11/04/09

DO FALAR POESIA - 96



No ângulo da escrita

Contadas pelos dedos, as sílabas
parecem irrelevantes no poema.
Não fora a insuspeitada orgia
com que as letras se misturam
e o sentimento seria, somente, um polissílabo
mudo, imóvel, nado e morto no mesmo som.
Encosto as mãos à grafia de um verso
e enceno, ao redor dele, um calado aviso.
Sem rumo, ouço o meu vulto crescer
em direcção a um sobressalto masculino ou solar.
Um cheiro de relva aparada impõe um círculo
de recordações no ângulo da escrita.

Graça Pires - em Conjugar afectos, 1997

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