31/12/07




e boas navegações, em mar sereno!

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PENSAR -71

«A vida humana — ou melhor, a vida em geral —é poesia. Sem nos darmos conta vivemo-la, dia a dia, pedaço a pedaço. Mas, na sua inviolável totalidade, é ela que nos vive, que nos inventa. Longe, muito longe da velha divisa: «fazer da vida uma obra de arte» — somos nós a nossa obra de arte»

Lou Andreas-Salomé, in Um olhar para trás

Relógio d’Água, Lisboa, 1987



Para conhecer melhor a vida , pensamento e obra de Lou:- Stéphane Michaud, Lou Andreas Salomé , A aliada da vida - ed.ASA,Porto,2001

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30/12/07

OMNIA VINCIT AMOR - 91




não pares de me chamar


não pares de me chamar
faz de mim o sul dos teus rios

põe-me céus de vertigem nos dias
ou mares
põe-me mares nos instantes
e acende-me nos olhos
um bonito grito
como se eu fosse a madrugada
ou aquela hora
em que numa pedra branca
me desenhas o mundo
e eu me arrependo
de enlouquecer

leva-me
leva-me pelos telhados mais altos
e ensina-me os horizontes sem fim
as árvores antigas
onde as cores das estações se escondem
onde começam os caminhos
onde acabam as fugas
onde terminam as procuras

e dá-me as cidades
as mais longínquas
as que crescem das casas que sonhaste
e põe-me a teu lado

debruça-me nessas janelas
para nenhuma solidão


gil t. sousa - poemas
http://canaldepoesia.blogspot.com/

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29/12/07

LEITURAS - 61



Imagem e espelho! Os seus olhos abraçaram a nobre silhueta adiante, na borda do mar azul, e, num arroubo de encantamento, teve a percepção de que este relance o compenetrava da própria essência do belo, da forma como pensamento divino, da perfeição única e pura que habita o espírito e ali erigia, para adoração, uma imagem, um símbolo claro e gracioso. Era esse o seu êxtase. E o artista no declínio da vida acolheu-o sem hesitar, avidamente mesmo. O seu espírito abriu-se como que em trabalho de parto, toda a sua formação e cultura efervesceram, sofreram mutação, a sua memória fez aflorar pensamentos primitivos, transmitidos como lendas à sua juventude e até então nunca avivados por chama própria. Não estava escrito que o sol diverte a nossa atenção das coisas do intelecto para as coisas dos sentidos? Segundo se dizia, ele atordoa e enfeitiça a razão e a memória, ao ponto de a alma, afundada em prazer, esquecer totalmente o seu estado real, ficando presa em êxtase ao mais belo dos objectos iluminados pelo Sol, e então é só com a ajuda de um corpo que ela encontra forças para se elevar a contemplações mais altas. Na verdade, Amor fazia o mesmo que os matemáticos, apresentando às crianças não dotadas imagens tangíveis das formas puras: assim o deus se comprazia em servir-se também, para nos tornar visível o espiritual, da forma e cor da juventude humana, que enfeitava com todo o esplendor da beleza, para instrumento da lembrança, fazendo-nos inflamar, ao vê-la, de dor e esperança.Assim pensava o espírito exaltado de Aschenbach; assim se revelava o poder dos seus sentimentos. E o marulhar das águas e o brilho do Sol teceram a seus olhos uma imagem encantadora. Era o velho plátano não distante das muralhas de Atenas — aquele local divinamente sombrio, cheio da fragrância das flores de agnocasto, ornado de imagens sagradas e oferendas piedosas em honra das ninfas e de Acheloo. O ribeiro caía límpido aos pés da árvore frondosa, sobre cascalho liso: os grilos cantavam. Sobre a relva, porém, que descia em declive ligeiro, onde se podia, estando deitado, manter a cabeça mais alta, estavam dois homens estendidos, ali protegidos do calor intenso do dia: um velho e um rapaz, um frio, o outro belo, a sapiência a par da graça. E, entre graças e brincadeiras espirituosas, Sócrates ilustrava Fedro acerca do desejo e da virtude. Falava-lhe do sobressalto ardente sofrido pela pessoa sensível quando esta vislumbra uma imagem da beleza eterna; falava--lhe do apetite do impuro e do mau, que não pode conceber a beleza, ao ver a sua imagem, e é incapaz de veneração; falava-lhe do temor sagrado que assalta o virtuoso à aparição de um semblante divino, um corpo perfeito — como ele estremece e se transporta, mal ousando olhar, venerando aquele que possui a beleza, sim, estando disposto a oferecer-lhe sacrifícios como a uma estátua, se não receasse passar por louco. Pois que a beleza, meu Fedro, e só ela, é digna de ser amada e visível ao mesmo tempo: ela é — nota bem! — a única forma do espiritual que recebemos através dos sentidos e que podemos suportar pelos sentidos. Ou então, o que seria de nós se, por outro lado, o divino, a razão, a virtude e a verdade se nos quisessem revelar através dos sentidos? Acaso não morreríamos e nos consumiríamos de amor, como outrora Sémele perante Zeus? Assim, a beleza é o caminho do homem sensível para o espírito — só o caminho, um meio apenas, pequeno Fedro... E em seguida proferiu o mais subtil, aquele cortejador astuto: ou seja, que o amante é mais divino que o amado, visto que naquele existe o deus e nestoutro não -- ideia que talvez seja a mais terna e a mais irónica que jamais foi pensada e da qual nasce toda a malícia e a mais secreta volúpia do desejo.


Thomas Mann - Morte em Veneza

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28/12/07

DE AMICITIA - 66




anunciação

Amigo: a tua próxima presença
Anuncia-me o mistério ainda não revelado.

Virás como o sonho, na noite, caído sobre as pálpebras
E como a alvorada debruçada sobre o mundo...
Virás com o teu verbo quente e a tua mão leal
Para o aperto solidário que nenhum poder separará.
Virás juntar a tua vida à minha vida,
Comer o mesmo pão, sugar o mesmo sol.

E virás, com o silêncio das horas em que as nossas bocas

[ não saberão falar,
Para selarmos num poema eterno o milagre das nossas almas

[ reveladas,
A fecundar a poesia viva as nossas vidas que não queremos estéreis

[e ignoradas.

Vasco Miranda
(de Luz na Sombra, 1946)

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27/12/07

CAMONIANAS - 40





O sulmonense Ovídio, desterrado

O sulmonense Ovídio, desterrado
na aspereza do Ponto, imaginando
ver-se de seus parentes apartado,

sua cara mulher desamparando,
seus doces filhos, seu contentamento,
de sua pátria os olhos apartando;

não podendo encobrir o sentimento,
aos montes e às águas se queixava
de seu escuro e triste nacimento.

O curso das estrelas contemplava
e como, por sua ordem, discorria
o céu, o ar e a terra adonde estava.

Os peixes pelo mar nadando via,
as feras pelo monte, procedendo
como seu natural lhes permitia.

De suas fontes via estar nascendo
os saudosos rios de cristal,
à sua natureza obedecendo.

Assi só, de seu próprio natural
apartado, se via em terra estranha,
a cuja triste dor não acha igual.

Só sua doce Musa o acompanha,
nos versos saudosos que escrevia,
e lágrimas com que ali o campo banha.

Destarte me afigura a fantasia
a vida com que vivo, desterrado
do bem que noutro tempo possuía.

Ali contemplo o gosto já passado,
que nunca passará pola memória
de quem o tem na mente debuxado.

Ali vejo a caduca e débil glória
desenganar meu erro, coa mudança
que faz a frágil vida transitória.

Ali me representa esta lembrança
quão pouca culpa tenho; e me entristece
ver sem razão a pena que me alcança.

Que a pena que com causa se padece,
a causa tira o sentimento dela;
mas muito dói a que se não merece.

Quando a roxa manhã, fermosa e bela,
abre as portas ao Sol, e cai o orvalho,
e torna a seus queixumes Filomela;

este cuidado, que co sono atalho,
em sonhos me parece; que o que a gente
para descanso tem, me dá trabalho.

E depois de acordado, cegamente
- ou, por melhor dizer, desacordado,
que pouco acordo tem um descontente -

dali me vou, com passo carregado,
a um outeiro erguido, e ali me assento,
soltando a rédea toda a meu cuidado.

Depois de farto já de meu tormento,
dali estendo os olhos saudosos
à parte aonde tenho o pensamento.

Não vejo senão montes pedregosos;
e os campos sem graça e secos vejo
que já floridos vira e graciosos.

Vejo o puro, suave e brando Tejo,
com as côncavas barcas que, nadando,
vão pondo em doce efeito seu desejo:

üas co brando vento navegando,
outras cos leves remos, brandamente
as cristalinas águas apartando.

Dali falo co a água, que não sente,
com cujo sentimento a alma sai
em lágrimas desfeita claramente.

Ó fugitivas ondas, esperai!
que pois me não levais em companhia,
ao menos estas lágrimas levai;

até que venha aquele alegre dia
que eu vá onde vós is, contente e ledo.
Mas tanto tempo quem o passaria?

Não pode tanto bem chegar tão cedo,
porque primeiro a vida acabará
que se acabe tão áspero degredo.

Mas esta triste morte que virá,
se em tão contrário estado me acabasse,
a alma impaciente adonde ira?

Que, se às portas tartáreas chegasse,
temo que tanto mal pola memória
nem ao passar de Lete lhe passasse.

Que, se a Tântalo e Tício for notória
a pena com que vai, que a atormenta,
a pena que lá tem terão por glória.

Esta imaginação me acrecenta
mil mágoas no sentido, porque a vida
de imaginações tristes se sustenta.

Que pois de todo vive consumida,
por que o mal que possui se resuma,
imagina na glória possuída,

até que a noite eterna me consuma,
ou veja aquele dia desejado,
em que Fortuna faça o que costuma;
se nela há i mudar um triste estado.

Luís de Camões.Rimas-Elegias

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26/12/07

PENSAR - 70




"Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é a isso que é preciso chegar. Estar só, como a criança está só."

Rainer Maria Rilke

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25/12/07



[do Natal]


Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,

e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.

Pedro Tamen
Lido em http://aguarelast.blogspot.com/

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dos presépios

desenho de Michelangelo

POETAS MEUS AMIGOS - 68


Prece


dá-me a lucidez das
correntezas para que eu descubra
entre as tristezas que se
avoluman algum
sorriso mesmo
que não seja para mim

dá-me a serenidade de uma
estrela para que eu imagine
entre as lágrimas que não
me deixam qualquer
paz ainda
que breve

dá-me a claridade das
luas cheias para que eu invente
entre as angústias que se esparramam um
horizonte mesmo
que se transmude em ilusão

dá-me a esperança das
árvores para que eu teça
entre as ausências que se
imensificam uma sanidade ainda
que estofada de
delírios


Adair Carvalhais Júnior - http://adairjr.multiply.com/

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24/12/07

LEIRIA, A CIDADE ONDE VIVO - NESTE NATAL

Do Carlos Fernandes , meu ex-aluno É a zona central da cidade, agora iluminada.

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outra mensagem de natal



"Desejo um Feliz Natal às bordadeiras de sonhos, aos homens que prenham a terra com sementes de vida, às crianças de todas as idades desditosas de maldades, e a todos que decifram nos sons da madrugada o augúrio de promissoras auroras."

Frei Betto - mensagem publicada no jornal «Estado de Minas», de 14/12/2006

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23/12/07

LER OS CLÁSSICOS - 76

A Alma do Amor

Quando um homem, quer tenda para os rapazes ou para as mulheres, encontra aquele mesmo que é a sua metade, é um prodígio como os transportes de ternura, confiança e amor os tomam. Eles não desejariam mais separar-se, nem por um só instante. E pensar que há pessoas que passam a vida toda juntas, sem poder dizer, diga-se de passagem, o que uma espera da outra; pois não parece que seja o prazer dos sentidos que lhes faça encontrar tanto encanto na companhia uma da outra. É evidente que a alma de ambas deseja outra coisa, que não pode dizer, mas que adivinha e deixa adivinhar.

Platão, in 'O Banquete'

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21/12/07

ESCREVER - 60



St. António pregando aos poetas

podia aqui falar
de mais um dia a tentar vencer o tédio
mas
seriafácil.

falarei antes
da importância de escrever
com poucos
adjectivos:

escrever
com poucos adjectivos
é importante,

utiliza-os com peso
e medida.
se a necessidade de escrever
com adjectivos surgir
pousa a caneta
e espera
que a vontade passe.

não há nada pior que
um adjectivo.

assemelha-se a uma pedra
nos rins: imóvel
mas que
a qualquer momento
se pode soltar

tornando o teu dia
insuportável.

manuel a. domingos
http://meianoitetododia.blogspot.com/


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«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 19



Caminho


III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabeças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar – encher a alma.

Camilo Pessanha - Clepsydra

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20/12/07

GOSTEI DE LER



O JAPÃO NO FEMININO

2 livros de poesia feminina japonesa - gostei de ambos, mas preferi o relativo aos s.IX-XI, o Tanka

Tanka: séculos IX-XI ; Haiku –s.XVII-XX
Trad. Luísa Freire ; Ed.Assírio e Alvim,2007

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LEITURAS - 60



"Ema gostava do mal como se gosta duma iguaria fina... Era o seu cadastro antiquíssimo, esse mal que a mulher mistura a todos os actos, a todas as delícias, deveres, condições, sofrimentos. Mas não era possível imaginá-la a realizar o mal; só a macerar o coração dos homens nessa espécie que salga a terra e a faz fecunda."

"Às vezes Ema pensava que a vida dela estava acabada e que não lhe restava senão resignar-se, engordar e dedicar-se a promover a carreira do marido. Tentou perceber quais eram os horizontes dele, e o que viu deixou-a prostrada."



Agustina Bessa Luís - in Vale Abraão

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19/12/07

TAMBÉM NESTE ESPAÇO O MEU CARTÃO DE BOAS FESTAS


São os meus melhores desejos para todos os companheiros de viagem neste barco florido.
Que o Natal e 2008 nos/vos sejam ocasião de alegrias e de esperança.

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NOCTURNOS - 44



Bebo sozinho ao luar

Entre as flores há um jarro de vinho.
Sou o único a beber: não tenho aqui nenhum amigo.
Levanto a minha taça, oferecendo-a à lua:
com ela e a minha sombra, já somos três pessoas.
Mas a lua não bebe, e minha sombra imita o que faço.
A sombra e a lua, companheiras casuais,
divertem-se comigo, na primavera.
Quando canto, a lua vacila.
Quando danço, a minha sombra se agita em redor.
Antes de embriagados, todos se divertem juntos.
Depois, cada um vai para a sua casa.
Mas eu fico ligado a esses companheiros insensíveis:
nossos encontros são na Via Láctea.

Li Po

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18/12/07

ÁRVORE DE NATAL ECOLÓGICA

segundo o amigo Augusto Mota no seu criativo cartão de B.Festas que me autorizou a divulgar

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UMA ATITUDE SE IMPÕE:AFRONTAMENTO - 7



Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.


Pablo Neruda

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17/12/07

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 46



Quando tu vens ao meu encontro
sorrindo

Rosa precipitada
antigo Mar Vermelho
meu coração
abre-se


Ana Hatherly

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16/12/07

PÉROLAS - 122



Hai-Kai

As estrelas iluminam a noite!
E perguntas tu, mulher,
se deves acender a lâmpada!

Casimiro de Brito

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15/12/07

LER OS CLÁSSICOS - 77



Letrilha



Esteja-m'eu no quente
e ria-se a gente
.




Tratem outros do governo
do mundo e mais monarquias
que hão-de governar meus dias
só manteiga e pão bem fresco,
e pelas manhãs de inverno
laranjada e aguardente,
e ria-se a gente.

Coma em dourada vasilha
o Príncipe mil cuidados
como pílulas dourados,
que em minha pobre mesinha
antes quero uma morcela
que no assador rebente,
e ria-se a gente.

Quando cubra as montanhas
de branca neve o janeiro,
que eu tenha cheio o braseiro
de bolotas e castanhas,
e quem me conte as patranhas
do Rei que morreu demente,
e ria-se a gente.

Passe à meia-noite o mar
e arda em amorosa chama,
Leandro por sua dama.
Que eu antes quero passar
do golfo do meu lagar
a branca ou roxa corrente,
e ria-se a gente.

Pois que Amor é tão cruel
que a Píramo e sua amada
deu por tálamo uma espada
onde se unam ela e el',
seja-me Tisbe um pastel
e a espada seja meu dente,
e ria-se a gente.


Luis de Gôngora- trad. de Jorge de Sena

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14/12/07

O QUE APETECE MESMO


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POETAS MEUS AMIGOS - 67




Se fosse Deus, pintava um quadro:
uma porta meio aberta e a escadaria suave;
no cimo, a minha mãe.
E arranjava maneira de o sorriso dela estar a dizer:
a porta está como a deixaste e
sei que me levaste os olhos.

Não dava nome ao quadro e
todos iam entender que era o retrato do céu.

Zef in a voz da romãzeira - http://www.vozromazeira.blogspot.com/

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13/12/07

DA EDUCAÇÃO - 33

"A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabi-
lidade por ele e,com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A Educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as, em vez disso, com antecedência, para a tarefa de renovar um mundo comum."

Hanna Arendt

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12/12/07

COISAS MINHAS/FOTOS


chorisia (paineira rosa)- assim se chama esta beleza

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LEITURAS - 59

(...) Durante certo tempo, esta pintura encontrou-se presente em todos os meus pensamentos e partilhou da minha vida. Escondi-a numa gaveta: ninguém deveria dar com ela e pôr-me a ridículo; mas, mal ficava a sós no meu quartinho, ia buscá-la e conversava com ela. À noite, por meio de um alfinete, pendurava-a no papel da parede, em frente, por sobre a cama, e contemplava-a até adormecer; de manhã, o meu primeiro olhar recaía sobre ela. Foi precisamente por aquela época que recomecei a sonhar muito, como em criança sempre sucedera. Parecia-me que não sonhara durante anos. Elas surgiam de novo, as imagens, totalmente diferentes e, repetidamente, aparecia ali a figura pintada, com vida e falando, ora amável ora hostil, quer num esgar, quer infinitamente bela, harmoniosa e preciosa.Certa manhã, ao acordar daqueles sonhos, reconheci-a subitamente. Olhava-me de um modo fabulosamente familiar parecia pronunciar o meu nome. Dava-me a sensação de me conhecer tão bem como uma mãe, de ter cuidado de mim desde sempre. De coração descompassado, fixava o olhar na folha: os cabelos castanhos, a boca meio feminina, a testa desenvolta e com aquela peculiar luminosidade (...) e senti avizinhar-se o reconhecimento, a recordação, o saber.(...)
Hermann Hesse -Demian

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11/12/07

O PRAZER DE LER - 74




Meus Livros


Meus livros (que não sabem que eu existo)
São parte de mim como este rosto
De fontes grises e de grises olhos
Que inutilmente busco nos cristais
E que com a mão côncova percorro.
Não sem alguma lógica amargura
Penso que as palavras essenciais
Que me expressam se encontram nessas folhas
Melhor assim. As vozes dos mortos
Vão me dizer para sempre.

Jorge Luis Borges

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10/12/07

DO FALAR POESIA -74


chagall,o poeta

Do poema

Um poema, como manifestação de língua e, assim, essencialmente diálogo, pode ser uma mensagem numa garrafa, enviada na - nem sempre muito esperançosa – crença de que algures, em algum momento, possa atingir terra, talvez o coração da terra. Neste sentido, também os poemas caminham : vão em direcção a algo.

Paul Celan

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09/12/07

PÉROLAS - 121




A recordação é uma forma de reencontro.
O esquecimento é uma forma de liberdade.

Kahlil Gibran

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08/12/07

NOCTURNOS - 43



«Unda repercussae radiabat imagine lunae
Et nitor in tacita nocte diurnus erat»


Ovídio - Heroides,Epístola XVII,77-78)

«As ondas reflectiam a imagem da lua
e, na noite silenciosa, era dia claro»


Citado em «Deus nasceu no exílio», de Vintila Horia
trad. De Isabel Gentil Penha Ferreira - Âmbar,Porto,2002

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07/12/07

DESASSOSSEGOS - 65



Eu não penso, não me queixo, nem discuto,
nem durmo.
Não desejo nem sol, nem lua, nem mar,
nem barco.

Não penso no calor que faz entre estas
paredes,
nem como o jardim está verde;
e esse presente, que tanto desejei,
já não o espero.

Não me anima nem a manhã, nem o eléctrico
o seu tilintar alegre,
vivo sem ver o dia, esquecendo-me, do tempo,
o ano e a hora.

Sobre uma corda estragada,
eu danço – pobre dançarina.
sou a sombra de uma sombra. Sou lunar
de duas sombrias luas.


Marina Tsvétaïeva -in E cantou como canta a tempestade
tradução: António Mega Ferreira -ed.Assírio e Alvim,2007

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06/12/07

DA EDUCAÇÃO - 32


in Jornal de Letras nº969 -21 Nov-4 Dez

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CAMONIANAS -39


img.jardins suspensos da Babilónia

Junto dos rios da babilónia*


Nas margens dos rios imaginando pontes

Quando já só no nosso pensamento deslizavam
Debaixo da sombra das nossas liras
Ali nos pediam - em solo alheio -
Que cantássemos canções da nossa terra.
Como poderíamos cantar a nossa infância
Tão longe, num país estranho?

Os salgueiros têm folha persistente

Sob a sombra persistente a mudez
Junto dos rios da Babilónia
Foi a única das nossas alegrias


Daniel Faria

*inspirado nas redondilhas ditas De Babel e Sião ou Sobre os rios que vão - ver tag-etiqueta-camonianas-8- de 7.01. 2006

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05/12/07

O PRAZER DE LER - 73


picasso


"Quem lê tudo não entende nada, disse ele. Não é necessário ler todo o Goethe, todo o Kant, nem mesmo é necessário ler todo o Schopenhauer; alguns páginas do Goethe, algumas páginas das Afinidades Electivas e no fim sabemos mais dos dois livros do que se os tivéssemos lido do princípio ao fim, o que, em qualquer dos casos nos priva do mais puro deleite. Mas para se chegar a esta drástica autoalimentação é preciso ter tanta coragem e tanta capacidade intelectual que só muito raramente isso é possível e nós mesmos só muito raramente o conseguimos; a pessoa que lê é, como a carnívora, de uma abjecta voracidade e arruína, como a carnívora o estômago e toda a saúde, a cabeça e toda a existência intelectual. Mesmo um ensaio filosófico compreendemo-lo melhor quando não o devoramos por completo de uma só vez, mas apenas debicamos um pormenor, a partir do qual, se tivermos sorte, chegamos depois ao todo."


Thomas Bernhard
encontrado em http://www.palavrasdatribo.blogger.com.br/

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04/12/07

OS MEUS POETAS - 80





[…] no centro da cidade, um grito. Nele morrerei, escrevendo o que a vida me deixar. E sei que cada palavra escrita é um dardo envenenado,tem a dimensão de um túmulo, e todos os teus gestos são uma sinalização em direcção à morte […].Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso. Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lírio, e no cardo que sobreviveu à geada. […] Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto —aqui sentado, jumto à janela fechada. Ouço-te ciciar amo-te pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho: Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge.
Al Berto

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03/12/07

LEITURAS - 58

Incompreensão



De todas as mudanças de língua que tem de enfrentar o viajante em terras longínquas, nenhuma iguala a que o espera na cidade de Hipácia, porque não diz respeito às palavras mas sim às coisas. Entrei em Hipácia uma manhã, um jardim de magnólias reflectia-se em lagunas azuis, eu andava por entre os canteiros seguro de descobrir belas e jovens damas a tomar banho: mas no fundo das águas os caranguejos mordiam os olhos das suicidas de pedra atada ao pescoço e cabelos verdes de algas.Senti-me defraudado e pretendi pedir justiça ao sultão. Subi as escadarias de pórfiro do palácio de cúpulas mais altas, atravessei seis pátios de azulejos com repuxos. A sala no meio estava barrada por grades: os forçados com negras correntes amarradas aos pés içavam pedras de basalto de uma mina que se abria debaixo da terra.Só me restava interrogar os filósofos. Entrei na grande biblioteca, perdi-me entre as estantes que vergavam sob o peso das encadernações de pergaminho, segui a ordem alfabética de alfabetos desaparecidos, subi e desci corredores, escadas e pontes. No mais remoto gabinete dos papiros, numa nuvem de fumo, apareceram-me os olhos apatetados de um adolescente deitado numa esteira, que não tirava os lábios de um cachimbo de ópio.— Onde está o sábio? — O fumador indicou-me a rua pela janela. Era um jardim com jogos infantis: os jogos de paulitos, os baloiços, o escorrega. O filósofo estava sentado na relva. Disse: — Os sinais formam uma língua, mas não a que julgas conhecer. — Compreendi que devia libertar-me das imagens que até aqui me haviam anunciado as coisas que procurava: só então conseguiria entender a linguagem de Hipácia.Agora basta que oiça relinchar os cavalos e zunir os chicotes e logo me assalta uma trepidação amorosa: em Hipácia tive de entrar nas cavalariças e nas oficinas dos ferradores para ver as belíssimas mulheres que montam nas selas de coxas nuas e polainas nas pernas, e que mal se aproxima um jovem estrangeiro o deitam sobre montes de feno ou de serradura e o apertam com os rijos mamilos.E quando a minha alma não pede outro alimento e estímulo que não seja a música, sei que tenho de procurá-la nos cemitérios: os tocadores escondem-se nos túmulos; de uma cova para outra correspondem-se trinados de flautas e acordes de harpas.Decerto mesmo em Hipácia também chegará o dia em que o meu único desejo será partir. Sei que não deverei descer ao porto mas sim subir ao pináculo mais alto da fortaleza e esperar que passe um navio lá por cima. Mas passará alguma vez? Não há linguagem sem engano.

Italo Calvino in As Cidades Invisíveis
tradução de José Colaço Barreiros - ed.Teorema

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02/12/07

POETAS MEUS AMIGOS - 66


Defronte a mim Ítaca. Mas era esta? Ou outra? Ou

Quefalónia? Ou quê? Mas é pátria, a pátria sempre
buscada, nunca encontrada. O retorno impossível, anos
a fio. E, de súbito, ei-la. E não é ela. Que pátria temos?
O mundo, a terra? Estamos no mundo até ao pescoço,
unha com carne nós e o mundo. E porém não somos
deste mundo. Inacessível pátria, não ta dão gritos,
bandeiras, cores, aplausos. Outros que a ordenhem
assim. Dela recordas a face agora oculta, a terra que
amaste, a que se retirou. Quem dela regressará?

Aurélio Porto - Antisamos, Quefalónia, 22.05.05Tróia, Setúbal, 13.07.06
(in O Sopro A Mãe A Grécia - 22 sonetos e dois prosopoemas)

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01/12/07

PORQUE ELE APENAS DEIXOU DE SER VISTO














(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

[De TABACARIA,seguramente um dos mais belos poemas do mundo]

Álvaro de Campos.Fernando Pessoa -1928

foto ana assunção

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