31/03/06

OMNIA VINCIT AMOR -47



Uma família outra

Aquele não era somente um amor entre dois seres mais ou menos descrentes e subitamente apostados na redenção de um tempo inóspito; era uma confluência de afectos, uma construção semelhante às cidades antigas - uma Éfeso viva e transbordante, a pertença para além do sangue, na margem do nome por fim retomado.

Ana Roque

In modus vivendi - http://amata.weblog.com.pt/

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30/03/06

OS MEUS POETAS - 50

Um poema - duas traduções :





Le Pont Mirabeau

Sous le pont Mirabeau coule la Seine
Et nos amours
Faut-il qu'il m'en souvienne
La joie venait toujours après la peine
Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure

Les mains dans les mains restons face à face
Tandis que sous
Le pont de nos bras passe
Des éternels regards l'onde si lasse
Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure

L'amour s'en va comme cette eau courante
L'amour s'en va
Comme la vie est lente
Et comme l'Espérance est violente
Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure

Passent les jours et passent les semaines
Ni temps passait
Ni les amours reviennent
Sous le pont Mirabeau coule la Seine
Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure

Apollinaire, Alcools (1912)


A Ponte Mirabeau


Sob a ponte Mirabeau passa o Sena
e o nosso amor
lembrança tão pequena
sempre o prazer chegava após a pena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa

De mãos dadas fiquemos face a face
enquanto sob
a ponte de nossos braços passe
de eternas juras tédio que se enlace
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa

E vai-se o amor como esta água corrente
e vai-se o amor
ai como a vida é lenta
e como a esperança é violenta
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa

Dias e semanas passam à dezena
nem tempo volta
nem nosso amor nossa pena
sob a ponte Mirabeau passa o Sena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa


Trad.de Jorge de Sena


A Ponte Mirabeau


Sob a ponte Mirabeau corre o Sena
E nosso amor
É preciso trazê-lo à cena
Vinha sempre a alegria antes da pena
Venha a noite, soe a hora
Os dias se vão, não vou embora

De mãos dadas fiquemos face a face
Enquanto que sob a ponte dos nossos braços passa
dos eternos olhares a onda tão lassa
Venha a noite, soe a hora
Os dias se vão, não vou embora

O amor se vai como água corrente
O amor se vai
Como a vida é lenta e
Como a esperança é violenta
Venha a noite, soe a hora
Os dias se vão,
não vou embora

Passam os dias e as semanas
Nem o tempo passado
Nem o amor acena
Sob a Ponte Mirabeau corre o Sena.

Tradução: Virna Teixeira



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16/03/06

«vou-me embora para pasárgada»...



Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada


Manuel Bandeira

CAMONIANAS - 12




a ilha de vénus -ou dos amores-
- excertos -

Canto IX

[.....]
64
Nesta frescura tal desembarcavam
Já das naus os segundos Argonautas,
Onde pela floresta se deixavam
Andar as belas Deusas, como incautas.
Algüas, doces cítaras tocavam,
Algüas, harpas e sonoras frautas;
Outras, cos arcos de ouro, se fingiam
Seguir os animais que não seguiam.

65
Assi lho aconselhara a mestra experta:
Que andassem pelos campos espalhadas;
Que, vista dos barões a presa incerta,
Se fizessem primeiro desejadas.
Algüas, que na forma descoberta
Do belo corpo estavam confiadas,
Posta a artificiosa fermosura,
Nuas lavar se deixam na água pura.

66
Mas os fortes mancebos, que na praia
Punham os pés, de terra cobiçosos
(Que não há nenhum deles que não saia),
De acharem caça agreste desejosos,
Não cuidam que, sem laço ou redes, caia
Caça naqueles montes deleitosos,
Tão suave, doméstica e benina,
Qual ferida lha tinha já Ericina.

67
Alguns, que em espingardas e nas bestas,
Pera ferir os cervos, se fiavam,
Pelos sombrios matos e florestas
Determinadamente se lançavam;
Outros, nas sombras que de as altas sestas
Defendem a verdura, passeavam
Ao longo da água, que, suave e queda,
Por alvas pedras corre à praia leda.



68


69
Dá Veloso, espantado, um grande grito:
«Senhores, caça estranha (disse) é esta!
Se inda dura o Gentio antigo rito,
A Deusas é sagrada esta floresta.
Mais descobrimos do que humano esprito
Desejou nunca, e bem se manifesta
Que são grandes as cousas e excelentes
Que o mundo encobre aos homens imprudentes.

70
Sigamos estas Deusas, e vejamos
Se fantásticas são, se verdadeiras.»
Isto dito, veloces mais que gamos,
Se lançam a correr pelas ribeiras.
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,
Mas, mais industriosas que ligeiras,
Pouco e pouco, sorrindo, e gritos dando,
Se deixam ir dos galgos alcançando.

[…....]

83
Oh! Que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

84
Destarte, enfim, conformes já as fermosas
Ninfas cos seus amados navegantes,
Os ornam de capelas deleitosas
De louro e de ouro e flores abundantes.
As mãos alvas lhe davam como esposas;
Com palavras formais e estipulantes
Se prometem eterna companhia,
Em vida e morte, de honra e alegria.
[…....]
Luís de Camões, Os Lusíadas,IX,18-92 - excertos

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PÉROLAS - 68


Alfred Stieglitz


Deixa que tudo te aconteça: beleza e pavor.
Só é preciso andar : nenhum sentimento é o mais longínquo.
Não te deixes apartar de mim.
E perto a terra
a que chamam vida.

Rainer Maria Rilke, " O Livro de Horas - Livro Primeiro", 1899

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15/03/06

DESASSOSSEGOS -30





Uma tristeza de crepúsculo…

Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida. Desenrola - se - me na alma desatenta esta paisagem de abdicações - áleas de gestos abandonados, canteiros altos de sonhos nem sequer bem sonhados, inconsequências, como muros de buxo dividindo caminhos vazios, suposições, como velhos tanques sem repuxo vivo, tudo se emaranha e se visualiza pobre no desalinho triste das minhas sensações confusas.

Bernardo Soares.Fernando Pessoa
L. do Desassossego

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14/03/06

PENSAR - 41





"Ser imortal é insignificante; com excepção do homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se imortal."

Jorge Luis Borges (1899 –1986)
In “O Aleph”

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13/03/06

DO FALAR POESIA - 46





Vou acompanhando as horas da noite com as palavras.
Dedico-me assim, com o acorde do silêncio, ao mais
inocente de todos os afazeres: - à poesia.

Horácio

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12/03/06

LER OS CLÁSSICOS - 41





Romance de Avalor

Pela ribeira dum rio
que leva as águas ao mar
vai o triste de Avalor,
não sabe se há-de tornar.
As águas levam seu bem;
ele leva o seu pesar.
Só vai e sem companhia,
que os seus fora deixar:
que quem não leva descanso,
descansa em só caminhar.
Descontra onde ia a barca
se ia o sol abaixar;
indo-se abaixando o sol
escurecia-se o ar;
tudo se fazia triste
quanto havia de ficar
Da barca levantam remos
e ao som do remar
começaram os remeiros
do barco este cantar:
"Que frias eram as águas!
Quem as haverá de passar?"
Dos outros bancos respondem:
"Quem as haverá de passar
senão quem a vontade pôs
onde a não pode tirar."
Trás a barca o levam olhos
quanto o dia dá lugar.
Não durou muito,
que o bem não pode muito durar.
Vendo o sol posto, contra ele,
soltou os olhos ao chorar;
soltou rédea a seu cavalo,
da beira do rio a andar:
e a noite era calada pera mais o magoar,
que o compasso dos remos
era o do seu suspirar:
querer contar suas mágoas
seria areias contar.
Quanto mais se ia alongando,
se ia alongando o soar:
de seus ouvidos aos olhos
a tristeza foi igualar.
Assi como ia a cavalo
foi pela água dentro entrar;
e dando um longo suspiro
ouvira longe falar:
"Onde mágoas levam alma,
vão também corpo levar":
mas indo assi por acerto
foi c'um barco n'água dar,
que estava amarrado à terra
e seu dono era a folgar.
Salta assi como ia dentro
e foi a amarra cortar:
a corrente e a maré
acertaram-no ajudar.
Não sabem mais que foi dele
nem novas se podem achar,
. suspeitou-se que era morto,
mas não é para afirmar,
que não no embarcou ventura
para isso o foi guardar.
Mas são as águas do mar
de quem se pode fiar.
Bernardim Ribeiro (s.XVI)

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11/03/06

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 11





«Uma só rosa é todas as demais,
e mais ainda: o vocábulo
insubstituível, acabado e flexível
enquadrado pelo texto das coisas.

Como, sem ela, poder alguma vez exprimir
o que foram as nossas esperanças,
e as deliciosas pausas
no desejo contínuo de partir.»

Rainer Maria Rilke

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10/03/06

DE AMICITIA -38




O amigo...


Um amigo é como uma árvore.Vive de sua inutilidade.Pode até ser útil um dia,mas nao é isso que o torna um amigo.Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão.Diante do amigo, sabemos que não estamos sós.

Rubem Alves

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09/03/06

POETAS AMIGOS - 31




Eros

tarde de verão, parada
como uma villa na Toscana

na campagna, o movimento das flores


mergulhar na piscina
um frasco transparente com rosas brancas
na casa damiano


os cabelos presos no alto
alguém abotoa seu colar


um vestido de algodão, de alças ,
sandálias verdes


matizes suaves do amor
uma taça de bellini


o silêncio preciso,
íntimo

Virna Teixeira
blogue http://papelderascunho.net/

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08/03/06

NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER





"Cuida-te, quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta as suas lágrimas. A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual... debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada!"-
do Talmude
Não sei se já tinha colocado aqui este texto. O meu amigo António Cardoso Pinto recordou-mo. E soube-me bem deixá-lo ...porque sim.E isso basta-me.

O PRAZER DE LER - 40




ler e escrever

" Não falta por aí quem saiba escrever. Ler é que pouca gente sabe. Para escrever, basta garatujar, com mais correcção ou menos correcção, com a maior elegância ou sem elegância nenhuma, o que se pretende. O escrever é acto de egoísmo. É a eloquência do eu com asas. Postas a voar sobre o papel, ninguém as agarra. É eloquente o caixeiro que escreve à mãe, o soldado que escreve à namora-da, a mulher que despedaça o coração com uma pena mo-vida pela dor. Há pessoas estúpidas, que, postas a escrever, em hora de aflição, causariam inveja a um Camilo.Há até quem não saiba escrever e seja eloquente por intermédio da escrita. Há analfabetos que notam cartas extraordinárias. Há versos de cavador escritos com a enxada. E que versos! Naturais, fluentes, cândidos, tal e qual versos de João de Deus.Escrever é fácil. É o eu a falar. O ler é que é difícil. São os outros que falam. Para os compreender, é indispensável muita ciência, muita vontade e imensa boa-fé. É preciso ler à letra, por baixo da letra e por cima da letra para compreender. Corre-se o risco de ler rosado onde o autor escreve azulado. Confundem-se as cores. Baralha-se o arco-íris. Ler é escutar - operação difícil. Se não escutarmos de boa mente, que é que nos sucede? Onde nos deitam rosas, ai de nós, que sentimos o rosto picado de ouriços. É o que sucede a quem não sabe ler. Razão tinha o Goethe. À medida que ia envelhecendo, ia dizendo: cada vez me convenço mais dos requisitos que aleitura exige.Ler bem é privilégio. Ai de quem escreve, imaginando ser compreendido. Semeia flores e colhe víboras."

João de Araújo Correia .1962
encontrado em http://nusingular.blogspot.com/

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07/03/06

PÉROLAS - 67



As Flores da Urze

Com serena alegria crescem e abrem.
Calma multidão, límpidas jóias
De um reino de vento e de sol,
Guizos que pendem dos altos penhascos
São as flores que nascem nas pedras,
Pequenas taças de doirado mel.·

Eifion Wyn -País de Gales - 1867-1926

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06/03/06

CAMONIANAS - 11



MOTE

De que me serve fugir
de morte, dor e perigo,
se me eu levo comigo?

VOLTAS

Tenho-me persuadido,
por razão conveniente,
que não posso ser contente,
pois que pude ser nacido.
Anda sempre tão unido
o meu tormento comigo
que eu mesmo sou meu perigo.

E se de mi me livrasse,
nenhum gosto me seria;
que, não sendo eu, não teria
mal que esse bem me tirasse.
Força é logo que assi passe:
ou com desgosto comigo,
ou sem gosto e sem perigo.


Luís de Camões - Rimas

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05/03/06

DESASSOSSEGOS - 29




Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças - tinha só que ter rodas....
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

Fernando Pessoa / Alberto Caeiro

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04/03/06

PENSAR - 40



O nascimento da tragédia

“Acreditamos na vida eterna", assim grita a tragédia; enquanto a música é a ideia imediata desta vida. Uma finalidade muito diferente tem a arte do escultor; aqui Apolo supera o sofrimento do indivíduo com a luminosa glorificação da eternidade da aparência, aqui a Beleza vence o sofrimento que insere na vida, a dor, é, de algum modo, obrigada a desaparecer dos traços da natureza. Na arte dionisíaca e no seu simbolismo trágico a própria natureza fala-nos com a sua voz verdadeira e aberta: "Sede como eu sou! Na mudança incessante das aparências, a mãe primigénia, eternamente criadora, que eternamente constringe à existência, que eternamente se satisfaz com esta mudança de aparência".
F.Nietzsche – in

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03/03/06

OMNIA VINCIT AMOR - 46




A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:a morte, os amigos, os inimigos.


E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.


Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.


Manuel António Pina

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02/03/06

DE AMICITIA - 37



imagem- fotograma de au hasard balthazar
(robert bresson)

[Não ter amigos]


Não ter amigos nem água por onde regressar
às manhãs claras da infância. O engodo
do excesso o procurava para o logro
da partilha, para o movimento inútil
duma casa com degraus e corredores. Não
deixar sinais de passagem, nem sob os dedos
na madeira o nome que divide os
dias em anos de sombra. Talvez
a paz difícil (mas é já tanto) do
sono. As mulheres jovens e cansadas
adormecem assim, lendo romances na pedra
junto à falésia da gravura da parede.

José Carlos Barros
in http://casa-de-cacela.blogspot.com/


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01/03/06

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 10







Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade
De rosas
– Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.


Ricardo Reis.Fernando Pessoa

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