30/06/08

POETAS MEUS AMIGOS -83



quando não existe o mundo
semeio jardins no meu quarto

em opostas águas
desconhecidas palavras

florescem no coração de ninguém


Maria Costa
http://www.aofundodojardim.blogspot.com/

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29/06/08

O PRAZER DE LER - 83



Ode aos livros

Nós
os poetas caminheiros
explorámos o mundo,a cada porta
recebeu-nos a vida,
participámos na luta terrestre.
A nossa vitória qual foi?
Um livro,um livro cheio
de contactos humanos,
de camisas,um livros
em solidão, com homens
e ferramentas,um livro
é a vitória. Vive e cai
como todos os frutos,
não só tem luz,
não só tem sombra,
apaga-se,
desfolha-se,
perde-se de rua em rua,
despenha-se na terra
Livro de versos
de amanhã,volta
outra vez a ter neve ou musgo
nas tuas páginas
para que os pés
ou os olhos vão gravando sinais:
descreve-nos
de novo o mundo,as fontes
entre a espessura,
os altos arvoredos,
os planetas polares,
e o homem
nos caminhos,
nos novos caminhos,
avançando
na selva, na água, no céu,
na mais nua solidão marinha,
o homem
descobrindo os últimos segredos,
o homem
regressando com um livro,
o caçador
tornando a casa com um livro,
o camponês
lavrando com um livro.

Pablo Neruda

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28/06/08

OMNIA VINCIT AMOR - 103



[Ninguém meu amor]



Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos.

Sebastião Alba

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27/06/08

LEITURAS -79



Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua faz uma viagem de três passos pelo céu da boca abaixo e, no terceiro, bate nos dentes. Lo-li-ta.


Vladimir Nabokov - Lolita
Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues
excerto encontrado em http://locainfecta.blogspot.com/

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26/06/08

150 000 já por aqui passaram...




Os 150000 visitantes,completados agora (23:28 de 26 de junho),segundo o contador- iniciado 15 dias depois do blogue,- é que me fazem continuar em frente. Obrigada a todos - aos que me visitaram e aos que comentaram o que venho colocando neste barco de flores.E...voltem sempre! Além de ser um barco de flores, ele é também um barco de amigos.

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DESASSOSSEGOS - 74


foto de dionísio leitão

Não há castigo infinito.
Não há dor infinita.
Um dia a gente termina para começar,
começa para terminar,
refaz o percurso como se nada tivesse acontecido
[ antes.
Deixe-me apenas uma cadeira de palha,
amarela,
para olhar com piedade o que fui
e me deslumbrar com as ruínas

Fabricio Carpinejar

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25/06/08

OS MEUS POETAS - 90


Para a Anita



Havia uma magnólia no jardim,
mas isso não sabíamos ainda.
Era apenas a árvore grande ao centro,
com misteriosas flores brancas,é certo, por entre as folhas.
Pousava, na sombra, a ideia de um esquilo
(mas não havia esquilos no jardim,só nas páginas do livro aberto
na mesa de pedra).
Não sabíamos ainda nenhum nome, excepto, talvez,o dos pinheiros.

Graça Videira Lopes

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24/06/08

«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO» -2


renoir


A débil


Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso,
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E quando deste esmola a um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

"Ela aí vem!" disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, humilde e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando
Na fresquidão dos linhos matinais .

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez que não o suspeites!
-Esse vestido simples sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu deixei o botequim, à pressa;
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu, muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Sorriam, nos seus trens, os titulares;
E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
A tua boa mãe, que te ama tanto,
Que não te morrerá sem te casares!

Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu sembalante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar sobre o teu peito.

Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação."

Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!"
De repente, paraste embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.

E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então, que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.

Cesário Verde

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23/06/08

O PRAZER DE LER - 82




O meu voto mais querido seria ter passado a minha vida a ler, a ler no sentido mais amplo do termo, como em inglês se pode dizer I read a symphony, incluindo no ler as belas artes e a música. Toda a minha obra assenta na apreensão das vozes que se aproximam de mim. É por isso que escrevo na primeira linha de Tolstoi ou Dostoiewski que toda a verdadeira crítica é um acto de amor. É deste modo que me oponho às disciplinas modernas, sejam críticas, académicas, desconstrucionistas ou semióticas. Aos meus olhos, toda a boa leitura retribui uma dívida de amor.

George Steiner

– in Ramin Jahanbegloo - Quatro entrevistas com George Steiner Fenda edições

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22/06/08

LER OS CLÁSSICOS - 94



Que cosa es amor


Es amor fuerça tan fuerte
que fuerça toda razón;
una fuerça de tal suerte,
que todo seso convierte
en su fuerça y afición;
una porfía forçosa
que no se puede vencer,
cuya fuerça porfiosa
hacemos más poderosa
queriéndonos defender.

Es un modo de locura
con las mudanças que hace:
una vez pone tristura,
otra vez causa holgura,
como lo quiere y le place;
un deseo que al ausente
trabaja, pena y fatiga;
un recelo que al presente
hace callar lo que siente,
temiendo pena que diga.

Todas estas propiedades
tiene el verdadero amor;
el falso, mil falsedades,
mil mentiras, mil maldades
como fengido traidor;
el toque para tocar
cuál amor es bien forjado,
es sofrir el desamar,
que no puede comportar
el falso sobredorado.

Jorge Manrique

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21/06/08

VERÃO


Klimt


Eros

Nunca o verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos e nus e inocentes?

Eugénio de Andrade

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PENSAR - 79






Eu tinha vinte anos e não permitia que ninguém dissesse ser essa a mais bela idade da vida.
Tudo ameaça com a ruína um jovem: o amor, as ideias, a perda da família, o ingresso entre os grandes. É muito duro obter a sua parte no mundo.


Paul Nizan (1905-1940), Aden-Arábia

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20/06/08

PÉROLAS- 136




Todos os dias da minha vida
se passaram sem pensamentos

Todos os dias da minha vida
se passaram sem sofrimento.

Todos os dias da minha vida
Passei
Olhando apenas o firmamento

Todos os dias esqueci


J.Heiland

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19/06/08

DO FALAR POESIA - 82




[arte predadora]

A literatura é uma arte predadora. Ela aniquila o real de forma simbólica, substituindo-o por uma irrealidade à qual dá vida fictícia, com a fantasia e as palavras, um artifício armado com materiais sempre saqueados à vida.Mas geralmente esta operação é discreta, e frequentemente inconsciente, pois quem escreve rouba e pilha - e manipula e deforma - o vivido, a experiência real, mais por instinto e intuição do que por deliberação consciente; logo, a sua arte, a sua feitiçaria, a sua prestidigitação verbal estendem uns véus impenetráveis sobre o furtado. Se tiver talento, o delito fica impune."

Mario Vargas Llosa

encontrado em http://cortenaaldeia.blogspot.com/

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18/06/08

POETAS MEUS AMIGOS - 82




Ao som de música



envolve-me em restos de saudade.
Tira meu corpo do exílio

- da clandestinidade.


Eliana Mora

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17/06/08

FERNANDO PESSOA NA TVGLOBO -3










Já se encontra o 3ºprograma da TVGlobo sobre os 120 anos de Pessoa,no site habitual:

http://especiais.globonews.globo.com/fernandopessoa/

video As diversas facetas de Fernando Pessoa

-informação prestada pelo amigo"nbs"

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«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 27



Fonógrafo


Vai declamando um cómico defunto.
Uma plateia ri, perdidamente,
Do bom jarreta... E há um odor no ambiente
A cripta e a pó – do anacrónico assunto.

Mudo o registo, eis uma barcarola:
Lírios, lírios, águas do rio, a lua...
Ante o Seu corpo o sonho meu flutua
Sobre um paul – extática corola.

Muda outra vez: gorjeios, estribilhos
Dum clarim de oiro – o cheiro de junquilhos,
Vívido e agro! – tocando a alvorada...

Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebrou-se agora orvalhada e velada.
Primavera. Manhã. Que eflúvio de violetas.



Camilo Pessanha,Clepsydra

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16/06/08

LEITURAS- 78





Retrato de Mónica
(excerto)


«Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplos de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre do ioga ou da pintura abstracta.Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.»


Sophia de Mello Breyner Andresen

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15/06/08

OMNIA VINCIT AMOR - 102




E assim vou
com a fremente mão do mar em minhas coxas.
Minha paixão?
Uma armadilha de água,
rápida como peixes,
lenta como medusas,
muda como ostras.

Olga Savary

encontrado em http://silvialaf.multiply.com/

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14/06/08

DE AMICITIA -77




Um amigo


Num daqueles dias de outono, em que nos queima a vermelha labareda das folhas, um amigo pedia que lhe contasse uma história. «Salva-me a vida, conta-me uma história». E eu recordei aquela mulher das Mil e Uma Noites, que encadeava, com doçura e desespero, uma história na outra, pois só a história infinita nos permite escapar à maldição da morte.Um amigo é uma história que nos salva.

Mário Rui de Oliveira-O vento da noite

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13/06/08

FERNANDO PESSOA EM DIA DO SEU 120º ANIVERSÁRIO




"Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. A Rua do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha separada dos cais quedos – tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto. Vivo uma era anterior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que foram dele. Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha, ante o que é a essência das coisas. Há um destino igual, porque é abstracto, para os homens e para as coisas – uma designação igualmente indiferente na álgebra do mistério.

Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o eléctrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador nocturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!

Passam casais futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com pressa de prazer, fumam no seu passeio de sempre os reformados de tudo, a uma ou outra porta reparam em pouco os vadios parados que são donos das lojas. Lentos, fortes e fracos, os recrutas sonambulizam em molhos ora muito ruidosos ora mais que ruidosos. Gente normal surge de vez em quando. Os automóveis ali a esta hora não são muito frequentes; esses são musicais. No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.

Passa tudo isso, e nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu destino, alheio, até, ao destino próprio – inconsciência, carambas ao despropósito quando o acaso deita pedras, ecos de vozes incógnitas – salada colectiva da vida."

Fernando Pessoa.Bernardo Soares, Livro do Desassossego

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12/06/08

UMA ATITUDE SE IMPÕE:AFRONTAMENTO - 12



Do sentimento trágico da vida


Não há revolta no homem
que se revolta calçado.
O que nele se revolta
é apenas um bocado
que dentro fica agarrado
à tábua da teoria.

Aquilo que nele mente
e parte em filosofia
é porventura a semente
do fruto que nele nasce
e a sede não lhe alivia.

Revolta é ter-se nascido
sem descobrir o sentido
do que nos há-de matar.

Rebeldia é o que põe
na nossa mão um punhal
para vibrar naquela morte
que nos mata devagar.

E só depois de informado
só depois de esclarecido
rebelde nu e deitado
ironia de saber
o que só então se sabe
e não se pode contar.

Natália Correia

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11/06/08

NOCTURNOS - 54


La luna

Hay tanta soledad en ese oro.
La luna de las noches no es la luna
que vio el primer Adán.
Los largos siglos
de la vigilia humana la han colmado
de antiguo llanto. Mírala. Es tu espejo.

Jorge Luis Borges, Antología Poética 1923-1977, Biblioteca Borges, Alianza Editorial, Madrid, 2002

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10/06/08

FERNANDO PESSOA NA TVGLOBO - 2




O 2º dos 3 programas da TVGlobo - comemorativos dos 120 anos de Fernando Pessoa - já poderá ser visto em
http://especiais.globonews.globo.com/fernandopessoa/
video Vida cotidiana

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CAMONIANAS- 45

Em dia que é de Camões e também de Portugal - e de todos aqueles, que, como ele,deixaram e deixam a «alma pelo mundo em pedaços repartida»



Camões e a tença

Irás ao paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada.
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce.

Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou mais ser que a outra gente.
E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos do seu rosto.

Irás ao paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência.

Este país te mata lentamente.
Sophia Andresen

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09/06/08

DO FALAR POESIA - 81



Poesia: o nada que é tudo

(...)Quando lhe disserem que a poesia não tem mais lugar neste mundo dos diabos (porque no dos deuses sempre tem), não acredite. Quando lhe disserem que no planeta Bush continuam erguendo muros que separem homens e culturas, observe que a poesia ainda pode congregar vozes e esperanças. (...)

Minha cabeça tenta entender essa coisa intrigante. Se os editores dizem que poesia não vende, que poesia não rende, que ninguém compra poesia, que poesia não se negoceia nas bolsas de valores, então, Senhores do Conselho de Sentença, dizei-me vós, porque cresce cada vez mais o número de poetas sobre a terra? Se a poesia não serve para nada, e se "lutar com palavras é a luta mais vã", porque milhões de poetas recomeçam essa luta "mal rompe a manhã"?

Na verdade, na verdade vos digo: há mais poetas hoje que ontem, e amanhã haverá mais poetas que hoje. E o caso da poesia é o mesmo da arte em geral. A poesia, como a arte, não morre nunca, porque mais que um género literário, é uma "função da mente humana". Ela dá voz a algo que nenhuma outra arte ou forma de expressão pode expressar por ela. E algumas, não poucas, mas milhões e milhões de pessoas têm necessidade da poesia como uma segunda "língua". Por isto cantam, por isto escrevem, por isto, pegam seu dinheirinho editam seus livros ou saem mundo afora falando seus poemas. E ao contrário da maioria das outras artes, que se transformaram predominantemente em negócio, a poesia vive uma situação ambígua: porque a palavra do poeta não se converteu em commodity e produto descartável que segue a moda e o mercado, ela guarda uma autenticidade e uma independência que a singularizam.(...)


Affonso Romano de Sant'Ana

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08/06/08

PÉROLAS - 135


«De tudo quanto vejo me acrescento»
( sophia )
encontrado em httpamateriadotempo.blogspot.

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DESASSOSSEGOS - 73




É estranho andar na neblina!
A vida é solidão.
Nenhum de nós conhece os outros,
Todos estamos sozinhos.

Hermman Hesse

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07/06/08

O PRAZER DE LER - 81


foto de Francisco Costa Afonso

[a fome nossa de cada dia nos dai hoje]

'Que benefícios nos proporcionam os novos livros! Gostaria que cada dia me caíssem do céu, a cântaros, a cântaros, os livros que exprimem a juventude das imagens. Esse desejo é natural. Esse prodígio fácil. Pois lá em cima, no céu, não será o paraíso uma imensa biblioteca? […]
Mas não basta receber, é preciso acolher. É preciso, dizem em uníssono o pedagogo e a dieteticista , “ assimilar”. Para isso, somos aconselhados a não ler com demasiada rapidez e a cuidar para não engolir trechos excessivamente grandes. Dividam, dizem-nos, cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem necessárias para melhor resolvê-las. Sim, mastiguem bem, bebam em pequenos goles, saboreiem verso por verso os poemas. Todos esses preceitos são belos e bons. Mas um princípio os comanda. Antes de mais nada, é necessário um bom desejo de comer, de beber, de ler. É preciso desejar ler muito, ler mais,ler sempre.
Assim, já de manhã, diante dos livros acumulados sobre a mesa, faço ao deus da leitura a minha prece de leitor voraz: “ a fome nossa de cada dia nos dai hoje…” '

Gaston Bachelard,in A poética do devaneio

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06/06/08

POETAS MEUS AMIGOS - 81




colheita

as frases ditas no amor
guardo-as como sementes
para dar de comer à fome antiga
perene e insaciada
quando chegar o inverno

Adelaide Amorim
( http://www.inscries.blogspot.com/)

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05/06/08

Fernando Pessoa - programas da TV Globo


O 1º dos 3 programas da TVGlobo,
comemorativos dos 120 anos de Fernando Pessoa, poderá ser visto em

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LER OS CLÁSSICOS - 93





Levad', amigo, que dormides as manhanas frías;
toda-las aves do mundo d'amor dizían.
Leda m'and'eu.

Levad', amigo, que dormide-las frías manhanas;
toda-las aves do mundo d'amor cantavan.
Leda m'and'eu.

Toda-las aves do mundo d'amor dizían;
do meu amor e do voss'en ment'havían.
Leda m'and'eu.

Toda-las aves do mundo d'amor cantavan;
do meu amor e do voss'i enmentavan.
Leda m'and'eu.

Do meu amor e do voss'en ment'havían;
vós lhi tolhestes os ramos en que siían.
Leda m'and'eu.

Do meu amor e do voss'i enmentavan;
vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan.
Leda m'and'eu.

Vós lhi tolhestes os ramos en que siían
e lhis secastes as fontes en que bevían.
Leda m'and'eu.

Vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan
e lhis secastes as fontes u se banhavan.
Leda m'and'eu.

Nuno Fernandes de Torneol

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04/06/08

DE AMICITIA - 76




La seule amitié qui vaille est celle qui naît sans raison.

Arthur Van Schendel - Extrait de Un Vagabond amoureux

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03/06/08

LEITURAS- 77

Recomendo:



Sol poente de Outono
a solidão
também é feliz


Kobayashi Issa


Em cada pérola de orvalho
estremece
a minha terra natal
Kobayashi Issa


O orvalho branco
nunca esquece
o sabor da solidão

Matsuo Bashô

Trad. de Manuel Silva -Terra
– Casa do Sul,Évora,2008-
casadosul.blogspot.com – casadosul@hotmail.com

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ANO VIEIRINO -8






[Os homens não amam aquilo que cuidam que amam]

Os homens não amam aquilo que cuidam que amam. Por quê? Ou porque o que amam não é o que cuidam; ou porque amam o que verdadeiramente não há. Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros; quem ama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama, e não defeitos. Cuidais que amais diamantes de firmeza, e amais vidros de fragilidade: cuidais que amais perfeições Angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo os homens não amam o que cuidam que amam. Donde também se segue, que amam o que verdadeiramente não há; porque amam as coisas, não como são, senão como as imaginam, e o que se imagina, e não é, não o há no mundo.
Padre António Vieira, "Sermões"

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02/06/08

OS MEUS POETAS - 89



E como sempre acontece nesses dias de ruptura,
à nossa porta bateu o espectro dos primeiros dias
e, pela janela, irrompeu o salgueiro prateado
com toda a encanecida magnificência de seus ramos.
E nós, perturbados, amargos mas altivos,
não ousamos erguer do chão os nossos olhos.
Com voz exultante, o pássaro pôs-se a cantar
o quanto um do outro tínhamos gostado.

Ana Akhmatova

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01/06/08

NO DIA INTERNACIONAL DA CRIANÇA

A rua é das crianças

Ninguém sabe andar na rua como as crianças. Para elas é sempre uma novidade, é uma constante festa transpor umbrais. Sair à rua é para elas muito mais do que sair à rua. Vão com o vento. Não vão a nenhum sítio determinado, não se defendem dos olhares das outras ‑pessoas e nem sequer, em dias escuros, a tempestade se reduz, como para a gente crescida, a um obstáculo que se opõe ao guarda‑chuva. Abrem‑se à aragem. Não projectam sobre as pedras, sobre as árvores, sobre as outras pessoas que passam, cuidados que não têm. Vão com a mãe à loja, mas apesar disso vão sempre muito mais longe. E nem sequer sabem que são a alegria de quem as vê passar e desaparecer.

Ruy Belo

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LEITURAS - 76






Ninguém Se Conhece a Si Mesmo



Julga que se conhece, se não se construir de algum modo? E julga que eu posso conhecê-lo, se não o construir à minha maneira? E julga que me pode conhecer, se não me construir à sua maneira? Só podemos conhecer aquilo a que conseguimos dar forma. Mas que conhecimento pode ser esse? Não será essa forma a própria coisa? Sim, tanto para mim como para si; mas não da mesma maneira para mim e para si: isso é tão verdade que eu não me reconheço na forma que você me dá, nem você se reconhece na forma que eu lhe dou; e a mesma coisa não é igual para todos e mesmo para cada um de nós pode mudar constantemente. E, contudo, não há outra realidade fora desta, a não ser na forma momentânea que conseguimos dar a nós mesmos, aos outros e às coisas. A realidade que eu tenho para si está na forma que você me dá; mas é realidade para si, não é para mim. E, para mim mesmo, eu não tenho outra realidade senão na forma que consigo dar a mim próprio. Como? Construindo-me, precisamente.


Luigi Pirandello, in "Um, Ninguém e Cem Mil"

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