31/01/09

PENSAR - 90



"Na maioria das sociedades actuais falta geralmente aos homens públicos o valor não só para ousar o bem, mas, até, para praticar francamente o mal. Deste facto psicológico, que assinala as épocas de profunda decadência moral, deriva principalmente a hipocrisia; a hipocrisia, que é a anemia da alma. A altivez insolente do poder que se coloca acima do decente e do legítimo e que ri das invectidas da opinião indignada, como de um clamor sem sentido, tem o que quer que seja grandioso, como o raio de luz que serpeia ainda na fonte do anjo das trevas: a maldade impenitente que se desculpa, que busca aninhar-se no manto da inocência, que a ocultas se reclina num leito de alheias agonias, e que, firmado o pé sobre o chão húmido das lágrimas que faz verter, inclina a fronte com a resignação do martírio e inventa uma força estranha para se declarar constrangida, é vil, dez vezes vil: é o lodo que se faz músculo."

Alexandre Herculano, in História de Portugal

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30/01/09

DESASSOSSEGOS - 83




Nenhuma máscara

Não sabemos ainda como
perdemos as asas: se
nos lancis dos terraços
em voo sobre os pomares de amendoeiras, se
nas sobrevoadas cumeadas

dos bosques de bétulas em novembro, se
nos olhos de água, se
na puta da vida emitindo recibos
e avenças. Sabemos apenas
que nos olhamos hoje
e nenhuma máscara
nos cabe
no rosto.

José Carlos Barros
in http://casa-de-cacela.blogspot.com/

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29/01/09

«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE»- 31



Roteiro da Vida

I

Enfim, levantou ferro.
Com os lenços adeus, vai partir o navio.
Longe das pedras más do meu desterro,
Ondas do azul oceano, submergi-o.

Que eu, desde a partida,
Não sei onde vou.
Roteiro da vida,
Quem é que o traçou?

Nalguma rocha ignota
Se vai despedaçar, com violento fragor...
Mareante, deixa as cartas da derrota.
Maquinista, dá mais força no vapor.

Nem sei de onde venho,
Que azar me fadou!?
Das mágoas que tenho,
Os ais por que os dou...

Ou siga, maldito,
Com a bandeira amarela...
..........................................
Pomares, chalés, mercados, cidades...
A olhar da amurada,
Que triste que estou!
Miragens do nada
Dizei-me quem sou

Camilo Pessanha - Clepsydra

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28/01/09

LEITURAS - 100


[A viagem do Elefante ]

-excerto


"(...) Comandante, a religião hinduísta é muito complicada, só um indiano está capacitado para compreendê-la, e nem todos o consequem, Creio recordar que me disseste que és cristão, E eu recordo-me de ter respondido, mais ou menos, meu comandante, mais ou menos, Que quer isso dizer na realidade, és ou não és cristão, Baptizaram-me na índia quando eu era pequeno, E depois, Depois, nada, respondeu o cornaca com um encolher de ombros, Nunca praticaste, Não fui chamado, senhor, devem ter-se esquecido de mim, Não perdeste nada com isso, disse a voz desconhecida que não foi possível localizar, mas que, embora isto não seja crível, pareceu ter brotado das brasas da fogueira. Fez-se um grande silêncio só interrompido pelos estalidos da lenha a arder. Segundo a tua religião, quem foi que criou o universo, perguntou o comandante, Brama, meu senhor, Então, esse é deus, Sim, mas não o único, Explica-te, É que não basta ter criado o universo, é preciso também quem o conserve, e essa é a tarefa de outro deus, um que se chama vixnu, Há mais deuses para além desses, cornaca, Temos milhares, mas o terceiro em importância é siva, o destruidor. Queres dizer que aquilo que vixnu conserva, siva o destrói, Não, meu comandante, com siva, a morte é entendida como princípio gerador da vida, Se bem percebo, os três fazem parte de uma trindade, são uma trindade, como no cristianismo, No cristianismo são quatro, meu comandante, com perdão do atrevimento, Quatro, exclamou o comandante, estupefacto, quem é esse quarto, A virgem, meu senhor, A virgem está fora disto, o que temos é o pai, o filho e o espírito santo, E a virgem, Se não te explicas, corto-te a cabeça, como fizeram ao elefante, Nunca ouvi pedir nada a deus, nem a jesus, nem ao espírito santo, mas a virgem não tem mãos a medir com tantos rogos, preces e solicitações que lhe chegam a casa a todas as horas do dia e da noite (...)"

José Saramago, A Viagem do Elefante

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27/01/09

OS MEUS POETAS - 103



Um lindo melro abre-me os olhos
de manhã.Canta no verde dos ciprestes
a canção do amor de outrora.

Um lindo melro apaga-me os sonhos
pela manhã. Eu sentada no meio
da luz estou mesmo acordada.

Ulla Hahn - Despertar de A Sede entre os Limites
versão de João Barrento, Relógio d'Água Editores, 1992

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26/01/09

DA EDUCAÇÃO - 43

foto de Robert Doisneau

Era uma vez uma galinha branca que punha ovos azuis...
- Ovos azuis? - reclamou a professora, indignada, interrompendo a leitura da minha redacção, enquanto a turma se agitava em risinhos de troça e segredinhos maliciosos.
- Ovos azuis, sim, senhora professora - respondi eu.A minha galinha põe ovos azuis.
- A menina está a brincar comigo? Já viu alguma galinha pôr ovos azuis? Sente-se imediatamente e faça já outra redacção.

Voltei para o meu lugar, de cabeça erguida, enfrentando a galhofa da turma.Não baixei os olhos.Apenas os senti escurecer, num desafio.
Durante o recreio fiquei na aula, de castigo. Mas não fiz outra redacção.

Quando, depois do "toque", a professora me chamou para que lesse em voz alta a segunda versão, comecei:
- Era uma vez uma galinha branca que punha ovos brancos, só porque não a deixavam pôr ovos azuis..."

Maria José Balancho

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25/01/09

OS MEUS POETAS - 102












aula de música

O violino principiante
arranha a pele do dia.
Ó dura, lenta porfiada mão,
soletrando o arco.
Ó marinheiro hesitante
— difícil carpintaria —
na construção do teu barco.

Hélio Pellegrino

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24/01/09

UMA ATITUDE SE IMPÕE:AFRONTAMENTO - 20








Renascer

Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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23/01/09

O PRAZER DE LER - 93



Da luz

Que limites existem para a luz? Veio alguém acender
esta candeia. À nossa volta, uma pequena chama
principia a erguer-se, mas em vão é que ela se

[ conserva
perto de nós, quando abrimos devagar as leves
páginas cujo sentido se ignora e as fechamos depois
sem esperança, como se fosse este o seu destino no

[interior
da noite. Estamos ali adormecidos e havemos de

[ encontrar
uma outra luz, maior, que as permita ler.


Fernando Guimarães

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22/01/09

DO FALAR POESIA - 92






Só mãos verdadeiras escrevem poemas verdadeiros.
Não vejo nenhuma diferença de princípio entre
um aperto de mão e um poema.
(Paul Celan)
[Só mãos verdadeiras]

A verdadeira mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se

O poeta desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita

O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende

E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta

Ana Hatherly - in O Pavão Negro
Assírio e Alvim, 2003

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21/01/09

CAMONIANAS - 52





[um poema inspirado em Camões]


há uma linha subtil que tu partiste
no medo desmedido mas contente
uma causa cruel que não se sente
mas é a vida a terra que tu viste

se logo o vento vário não resiste
e a história ferida se desmente
não aqueças a dor da tua mente
nem a luz que nos olhos te subsiste

e se rires do pó o dissolver-te
em tanta coisa a cor que se mudou
na água tédio médio de só ver-te

corta as linhas maiores do que ficou
na sede de partir e de perder-te
no chão como uma fonte que secou

E. M. de Melo e Castro, Re-Camões

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20/01/09

PÉROLAS - 154



«Assim é a vida, mas eu não concordo»

F.Pessoa.Bernardo Soares
L.do Desassossego

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19/01/09

«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO» -16



Eu e ela

Cobertos de folhagem, na verdura
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;

Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados,
Na sombra dos arbustos, que abraçados
Beijarão meigamente a tua trança,

Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más ideias,
Esquecendo p'ra sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos

Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão p'ra além das lousas,
Onde havemos de entrar antes de velhos.

Outras vezes buscando distracção,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiros,
Formando unicamente um coração.

Beatos ou pagãos, vida à paxá
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto
E o laxo Cavaleiro de Faublas...


Cesário Verde
( Publicado no Diário da Tarde (Porto), 3 de Dezembro de 1873).

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18/01/09

LER OS CLÁSSICOS - 106





Quando amamos fortemente, é sempre uma novidade ver a pessoa amada; após um momento de ausência, damos pela sua falta no coração. Que alegria, a de a reencontrarmos! Sentimos de imediato um cessar de inquietações. É necessário todavia que esse amor esteja já muito avançado; porque quando é nascente e não fizemos progresso algum, sentimos com efeito um cessar de inquietações, mas outras sobrevêm.Ainda que os males se sucedam assim uns aos outros, não deixamos de desejar a presença da amada na esperança de sofrermos menos; contudo quando a vemos, cremos sofrer mais do que antes. Os males passados já não ferem, os presentes tocam-nos, e é pelo que toca que ajuizamos. Um amante neste estado não é digno de compaixão?

Blaise Pascal- Discurso sobre as Paixões do Amor

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17/01/09

POETAS MEUS AMIGOS - 96

Deste meu amigo já deixei aqui alguns poemas.Trata-se, a meu ver, de um grande poeta contemponeo, que tem publicado preferencialmente em blogues - actualmente no esquerda da vírgula (http://esquerda-da-virgula.blogspot.com/) .
Pois bem: é com grande satisfação que comunico e recomendo o volume Dispersão - Poesia Reunida - de Nuno Dempster - editado por Edições Sempre - em -Pé -do Porto.(contacto@sempreempe.pt)

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16/01/09

LEITURAS - 99



[...]
E vão sendo horas enfim de descermos o rio. Amanhã talvez? Hoje. Um dia. Estará uma noite quente, caminharemos de mãos dadas. O Anjo não virá, que teria lá de fazer? vamos nós. Não terei medo da tua presença com a toda a sua força de me fazer ajoelhar. Olharei o teu corpo na sua transparência incorruptível. Sofrerei em mim a descarga do universo e não gritarei o teu nome. Porque estará em mim e eu hei-de sabê-lo. A areia brilhará de uma luz pálida, pisá-la-emos devagar a um impulso fortíssimo e lento. Estaremos nus desde o início, sem vergonha anterior. Nudez primitiva, não a saberemos. Porque será uma nudez para antes de os deuses nascerem. Então mergulharemos nas águas do rio e deitar-nos-emos na areia. E olharemos o céu limpo e sem estrelas.E acharemos perfeitamente natural, porque a iluminação estará em nós. Erguer-nos-emos por fim e eu baixar-me-ei ao rio e trarei a água na concha das mãos. E derrámá-la-ei imensamente e devagar sobre a tua cabeça. E direi para toda a história futura, na eternidade de nós.- Eu te baptizo em nome da Terra, dos astros e da perfeição.E tu dirás está bem.

Lisboa, 29 de Dezembro de 1989
Vergílio Ferreira, Em nome da terra
(final do romance)

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15/01/09

O PRAZER DE LER - 93




Para adorar o que queimei

Há livros que lemos sentados num banquinho
diante de uma carteira escolar.

Há livros que lemos andando
(e também por causa do formato);
Uns são para as florestas e outros para outros

[campos,
Et nobiscum rusticantur, diz Cícero.

Alguns há que li na diligência;
Outros, deitado no fundo dos celeiros de feno.

Há os para fazer crer que temos uma alma;
Outros, para desesperá-la.

Há os em que se prova a existência de Deus;
Outros, em que não se consegue fazê-lo.

Há livros que não é possível admitir
senão em bibliotecas particulares.

Há os que receberam elogios
de muitos críticos autorizados.

Alguns há em que só se trata de apicultura,
que certas pessoas acham algo especializados;
noutros fala-se tanto da natureza
que não vale mais a pena passear depois.

Outros há que os homens sensatos desprezam
mas que excitam as criancinhas.

A alguns chamam antologias
e neles incluíram tudo o que de melhor se disse
a propósito de tudo.

Há os que desejariam fazer-nos amar a vida;
outros depois dos quais o autor suicidou-se.

Alguns semeiam o ódio
e colhem o que semearam.

Alguns, quando os lemos, parecem brilhar,
carregados de êxtase, deliciosos de humildade.

Há os que amamos como irmãos
mais puros e que viveram melhor do que nós.
E os há impressos em caracteres extraordinários
e que não compreendemos, mesmo depois de tê-los estudado muito.

Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael!

Alguns há que não valem um vintém furado,
outros alcançam preços consideráveis.
Alguns falam de reis e de rainhas
e outros de gente muito pobre.

Alguns há cujas palavras são mais suaves
do que o ruído das folhas ao meio-dia.
Foi um livro que João comeu em Patmos
como um rato; mas eu prefiro as framboesas.
Isso encheu-lhe as entranhas de amargura
e ele teve depois muitas visões.

Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael!

André Gide

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14/01/09

no 4º aniversário da nossa viagem

Pois é...iniciou-se faz hoje 4 anos esta nossa viagem no barco de flores, como esse aí, que Dali pintou...Ela prosseguirá, a nossa viagem, espero que em direcção a bom porto - com a ajuda dos seus remadores fiéis (171 734 até este momento) , que nos vão visitando ou deixando comentários. Vamos em frente, amigos! «Quem sabe faz a hora/não espera acontecer» como cantava Geraldo Vandré...

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13/01/09

ESCREVER - 76



A forma da realidade

(excertos)

Chega uma altura em que olhamos para todos os inícios que nunca tiveram continuação, contos inacabados, poemas compostos de medonhos versos, fragmentos incompletos de coisa nenhuma, escolhas de vida interrompidas sem razão.
..................
E assim, chegamos à idade plena da Web 2.0. Aqui estamos, publicando fragmentos diarísticos, pedaços de criatividade mais ou menos sofrível, pensamentos para o mundo ler — mesmo que não queira. A internet, esse círculo dantesco de despojados do conhecimento real, deixou que blogues, fotoblogues, fóruns tomassem conta da vida de muitos que deveriam confiar os seus escritos ao morno conforto da gaveta. Estamos no século XXI e podemos usufruir, quase em tempo real, das confissões de milhões de aspirantes a Gide e a Kafka. George Orwell, blogger involuntário, daria a sua permissão para o serviço que estão a prestar aos seus diários? A luta é constante: quem publica na blogosfera pretende o reconhecimento da importância desta actividade, e converter escritores mortos aos blogues não é um pecado que não possa ser perdoado.
......................

Certamente que a rapidez e a facilidade que a escrita bloguística permite são fortes incentivos ao facilitismo. Mas a questão é esta: que semelhanças existem entre o acto de manter um blogue e escrever um diário privado? À partida, lamento, poucas, apesar da origem da palavra blogue (de weblog, diário da web).
..........................
O simulacro de real, que no fundo a internet é, alberga outra simulações: de literatura, sobretudo de vida. O que leva alguém a partilhar com o mundo inteiro o seu quotidiano, quando o poderia esconder num diário secreto? As motivações contam pouco, mas teremos sempre de conviver com a diferença, em termos de forma, entre um blogue confessional e um diário. O cadeado e a chave que as crianças usam são precisamente os objectos que o blogger dispensa ao clicar no “publish post”
......................
A realidade é, por natureza, fragmentada. A literatura é essencial para o ser humano porque sistematiza a realidade, oferece-lhe um fio condutor, uma continuidade, um sentido. Ao contrário da vida, que muitas vezes parece não ter uma finalidade, um romance caminha para um fim, e o Deus que o escreve (o autor) não é cruel como aquele que escreve o Universo — as personagens, quando nascem, sabem exactamente como irão acabar; uma obra de ficção é uma parcela de realidade atemporal, sem o peso da existência, e mesmo assim é o que mais se aproxima de uma explicação para o mundo (esqueçamos a racionalidade absoluta da filosofia). A consistência de um texto literário, a obrigatória unidade de tempo e espaço (Aristóteles ainda tem razão), é subvertida pela escrita diarística. O diário e o blogue imitam a forma da vida e, por isso, são menos perfeitos que um conto ou um romance. Até quando irá resistir essa forma arcaica de transcender a realidade, a literatura? Sejamos optimistas: algum dia se publicará em blogues uma Odisseia que sublime o género humano. Assim acredito

Sérgio Lavos

em auto-retrato -http://retrato-auto.blogspot.com/) e em http://revistamalagueta.com/

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12/01/09

OMNIA VINCIT AMOR - 115



Segue-me noite e dia o teu desejo!...
E o meu corpo...
vai tombar doloroso, inconsciente,
sobre a lembrança morna do passado
- e fica-se a sonhar... perdidamente!

Judith Teixeira

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11/01/09

LER OS CLÁSSICOS - 105








"Oh minha alma, não aspires à vida imortal, mas esgota o campo do possível."

Píndaro

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10/01/09

REVIVALISMOS - 22


para ela imaginou Fernando Pessoa o slogan:
«Primeiro estranha-se, depois entranha-se»
[Não gostaram: Salazar proibiu a venda da coca-cola - que só há entre nós desde 1974]

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NOCTURNOS - 65



Quando sai para os céus a lua citadina

Quando sai para os céus a lua citadina,
E a noite prenhe de cobre e mágoa cresce,
E de lua a cidade espessa se ilumina,
E a cera canora ao tempo rude cede,

E na sua torre de pedra o cuco chora,
E a pobre ceifeira – no mundo dessangrado –
Ajeita de leves agulhas da sombra enorme
E as lança, palha amarela, no sobrado...


Ossip Mandelstam

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09/01/09

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 62




A flor mais humilde

Voltarei. À tarde, quando os sinos percutem no aço das calçadas e o vento sul carrega seus ocos cilindros - os cavos ecos dum passado de armadilhas, de esporas e de espadas. Voltarei, ao crepúsculo. Entrarei no templo e


deixarei
nos claustros da noite
uma rosa tecida
de orvalho e de sangue. Uma rosa
de cinza e esquecimento. Ou
talvez um lírio, a flor
mais humilde adormecida
numa tela de Grão Vasco.

Albano Martins

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08/01/09

PÉROLAS - 153



A infância é aí, onde partes, não onde chegas.

Manuel António Pina

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07/01/09

ESCREVER - 75


.
van gogh

"Na casa das palavras, sonhou Helena Villagra, chegavam os poetas. As palavras, guardadas em velhos frascos de cristal, esperavam pelos poetas e se ofereciam, loucas de vontade de ser escolhidas: elas rogavam aos poetas que as olhassem, as cheirassem, as tocassem, as provassem. Os poetas abriam os frascos, provavam palavras com o dedo e então lambiam os lábios ou fechavam a cara. Os poetas andavam em busca de palavras que não conheciam, e também buscavam palavras que conheciam e tinham perdido.
Na casa das palavras havia uma mesa das cores. Em grandes travessas as cores eram oferecidas e cada poeta se servia da cor que estava precisando: amarelo-limão ou amarelo-sol, azul do mar ou de fumaça, vermelho-lacre, vermelho-sangue, vermelho-vinho...


Eduardo Galeano in O Livro dos Abraços

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06/01/09

EFEMÉRIDES -51



Dia de Reis:

Em pequena era um dos dias em que percorríamos a aldeia em busca do que nos quisessem dar. Na minha terra fazia-se pelas Janeiras e pelos Reis - nunca em dia de Todos os Santos - como noutros lados se pedia o pão por deus, nessa data. Cantava-se, louvando-se o bom acolhimento ou invectivando o mau...E lá íamos nós, os pequenitos, em bando, felizes...

Para saber mais: ver http://natalnatal.no.sapo.pt/

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«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 30


renoir

Se andava no jardim,
Que cheiro de jasmim!
Tão branca do luar!
..................................

.................................
.................................

Eis tenho-a junto a mim.
Vencida, é minha, enfim,
Após tanto a sonhar...

Porque entristeço assim?...
Não era ela, mas sim
(O que eu quis abraçar)

A hora do jardim...
O aroma de jasmim...
A onda do luar...

Camilo Pessanha, Clepsydra

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05/01/09

OMNIA VINCIT AMOR -114



A Serenata


Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.

Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.

Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos
a pele assaltada de indecisão.

Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos -
só a mulher entre as coisas envelhece.

De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

Adélia Prado

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04/01/09

RETRATOS DE UM PAÍS QUE JÁ NÃO HÁ - 29

ou quase já não há...a não ser para mostrar aos turistas...
e, no entanto, é (n)uma casa portuguesa com certeza

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PENSAR -89



A Serenidade

A serenidade não é feita nem de troça nem de narcisismo, é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos; é uma virtude dos santos e dos cavaleiros, é indestrutível e cresce com a idade e a aproximação da morte. É o segredo da beleza e a verdadeira substância de toda a arte.
O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificências e os terrores da vida, o músico que lhes dá os tons de duma pura presença, trazem-nos a luz; aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra, mesmo se primeiro nos fazem passar por lágrimas e emoções dolorosas. Talvez o poeta cujos versos nos encantam tenha sido um triste solitário, e o músico um sonhador melancólico: isso não impede que as suas obras participem da serenidade dos deuses e das estrelas. O que eles nos dão, não são mais as suas trevas, a sua dor ou o seu medo, é uma gota de luz pura, de eterna serenidade. Mesmo quando povos inteiros, línguas inteiras, procuram explorar as profundezas cósmicas em mitos, cosmogonias, religiões, o último e supremo termo que poderão atingir é essa serenidade.

Hermann Hesse, in 'O Jogo das Contas de Vidro'

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03/01/09

CAMONIANAS - 51



[CANTIGA]

Quem disser que a barca pende,
dir-lhe-ei, mana, que mente.

Volta



Se vos quereis embarcar
e para isso estais no cais,
entrai logo; que tardais?
Olhai que está preiamar!
E se outrem, por vos fretar,
vos disser que esta que pende,
dir-lhe-ei, mana, que mente.

Esta barca é de carreira,
tem seus aparelhos novos;
não há como ela outra em Povos,
boa de leme e veleira.
Mas, se por ser a primeira,
vos disser alguém que pende,
dir-lhe-ei, mana, que mente.


Luís de Camões.Rimas.Redondilhas

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02/01/09

LER CLÁSSICOS - 119




Muchacho de ojos azules
Es un joven esbelto, sobre cuya túnica
veo alzarse una luna
brillando en un cielo de perfecciones.
Ha sentenciado a nuestros corazo
nesla recta lanza de su cuerpo
donde reluce el hierro de sus ojos azules.




Rapaz de olhos azuis

É um jovem esbelto, sobre cuja túnica

Negritovejo alçar-se uma lua

brilhando num céu de perfeições.

Sentenciou nossos corações

à reta lança de seu corpo

onde reluz o ferro de seus olhos azuis.

IBN SARA as-SANTARINI, Abu Muhammad. Poemas del fuego y otras casidas.
Recopilación, edición, traducción y estudio de Teresa Garulo.
Madrid: Hiperión, 2001.

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DO FALAR POESIA - 91



Exercício

assim pensava ter sido
sem importar se acertava.
havia estranhos efeitos, é certo:
da leitura de alguns poetas
resultavam às vezes inusitadas lembranças.
a gramática, sempre tão confusa
a língua, amada e limpa.
porque pensar é um exercício
que só se faz num idioma solícito.
noutras folhas, houve um tempo.
o futuro, quem o saberá?
o passado, quem o descreveria com exatidão?
ou será que sempre ocorreram brumas?
futuro do pretérito, tempo condicional,
conjugações obrigatórias
e no entanto: metamorfoses
(hemistíquios, versos brancos)
e a língua, amada e nua.
porque poesia é um exercício
que só se faz num idioma íntimo.


Walter Cabral de Moura

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01/01/09

NO DIA MUNDIAL DA PAZ




Senhor,
Fazei de mim um instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.


Ó Mestre,
Fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado;
compreender que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna.

S.Francisco de Assis,poeta e homem bom

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