05/04/08

LEITURAS - 70

nina berberova

[acerca de felicidade]

Muitos dizem que é um estado de espírito, outros dizem que é uma questão de mentalização, de nos satisfazermos com o que temos e a mais não almejar…Acho esta noção castradora daquilo que o conceito pode encerrar, daquilo que pode conter na sua essência…Outros dizem que só bate uma vez à porta e que temos de estar com os sentidos alerta para a abrir e deixá-la entrar…Será a felicidade definível por uma súmula destes conceitos aos quais acrescem mais alguns cuja explanação não caberia nesta reflexão? Não há dúvida que a felicidade é um estado de espírito, mas temos que ter a capacidade de sentir, ser permeáveis a determinados estímulos, e é algo de relativo. O que dá felicidade a mim, pode certamente não dar ao próximo…Está estritamente ligada com a personalidade de cada um…E o que deu felicidade ontem pode já não dar amanhã…sabemos que as nossas motivações evoluem ao longo da existência, umas desaparecem para dar lugar a outras ou pura e simplesmente caem em desuso…Pode também estar associada ao poder combativo de cada ser, à capacidade de acreditar em algo e lutar pela sua prossecução…E não é verdade que a felicidade pode estar num sorriso que tanto queremos vislumbrar, na paisagem que queremos abarcar, nos olhos dos seres que amamos, no toque de quem queremos sentir, nos odores familiares que nos acompanham ao longo de décadas, na história de vida e no significado condensado naquele canto da casa, nos dedos hesitantes da criança que pusemos ao mundo e que precisa da segurança que temos para lhe proporcionar? Será a felicidade eterna prima ou irmã da quimera?Hoje as pessoas dividem o mundo transversalmente: buscam a felicidade e não pensam no bem…A felicidade para mim é a minha harmonia com o mundo de que saí e ao qual voltarei…A felicidade só para mim é demasiado fácil, é alcançável, é temporária e não absoluta. Só a minha harmonia com o mundo é absoluta. Mas o mundo não quer saber de mim!…As pessoas são surdas principalmente a si mesmas, até que chegue para elas aquele “momento de pavor” que provoca uma viragem na sua consciência...

Nina Berberova, O cabo das tormentas

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