempre vestígios de contente
Hão-de apar'cer por baixo da pintura:

Porém eu, infeliz, que a desventura
O mínimo prazer me não consente,
Em dizendo o que sinto, a mim somente
Parece que compete esta figura.

Sinto o bárbaro efeito das mudanças,
Dos pesares o mais cruel pesar,
Sinto do que perdi tristes lembranças;

Condenam-me a chorar e a não chorar,
Sinto a perda total das esperanças,
E sinto-me morrer sem acabar.

Marquesa de Alorna, (1750 - 1839)


Sobre esta poetisa, ver: http://www.arqnet.pt/dicionario/alorna4.html

Etiquetas:

22/02/06

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 9




A única rosa

Todas as rosas são a mesma rosa,
Amor, a única rosa.

E tudo está contido nela,
Breve imagem do mundo,
Amar! A única rosa.


Juan Ramón Jiménez

Etiquetas:

21/02/06

O PRAZER DE LER - 39



Tipos de livros

Livros que leste.
Livros que não leste.
Livros que não podes deixar de ler.
Livros que podes deixar de ler.
Livros já lidos sem sequer ser preciso abri-los.
Livros que se tu tivesses mais vidas para viver certamente também os lerias.
Livros demasiado caros que esperas poder comprar em saldos.
Livros que podes pedir a alguém que tos empreste.
Livros que todos leram, portanto é quase como se tu os tivesses lido também.
Livros que há tanto tempo planeias ler.
Livros que queres possuir para os teres à mão em todas as circunstâncias.
Livros que poderias pôr de lado para leres talvez este Verão.
Livros que fariam muito jeito para equilibrar a perna do sofá.
Livros que te inspiram uma curiosidade repentina, frenética e não justificável.
Livros lidos há tanto tempo que seria hora de os releres.
Livros que fazes conta que leste e que seria hora de te decidires a lê-los de facto.

Italo Calvino

Etiquetas:

20/02/06

OMNIA VINCIT AMOR - 45


Magritte-Lovers

Fui colocado diante das palavras.
Encaminho-as no teu sentido
"Agora já não te vejo" *(1)

Os poetas que falam
do amor
e do silêncio
e da tristeza
e da solidão
e da lua
e do mar
e de odes a beleza.

E eu
estou colocado diante das palavras
quero falar para ti
não de ti.

*(1) E. Melo e Castro


carlos veríssimo (cp) - in http://sermutante.motime.com

Etiquetas:

19/02/06

DESASSOSSEGOS -28



Poema de Sete Faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.


As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.


Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo
.

Carlos Drummond de Andrade

18/02/06

DO FALAR POESIA - 45




Alecrim e camomila


Pensei em escrever poesia
enquanto plantava alecrim e camomila.
Desisti, porém;
os poetas, nem sei como nascem
nem de onde surgem as poesias.

- José P. di Cavalcanti Jr. -

Etiquetas:

17/02/06

CAMONIANAS -10



Oh, como se me alonga, de ano em ano,
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!

Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
Perde-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece,
Mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda parece,
Da vista se me perde e da esperança.


Luís de Camões - Rimas

Etiquetas:

16/02/06

PENSAR - 39

miguel de unamuno

A Verdadeira Religião


Nunca me esquecerei do dia em que, dizendo-lhe «Mas, senhor padre Manuel, a verdade, a verdade, acima de tudo», ele, a tremer, sussurou-me ao ouvido - e isso apesar de estarmos sozinhos no meio do campo: - «A verdade? A verdade, Lázaro, é porventura uma coisa terrível, uma coisa intolerável, uma coisa mortal; as pessoas simples não conseguiriam viver com ela.»«E porque é que ma deixa vislumbrar agora aqui, como confissão?», perguntei-lhe. E ele respondeu: «Porque se não atormentar-me-ia tanto, tanto, que eu acabaria por gritá-lo no meio da praça, e isso nunca, nunca, nunca. Eu estou cá para fazer viver as almas dos meus paroquianos, para os fazer felizes, para fazer com que se sonhem imortais e não para os matar.
O que aqui faz falta é que eles vivam sãmente, que vivam em unanimidade de sentido, e com a verdade, com a minha verdade, não viveriam. Que vivam. E é isto que a Igreja faz, fazer com que vivam. Religião verdadeira? Todas as religiões são verdadeiras enquanto fazem viver espiritualmente os povos que as professam, enquanto os consolam de terem tido de nascer para morrer, e para cada povo a religião mais verdadeira é a sua, a que ele fez. E a minha? A minha é consolar-me em consolar os outros, embora o consolo que eu lhes dê não seja o meu.»
Nunca esquecerei estas suas palavras.

Miguel de Unamuno, in 'São Manuel Bom, Mártir'

recolhido em http://citador.weblog.com.pt/


Etiquetas:

15/02/06

POEMAS COM ROSAS DENTRO -8



Cultivo uma rosa branca

Cultivo uma rosa branca,
em julho como em janeiro,
para o amigo verdadeiro
que me estende sua mão franca.


E para o mau que me arranca
o coração com que vivo,
cardo ou urtiga não cultivo:
cultivo uma rosa branca.

José Marti (Cuba)

Etiquetas:

14/02/06

OMNIA VINCIT AMOR - 45-A

Especial em Dia dos Namorados de 2006






Tu és mais branca do que o cisne


Tu és mais branca do que o cisne branco
Que voga no lago.
Tu és mais branca do que a gaivota branca
Que voa no rio.
Tu és mais branca do que a neve branca
No cimo da montanha.
Tu és mais branca do que os anjos de branco
Que moram no céu.


Tu és a delicada baga vermelha
Que no bosque aclama a fúria
De todos os homens.


Tu és a onda do mar.
Da praia - mar
Desces de manso
À baixa-mar.


Tu és a onda do mar.
Da baixa-mar


Sobes de manso
À praia-mar.

Canção de tradição oral - cultura celta -gaélico escocês

Trad. de José Domingos Morais
In Rosa de Mundo, Assírio e Alvim.2001.

Etiquetas:

PÉROLAS - 65



Nudez

A rosa:
tua nudez feito graça.

A fonte:

tua nudez feita água.

A estrela:

tua nudez feita alma.

Juan Ramon Jiménez

Etiquetas:

13/02/06

DA EDUCAÇÃO - 12


No centenário de Agostinho da Silva,educador e filósofo

“ São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim ; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem”



Agostinho da Silva (1906 – 1996)

Etiquetas:

12/02/06

O PRAZER DE LER - 38



O leitor e o crítico

É em relação a ensaios sobre poetas individuais que acabo por considerar a pergunta: em que medida pode o crítico alterar o gosto público por um ou outro poeta ou um ou outro período da literatura do passado? Fui eu mesmo, por exemplo, em algum grau responsável por despertar o interesse pelos, e fomentar a apreciação dos primeiros dramaturgos ou dos poetas metafísicos? Diria que muito dificilmente - como crítico. Devemos distinguir, claro, entre gosto e moda. A moda, o amor à mudança por si própria, o desejo de algo novo, é muito transitório; o gosto é alguma coisa que brota de uma fonte mais profunda.

Para um jovem leitor, ou um crítico de gosto incipiente, os autores que a sua geração favorece podem aparentar ser melhores do que os preferidos pela geração anterior; o crítico mais cônscio pode reconhecer que são simplesmente de índole mais afim, mas não necessariamente de maior mérito. É uma função do crítico ajudar o público letrado do seu tempo a reconhecer a sua afinidade com um poeta, ou com um tipo de poesia, ou com uma época de poesia mais do que com outra.
T.S.Eliot
, Ensaios escolhidos
Edições Cotovia, Lisboa, 1992.
Tradução: Maria Adelaide Ramos.

Etiquetas:

OS MEUS POETAS - 49




Áxion Estí*

LOUVADA SEJA a luz e a primeira
prece humana gravada sobre a pedra
a força no animal a conduzir o sol
a planta que ao trinar soltou o dia

A margem que mergulha e ergue a nuca
um cavalo de pedra que o mar cavalga
as mil vozes pequenas e azuis
o grande busto branco de Poseidon

[...]

LOUVADA SEJA a mesa de madeira
o vinho rubro com a mancha do sol
os jogos de água a brincar no tecto
o filodendro que está de sentinela à esquina

Os terraços e as ondas mão na mão
uma pegada que empilhou saber na areia
uma cigarra a convencer mil companheiras
a consciência cheia de luz como o verão

[...]

* Louvada seja

Odysseus Elitis - Áxion Estí - Louvada seja
- trad.de Manuel Resende -ed.Assírio e Alvim,2004
[obs.: a formatação do poema é diferente - mas não consigo reproduzi-la...]

Etiquetas:

11/02/06

POETAS AMIGOS - 31




o meu amigo tem nome mas não
o diz o meu amigo
vai crescendo no seu casulo frio
como um pássaro esquisito
o sol nos olhos a nua manhã
na obscura raiz da vida a sombra
do grito
- e só tenho a minha mão
na sua

Porto -1988
Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral
António Manuel Lopes Dias - in Sobre Escritos
Papiro editora-Porto, 2005

Etiquetas:

10/02/06

COMO UMA LIBERDADE




"Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros e os leitores é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação do amante rejeitado"

[Paulo Francis -encontrado in http://almocrevedaspetas.blogspot.com/]

Não deixe de ler, também - e a propósito -, o que vem em http://liberdade.home.sapo.pt/

DE AMICITIA -36




Os Méritos Invisíveis

Há certos méritos em nós que nunca, como resultado de uma obra produzida, a nós próprios saltam à vista, nem mesmo na reacção do mundo se tornam perceptíveis; e, no entanto, são esses os mais valiosos e o tomar consciências deles levaria o nosso sangue a correr mais leve: captar e devolver essas radiações constitui a mais delicada tarefa da amizade.
Hugo Hofmannsthal, in 'Livro Dos Amigos'

Etiquetas:

09/02/06

OMNIA VINCIT AMOR - 44


fotograma de Au hasard Balthazar- de J.Luc Godard

Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar,
esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira

Etiquetas:

08/02/06

ESCREVER - 30





Toda a literatura consiste num esforço para tornar a vida real. Como todos sabem, ainda quando agem sem saber, a vida é absolutamente irreal, na sua realidade directa; os campos, as cidades, as ideias, são coisas absolutamente fictícias, filhas da nossa complexa sensação de nós mesmos. São intransmissíveis todas as impressões salvo se as tornarmos literárias. As crianças são muito literárias porque dizem como sentem e não como deve sentir quem sente segundo outra pessoa. Uma criança, que uma vez ouvi, disse, querendo dizer que estava à beira de chorar, não «Tenho vontade de chorar», que é como diria um adulto, isto é, um estúpido, senão isto: «Tenho vontade de lágrimas». E esta frase, absolutamente literária, a ponto de que seria afectada num poeta célebre, se ele a pudesse dizer, refere absolutamente a presença quente das lágrimas a romper das pálpebras conscientes da amargura líquida. «Tenho vontade de lágrimas»! Aquela criança pequena definiu bem a sua espiral."

Fernando Pessoa
encontrado in http://mnemosyne.blog-city.com/

Etiquetas: ,

07/02/06

LER OS CLÁSSICOS - 39/3




3 poemas de amor vindos da Índia

Terceiro Poema
Número 40 da Série C ("Irsyamana - Orgulho ferido por infidelidade ou inconstância")

O amor além de nós passou...
Romperam-se os laços de nossa afeição.
Esgotou-se a atenção com que nos nutrimos,
e como perfeitos estranhos, nos saudamos.
E ainda que eu recorde os dias passados,
não sei por que razão
meu coração
não se parte em centenas de pedaços.

Amaru, Índia, s.VII
Tradução: Álvaro Machado

Pode ouvir estes poemas na voz de Fernanda Montenegro em http://www.operaprima.art.br/amaru.html

Etiquetas:

06/02/06

LER OS CLÁSSICOS - 39/2





3 poemas de amor vindos da Índia

Segundo poema

(Número 38 da Série C ("Irsyamana - Orgulho ferido por infidelidade ou inconstância")

Uma sobrancelha arcada abrigava pura ira,
o singelo silêncio, uma cadeia.
Um sorriso se traduzia em súplica,
Um olhar era entrega e vassalagem.
Esse foi, ontem, o nosso amor.
Contempla hoje as ruínas em que jaz.
Tu continuas a meus pés, buscando perdão,
e eu não me desenredo de minha indignação.

Amaru, Índia, s.VII
Tradução: Alvaro Machado
Pode ouvir estes poemas na voz de Fernanda Montenegro em http://www.operaprima.art.br/amaru.html

Etiquetas:

05/02/06

LER OS CLÁSSICOS - 39 /1



3 poemas de amor vindos da Índia

Primeiro poema
(Número 30 da Série B ("Pranayamana - Querelas entre amantes")

"Deixa-me ver o que ela faz",
(pensei) e quieto espreitei, sem esboçar movimento.
"Por que não diz nada, esse manhoso?",
pensou ela, e um azedume ensaiou.
Furtivamente nos olhamos, fingindo distracção,
e então, nesse instante de distanciamento,
ri inesperadamente, por uma razão qualquer.
Ela desesperou-se, e seu pranto toda a razão apagou.


Amaru, Índia, s.VII
Tradução: Alvaro Machado

Pode ouvir estes poemas na voz de Fernanda Montenegro em http://www.operaprima.art.br/amaru.html

Etiquetas:

04/02/06

LEITURAS - 3



Emoções para quê?

- Gostava de saber por que é que as pessoas acham tão importante ser-se emotivo - disse Teddy. - A minha mãe e o meu pai não consideram humana uma pessoa se não achar que uma data de coisas são tristes ou muito aborrecidas ou muito... muito injustas, ou assim. O meu pai fica todo emocionado mesmo quando está a ler o jornal. Ele acha que eu não sou humano.Nicholson sacudiu a cinza do cigarro para o lado. «Quer dizer que não sente emoções?», disse ele.Teddy reflectiu antes de responder. «Se sinto, não me lembro de alguma vez as ter usado - disse ele. - Não vejo para que é que servem.»
[….]
Ama Deus, não ama? - perguntou Nicholson, com um pouco de calma a mais. - Não é esse o seu forte, por assim dizer? (...)- Sim, claro que O amo. Mas não O amo sentimentalmente. Ele nunca disse que alguém tinha que O amar sentimentalmente - disse Teddy. - Se eu fosse Deus, tenho a certeza de que não gostaria que as pessoas me amassem sentimentalmente. É demasiado inconstante.

J. D. Salinger, in Nove Contos, ed. DIFEL.

-encontrado em http://amata.weblog.com.pt/

Etiquetas:

03/02/06

CANÇÃO PARA OS DIAS CINZENTOS - 1



Gracias a la vida

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me dio dos luceros, que cuando los abro,
Perfecto distingo lo negro del blanco,
Y en el alto cielo su fondo estrellado,
Y en las multitudes el hombre que yo amo.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado el oído que, en todo su ancho,
Graba noche y día grillos y canarios
Martillos, turbinas, ladridos, chubascos,
Y la voz tan tierna de mi bien amado.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto,
Me ha dado el sonido y el abecedario.
Con él las palabras que pienso y declaro,
"Madre,", "amigo," "hermano," y los alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado la marcha de mis pies cansados.
Con ellos anduve ciudades y charcos,
Playas y desiertos, montañas y llanos,
Y la casa tuya, tu calle y tu patio.

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón, que agita su marco.
Cuando miro el fruto del cerebro humano,
Cuando miro al bueno tan lejos del malo.
Cuando miro el fondo de tus ojos claros.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado la risa, y me ha dado el llanto.
Así yo distingo dicha de quebranto,
Los dos materiales que forman mi canto,
Y el canto de ustedes que es el mismo canto.

Y el canto de todos que es mi propio canto.
Gracias a la vida que me ha dado tanto.

Violetta Parra -Chile

01/02/06

PÉROLAS - 64


foto - s.leonardo de galafura


À força de sentir a imensidade
Deste horizonte em círculo infinito,
Converti-me na estátua da saudade,
Ou num bloco de granito.

Teixeira de Pascoais

Etiquetas:

PENSAR - 38




Liberdade Sofrida

Em tempos pensei que tinha sido ferido como homem algum jamais o fora. Por sentir isso, jurei escrever este livro. Mas muito antes de começar a escrevê-lo a ferida cicatrizou. Como jurara cumprir a minha tarefa, reabri a horrível ferida. Deixem-me explicar por outras palavras. Talvez ao abrir a ferida, a minha própria ferida, tenha fechado outras feridas, feridas de outras pessoas. Morre qualquer coisa, floresce qualquer coisa. Sofrer na ignorância é horrível. Sofrer deliberadamente, para compreender a natureza do sofrimento e aboli-lo para sempre, é muito diferente. O Buda, como sabemos, teve toda a vida um pensamento fixo no espírito: eliminar o sofrimento humano.Sofrer é desnecessário. Mas temos de sofrer para compreender que é assim.
Além disso, é só então que o verdadeiro significado do sofrimento humano se torna claro. No derradeiro momento desesperado - quando não podemos sofrer mais! - acontece qualquer coisa que tem a natureza de um milagre. A grande ferida aberta pela qual se escoava o sangue da vida fecha-se, o organismo desabrocha como uma rosa. Somos «livres», finalmente (...). Não são as lágrimas que mantêm viva a árvore da vida, mas sim o conhecimento de que a liberdade é real e eterna.

Henry Miller, in 'Plexus'

In http://citador.weblog.com.pt/

Etiquetas:

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Licença Creative Commons