05/02/09

LEITURAS - 101


[Dois excertos de contos de Rainer Maria Rilke]:

De repente, Bohusch achou-se junto dela.
- Maminko – disse com voz que parecia a de uma criança doente.

E a velha, cheia de medo, compreendeu. Sentia-se crescer, tornava-se rica, voltava a sentir-se mãe. E só aquela palavra provocara isso. Toda a sua inquietação se converteu, de súbito, em bondade, e ela, que há um instante parecia tão desanimada, tornou-se poderosa e estendeu com meiguice os braços. Para Bohusch era como que um regresso. Apoiou a pesada e perturbada cabeça ao peito da mãe, fechou os olhos afogueados e deixou-o-se cair no seio daquele amor profundo e infnito. Calara-se. E eis que alguma coisa começou no fundo dele, a chorar. Ouviu, distintamente, o começo desse íntimo choro. Devia ser algures, nele, muito profundamente, tão fracamente o ouvia. E abriu os olhos de curiosidade; queria saber donde era aquele choro. E eis o que viu: não era ele que chorava, mas a mãe. Bohusch não podia já cerrar as pálpebras, por detrás das quais se sentia a abundante pressão das lágrimas.E de súbito, foi como que uma festa no quarto. Os objectos que rodeavam aqueles dois pobres seres, tomaram um brilho que nunca até então tinham tido, mesmo nos melhores dias. Cada vasinho, cada pequeno objecto da cómoda aparecia, de repente, na luz mais favorável, e como que rejubilava disso, querendo passar por uma estrela. E pode-se imaginar a luz que naquele quarto haveria! Depois o relógio soou, lentamente, como se tivesse um desgosto.Soaram cinco pancadas e a mãe partiu.
-Onde vai? - perguntou o corcunda.
-Tenho e ir buscar Frantichka.
Bohusch, de repente, recuperou a memória. Hesitou e depois disse com tristeza.
- É isso, sim, Frantichka.

Foi esse o adeus. [...]

- Do conto O rei Bohusch


“Vladimiro, contudo, fechou a porta, esperando o cair da noite, Lá está ele sentado, muito encolhido, na borda do divã, chorando nas mãos brancas e geladas. As lágrimas afluem-lhe suavemente, levemente, sem esforço, sem angústia. É esta a única coisa que não traiu ainda e que só a ele pertence: a sua solidão”

– final do conto «Vladimiro, o pintor de nuvens»


Rainer Maria Rilke,O pintor de nuvens e outros contosTrad. de José Marinho;
ed.bonecos rebeldes,Lisboa – ; inicialmente publicada em 1946 - na editorial Inquérito,Lisboa .

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