31/12/06

O PRAZER DE LER - 57


Razões para não saber ler

A poderosa razão que o lavrador Roberto Rodrigues opunha para não mandar ensinar a ler o filho, era — que ele pai também não sabia ler, e mais arranjava lindamente a sua vida. Esta vinha a ser a razão capital, reforçada por outras subalternas e praticamente bastante persuasivas.— Se o rapaz souber ler — argumentava triunfantemente o idiota — assim que chegar a idade, às duas por três, fazem-no jurado, regedor, camarista, juiz ordinário, juiz de paz, juiz eleito. São favas contadas. Depois, enquanto ele vai à audiência ou à Câmara, a Cabeçais, daqui uma légua, os criados e os jornaleiros ferram-se a dormir a sesta de cangalhas à sombra dos carvalhos, e o arado fica também a dormir no rego. E ademais, isto de saber ler é meio caminho andado para asno e vadio.E citava exemplos, personalizando meia dúzia de brejeiros que sabiam ler e eram mais asnos e vadios que os analfabetos.
Camilo Castelo Branco, Vulcões de Lama

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30/12/06

OS MEUS POETAS - 65



Despedida

Entre mi amor y yo han de levantarse
trescientas noches como trescientas paredes
y el mar será una magia entre nosotros.
No habrá sino recuerdos.¡

Oh tardes merecidas por la pena!
Noches esperanzadas de mirarte,
campos de mi camino, firmamento
que estoy viendo y perdiendo....
Definitiva como un mármol
entristecerá tu ausencia otras tardes.

Jorge Luís Borges

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29/12/06

OS MEUS MELHORES DE 2006

Não se trata de estabelecer rankings: apenas uma listagem de reflexão pessoal e inteiramente subjectiva que, à semelhança do início deste ano e do blogue, para os anos de 2004 e 2005,faço agora.Sempre com hipóteses de nada ter de definitivo.
Cinema
De entre os melhores filmes que vi ou revi em 2006, constam:

Alice
Matchpoint
Volver

revistos em DVD:

Bellissima

Roma, cidade aberta

Sonata de outono

O homem que matou Liberty Valance

...

Livros

No que respeita a livros, os melhores lidos em 2006:

Austerlitz + Os Emigrantes –de G.W.Sebald
Cotovia – de Denzo Kosztolányi
As velas ardem até ao fim + A herança de Ezther –de Sandor Marai
Conspiração contra a América + O Animal Moribundo – de Philip Roth
Vários livros de poesia


Releituras várias :

Dom Casmurro – de Machado de Assis
Madame de Bovary – de Flaubert
O amor nos tempos da cólera – de Gabriel Garcia Marquez

Teatro:

A Gaivota - de Tchekov
Filoctetes – de Sófocles
(Teatro da Cornucópia)

Discos-CDs e DVD’s musicais

O Mundo – Rodrigo Leão
Espíritu Vivo – Suzana Baca
Tempo, tempo, tempo,tempo – Maria Bethânia (DVD)



Mas haveria certamente, muitos mais - nomeadamente de música clássica, étnica e jazz...

Alguns blogues que leio diariamente:

São muitos, sobretudo de poesia própria dos seus autores ou de poetas vários, dos mais ou menos reconhecidos ou … porventura já esquecidos … ou ainda quase desconhecidos…Limito-me a indicar 3, fora dessas categorias:

almocreve das petas -http://almocrevedaspetas.blogspot.com/
assim mesmo - http://letratura.blogspot.com/
história das palavras - http://steinhardts.wordpress.com/
a melhor entrada relacionada com Natal e Ano Novo: num dos meus blogues favoritos -o bona musica - http://bonamusica.blogspot.com/

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28/12/06

PÉROLAS - 97




Ela é a branca flor da amora preta
(canção tradicional)

Ela é a branca flor da amora preta
Ela é a rubra flor da framboesa
Ela é a mais delicada das ervas do campo
Ela é maravilha e espanto aos olhos meus.

Ela é o meu sangue e o meu segredo
Ela é flor e perfume da macieira.
Desde o Natal aos dias de Páscoa
Ela é o verão no tempo do frio.

Cultura celta (Irlanda,séc. XVIII)

in Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro (tradução de José Domingos Morais);
imagem encontrada no nocturno com gatos -http://nocturnocomgatos.weblog.com.pt/


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27/12/06

ESCREVER - 46




"No fundo, um escritor é um bocado um ladrão, um gatuno de sentimentos, de emoções, de rostos, de citações. Um livro é sempre feito de pequenos roubos com a vantagem de não sermos condenados."

António Lobo Antunes
fonte: O Jornal, 30.10.1992

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26/12/06

NOCTURNOS - 22




Olhar a lua cheia olhando
as paredes de casa, os muros do tanque,
os troncos pela metade das
alfarrobeiras, as sombras desenhadas
em diagonal,
os cômoros de terra, a água
das noras, os lancis,o espelho dos degraus.
Como na literatura: ver as coisas
pela sombra que projectam.

José Carlos Barrosin casa de Cacela -http://casa-de-cacela.blogspot.com/

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25/12/06

NATAL


cartão da margarida bento

É noite de nascimento

He noite de nascimento,
em que Deos mostrou seu dia.
He noite de gran memoria,
noite em dia convertida,
escuridão consumida
con gran resplendor de glória:
no meio mais luminosa
que no mundo nunca viste,
e de escura, fria e triste,
a mais doce e gloriosa.
Oh noite favorecida
de memorável coroa,
vista de Deos em pessoa,
começando humana vida!
dos anjos todos cercada,
dos elementos servida,
do Padre e Filho escolhida,
do Spirito Sancto espirada!

Gil Vicente, Auto da Fé

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24/12/06

O PRAZER DE LER - 56





O livro que se torna vivo é o livro que foi penetrado até ao âmago pelo coração devorador. Até ser acendido por um espírito tão vivo e flamejante como aquele que lhe deu origem, uma obra está morta para nós. As palavras desprovidas da sua magia não passam de hieróglifos mortos. As vidas despojadas de curiosidade, de entusiasmo, de dádiva e de capacidade de receber, são absurdas e estéreis como letras mortas. Encontrar um homem a quem posso chamar um livro vivo é alcançar a própria fonte de criação. Ele permite-nos ver o fogo que consome o universo inteiro e que não emite apenas luz mas também uma visão, uma força e uma coragem perenes.

Henry Miller - Os livros da minha vida

encontrado em http://aguarelast.blogspot.com/

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23/12/06

DA EDUCAÇÃO - 21



«Por vezes sente-se a fadiga dos heróis. Daqueles professores e daquelas professoras que incessantemente buscam. Denunciam. Criticam. Mas não desertam. Mas não se demitem. Mas não se refugiam em álibis. E por isso implicam-se.»CE 69
O Correio da Educação acompanha há 8 anos e 279 números os professores. Anuncia-nos agora que, a partir de janeiro, passará a sair em versão digital, «de modo - dizem - a ser mais útil, mais próxima e mais actual.» Para continuar a recebê-lo, deve comunicar o seu e-mail a ce@asa.pt
Boas férias, amigos e colegas professores!

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DO FALAR POESIA - 57



“beauty is truth,truth beauty” – that is all ye know on earth, and what all ye need to know”


" beleza é verdade, verdade é beleza. É tudo o que sabemos na terra, e é tudo o que precisamos de saber!"


John Keats - ode on a Grecian Urn

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22/12/06

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 31



Despertar

É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.

Eugénio de Andrade

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21/12/06

DE AMICITIA - 51




Traz Outro Amigo Também


Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem-vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também

José (Zeca) Afonso

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20/12/06

LEITURAS - 30




É isto. Ouve com atenção. Meditei sobre o amor, e esclareci tudo. Vi claramente o que está errado. Os homens apaixonam-se pela primeira vez. E por quem se apaixonam eles?
A boca macia do garoto estava entreaberta; e o rapaz não respondeu.
- Por uma mulher -- disse o velho. -- Sem ciência, sem nada que os sustente, entregam-se à experiência mais perigosa e sagrada desta terra de Deus. Apaixonam-se por uma mulher. Não é isto verdade, meu filho?
- É... -- respondeu murmuradamente o rapaz.
- Começam pelo lado errado do amor. Começam pelo mais alto. É para admirar a tão grande miséria resultante? Sabes como os homens deveriam amar?
O velho estendeu a mão e agarrou o rapaz pela gola da blusa de couro. Sacudiu-o suavemente, e os olhos verdes olhavam sem pestanejar, graves.
- Meu filho, sabes como o amor devia começar?
O rapaz sentia-se pequeno no banco, todo ouvidos, imóvel. E, devagar, abanou a cabeça. O velho chegou-se mais e segredou:

- Uma árvore. Um rochedo. Uma nuvem.


Carson McCullers

Encontrado em http://www.theresonly1alice.blogspot.com/

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19/12/06

PÉROLAS - 96



Olho os olivais, respiro fundo e sei que ainda estou vivo; que, de alguma maneira, estarei vivo sempre. E ponho-me a cantar em silêncio uma canção que não se aprende; o sangue sussurra ao ouvido cada sangue novo. Uma canção que repete que todo o ser é importante, porque sem ele a Natureza não seria como é, nem estaria completa. Todo o ser é uma gota de orvalho que dura o que dura a noite. Inextinguivelmente, a noite repetir-se-á e repetir-se--ão o orvalho e a erva e o primeiro plenilúnio de Dezembro sobre campos e praias. Porque a vida não se acaba nunca.Porque o que uma vez sucedeu, sucede para sempre.

António Gala

encontrado em http://o-jardim-de-aspasia.blogspot.com/

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18/12/06

POETAS MEUS AMIGOS - 44





tristeza


fosse apenas saudade não
seria a
cama tão fria nem tão
curtas as
madrugadas

esta dor pelo corpo
inteiro sem começo nem
fim



Adair Carvalhais Júnior
ver também http://adairjr.multiply.com/

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17/12/06

BEETHOVEN



Faria hoje anos
nascido em 1770; falecido em 1827


«Seuls l'art et la science élèvent l'homme jusqu'à la divinité»

Ludwig van Beethoven

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RETRATOS DE UM PAÍS QUE JÁ NÃO HÁ - 2

16/12/06

«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE»-3


foto de soledade santos



[para a Soledade]


Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!....

Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
– Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
– O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
– Estranha sombra em movimentos vãos.



Camilo Pessanha
- Clepsidra

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15/12/06

EDUCAÇÃO - 20

Esta TLEBS vai no sentido de certas medidas que, sob a capa da inovação e da escolaridade fast, estão a deformar o ensino..

M.Alzira Seixo – in revista Visão de 30 de novembro de 2006


Entretanto, caso o deseje e concorde com os seus termos, subscreva a petição para suspensão da Tlebs, assinada, entre outros, pelo Professor João Andrade Peres, em

http://www.ipetitions.com/petition/contratlebs/tlebs.html

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OMNIA VINCIT AMOR - 62



"É vão acreditar-se- escreveu ela - que o amor possa advir de uma comunhão de espíritos, de pensamentos; é a explosão simultânea de dois espíritos empenhados no acto independente de se expandirem. E a sensação é a de que alguma coisa explodiu dentro deles, silenciosamente. Em torno deste acontecimento, assombrado e apreensivo, o apaixonado ou a apaixonada continua a viver examinando a sua própria experiência; apenas a gratidão cria nela a ilusão de que comunica com o seu amigo, mas é falso, porquanto ele nada lhe deu. O objecto amado é, simplesmente, aquele que viveu uma experiência igual no mesmo instante, como um Narciso; e o desejo de estar junto do objecto amado é devido, em primeiro lugar, não à ideia de possui-lo, mas, simplesmente, de permitir a comparação entre as duas experiências, como a mesma imagem vista em espelhos diferentes. Tudo isto pode preceder o primeiro olhar, o primeiro beijo, o primeiro contacto; preceder a ambição, o orgulho e a cobiça; preceder as primeiras declarações que assinalam o ponto de viragem - pois a partir daqui o amor degenera em hábito, em posse e ... em solidão."
Lawrence Durrel - Justine

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14/12/06

DESASSOSSEGOS - 46



Somos quem não somos, e a vida é pronta e triste.

Bernardo Soares.F. Pessoa
-Livro do Desassossego

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13/12/06

LEITURAS - 29



[…]

«Não sou contra isso por ser repugnante. Sou contra isso porque é apaixonar-se. A única obsessão que toda a gente quer:”amor”. As pessoas pensam que ao amar se tornam inteiras, completas? A união platónica das almas? Eu não penso assim. Penso que estamos inteiros antes de começarmos. E o amor fractura-nos. Estás inteiro e depois estás fracturado, aberto. Ela foi um corpo estranho introduzido na tua totalidade. E durante um ano e meio lutaste para o incorporar. Mas nunca serás inteiro enquanto não o expelires. Ou te livras dele ou o incorporas. E foi isso que fizeste e te levou à loucura.»
[…]
George não dava tréguas: «O afecto é ruinoso e nosso inimigo. Joseph Conrad: Aquele que forma um laço está perdido. É absurdo que tenhas estado ali sentado a olhar dessa maneira. Tu provaste -o. Não é isso suficiente? Que outra coisa tiveste alguma vez mais do que a oportunidade de o provar? Isso é tudo quanto nos é dado na vida, é tudo quanto nos é dado da vida. Não há mais do que isso.»
George tinha razão, é claro, e estava apenas a repetir-me o que eu sabia. Aquele que forma um laço está perdido. A ligação é minha inimiga e, por isso, eu empregava aquilo a que Casanova chamava «o remédio do estudante» - em vez dela masturbava-me. (…)

Philip Roth,O Animal Moribundo- (The Dying Animal)Publ.D.Quixote, Lisboa, 2006

trad. de Fernanda Pinto Rodrigues
Opinião : «Uma pequena e perturbante obra-prima»-David Lodge

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12/12/06

OS MEUS POETAS - 63




Programática

Eu saúdo a laranjeira iluminada
pelo sol apenas ela. As esplendorosas
laranjas mais altas voadoras assim
do que as andorinhas pretas que volteiam.

O recanto apenas seu onde recebe
esfericamente o sol. Os últimos
voos das mensageiras antes do sonho.
O fim dos raios no vértice
de espelhos. Haver frutos
que são reflexos. E trilos
que formam musicalmente a noite.

Fiama Hasse Pais Brandão
encontrado in http://fazendocaminho.blogspot.com/

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10/12/06

ESCREVER - 45



Se um homem escreve bem só quando está bêbado, dir-lhe-ei: embebede-se. E se ele me disser que o seu fígado sofre com isso respondo: o que é o seu fígado? É uma coisa morta que vive enquanto você vive, e os poemas que escrever vivem sem enquanto.
Bernardo Soares.Fernando Pessoa - O Livro do Desassossego

Lembrado em http://talvezpeninsula.blogspot.com/

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09/12/06

LER OS CLÁSSICOS - 60




Nascemos para amar; a humanidade
Vai tarde ou cedo aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.

Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão n’alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.

Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.

Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.

Bocage

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CAMONIANAS - 24



Em defesa de um homem que
também se chamava Luís de Camões

Tornou-se um adjectivo: é o génio,
é a língua, é a pátria, é quanto queiram
os que querem servir-se ou igualá-lo
e, no entanto, viesse ele ao café
sentar-se numa mesa qualquer destas,
nenhum de nós daria o quer que fosse
pelas rugas vincadas dos seus olhos.
Logo lhe temeríamos distúrbios,
cheirasse mal, batesse no empregado,
se acaso não olhasse sem decência
a cantada Senhora, que se despe
não para ele, está visto, para outro,
o cavalo que relincha e a cobrirá
até ouvir não posso mais, acaba,
que a fluidos se reduzem as manhãs,
entre lençóis o cheiro a sexo frio.
E em troca desse olhar escreveria
Quem vê que em branca neve nascem rosas
num qualquer guardanapo de papel,
que é onde se escrevem os poemas
por que toda a mulher suspiraria,
não fosse o garanhão branco de luz
que faz do rio um mar de esperma o peito.
Não fosse. É-o sempre, para bem
de todos no café e não para ele,
que o ser não conta, conta o que ele
escreve numa mesa, e nunca esse óxido
que arredonda as palavras e as torna densas.
Somente a teimosia de arrancar
de si a luz clara e o mundo infindo
vive num guardanapo de café
onde, por cima do ombro, a gente lê
em versos alinhados um soneto
que, de quem escreve, é somente a cinza,
e do nome dela, o espelho conturbado.
E o que se lê é tudo quanto resta
no inútil guardanapo de papel,
se morto não lhe servem as palavras
nem os beijos que sorvem tão vã música.

Nuno Dempster

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08/12/06

NOCTURNOS - 21




Noite solitária no início do outono


Ondulam folhas finas por detrás do poço,
lavadeiras batem roupa, o Outono começa a cantar.
Descubro um recanto sob os beirais,
adormeço solitário.
Ao acordar tenho o leito inundado de luar.



Bai Juyi

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07/12/06

PENSAR - 57




A Arte é Tudo


A arte é tudo - tudo o resto é nada. Só um livro é capaz de fazer a eternidade de um povo. Leónidas ou Péricles não bastariam para que a velha Grécia ainda vivesse, nova e radiosa, nos nossos espíritos: foi-lhe preciso ter Aristófanes e Ésquilo. Tudo é efémero e oco nas sociedades - sobretudo o que nelas mais nos deslumbra. Podes-me tu dizer quem foram, no tempo de Shakespeare, os grandes banqueiros e as formosas mulheres? Onde estão os sacos de ouro deles e o rolar do seu luxo? Onde estão os olhos claros delas? Onde estão as rosas de York que floriram então? Mas Shakespeare está realmente tão vivo como quando, no estreito tablado do Globe, ele dependurava a lanterna que devia ser a Lua, triste e amorosamente invocada, alumiando o jardim dos Capuletos. Está vivo de uma vida melhor, porque o seu espírito fulge com um sereno e contínuo esplendor, sem que o perturbem mais as humilhantes misérias da carne!
Nada há de mais ruidoso, e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas - do que a política. Por toda essa antiga Europa real, se vêem multidões de politiquetes e de politicões enflorados, emplumados, atordoadores, cacarejando infernalmente, de crista alta. Mas concebes tu a possibilidade de daqui a cinquenta anos, quando se estiverem erguendo estátuas a Zola, alguém se lembre dos Ferry, dos Clemenceau, dos Cánovas, dos Brigth? Podes-me tu dizer quem eram os ministros do império em 1856, há apenas trinta anos, quando Gustave Flaubert escrevia «Madame Bovary»? Para o saber precisas desenterrar e esgaravatar com repugnância velhos jornais bolorentos: e achados os nomes nunca verdadeiramente poderás diferenciar o sujeito Baroche do sujeito Troplong: mas de «Madame Bovary» sabes a vida toda, e as paixões e os tédios, e a cadelinha que a seguia, e o vestido que punha quando partia à quinta-feira na «Hirondelle» para ir encontrar Léon a Rouen! Bismarck todo-poderoso, que é chanceler e de ferro, daqui a duzentos anos será, sob a ferrugem que o há-de cobrir, uma dessas figuras de Estado que dormem nos arquivos e que pertencem só à erudição histórica: o papa Leão XIII, tão grande, tão presente, que até as crianças lhe sabem de cor o sorriso fino, não será mais, na longa fila dos papas, que uma vaga tiara com um número; mas duzentos anos passarão, e mil - e o nome, a figura, e a vida de certo homem que não governou a Alemanha nem a Cristandade, estará tão fresca e rebrilhante como hoje na memória grata dos homens.
Eça de Queirós, in 'Prefácio dos «Azulejos» do Conde de Arnoso'

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06/12/06

RETRATOS DE UM PAÍS QUE JÁ NÃO HÁ - 1

05/12/06

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 30



Ninguém chore

Rosas, sabe Deus de onde tão belas,
em céus verdes a cidade
à tarde
no efémero dos anos !
Que saudades do tempo em que pra mim
um simples marco e trinta era vital,
sim, levado pela necessidade, eu contava os centavos,
tinha de ajustar-lhes os meus dias,
dias, que digo eu: semanas com pão e doce de ameixas
em potes de barro
trazidos da aldeia natal,
ainda iluminados da miséria caseira,
como tudo doía, como era belo e trémulo !

Pra quê o esplendor dos áugures europeus,
dos grandes nomes,
dos pour le mérite,
que olham para si e prosseguem criando,

ah, só o perecível é belo,
vendo pra trás a miséria,
bem como o zé-ninguém que não se reconhece,
soluça e anda aos carimbos do desemprego,

admirável este Hades
que toma o obscuro .
como os áugures - ninguém chore,

ninguém diga: eu, tão só.


Gottfried Benn - 50 poemas
- versão de Vasco Graça Moura

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04/12/06

PÉROLAS - 95

retrato de Rilke por Boris Pasternak
«A minha pátria é entre o Dia e o Sonho»

R. M. Rilkenascido em Praga em 4 de dezembro de 1875

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NOCTURNOS - 20



Nocturno

O silêncio por ninguém se quebranta,
e ninguém o deplora.
Só se canta
o pôr-do-sol, desde a aurora.
Mas a lua, com ser
de luz o nosso simples parecer,
parece-nos sonora
quando derrama suas mãos ligeiras
as ágeis sombras das palmeiras.

José Gorostiza

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03/12/06

ESCREVER - 44




O que é escrito sem esforço em geral é lido sem prazer.



Samuel Johnson

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02/12/06

LER OS CLÁSSICOS - 59



Desmaiar-se, atrever-se, estar furioso,
áspero, terno, liberal, esquivo,
altaneiro, mortal, defunto, vivo,
leal, traidor, cobarde e animoso,

não ter, fora do bem, centro ou repouso,
mostrar-se alegre, triste humilde, altivo,
agastado, valente, fugitivo,
satisfeito, ofendido, receoso;

fechar o rosto ao claro desengano,
beber veneno por licor suave,
olvidar o proveito, amar o dano;

acreditar que o céu no inferno cabe,
dar a vida e a alma a um doce engano;
isto é amor; quem o provou bem sabe.

Lope de Vega (1562-1635)

Trad. de David M.-Ferreira

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01/12/06

O PRAZER DE LER - 55


Matisse

"- Lê muito?

- Muito. Tenho todo o tempo livre, de manhã à noite. De dia leio, à noite tenho a cabeça vazia; em lugar de ideias, passam-me vagas sombras...
- Vê qualquer coisa de noite? - perguntou Koroliov.
- Não... mas sinto."
Anton Tchékov - Um caso médico
encontrado em http://um-buraco-na-sombra.netsigma.pt/entrada.asp

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