28/02/09

O PRAZER DE LER - 95


matisse

Reflexões soltas sobre a Leitura - 1


"A leitura é uma amizade. "
Marcel Proust

«A literatura não permite caminhar, mas permite respirar»
Roland Barthes

"... salut, vieux livres, mês amis, mês consolateurs, mês plaisirs et mês espérances"
"[Bibliophile Jacob – encontrado in http://almocrevedaspetas.blogspot.com]

«Se um livro o aborrece, não o leia – é que não foi escrito para si»

Jorge Luis Borges-Curso de Literatura Inglesa


«Creio que a expressão 'leitura obrigatória' não faz sentido; a leitura não deve ser obrigatória.Será que podemos falar de prazer obrigatório? Para quê?»
Jorge Luis Borges-op.cit.

«O que é escrito sem esforço, em geral é lido sem prazer»
Samuel Johnson

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27/02/09

OS MEUS POETAS - 104



Não deixes o cansaço instalar-se
em vez disso
silenciosamente
como a um pássaro
estende a mão ao milagre.

Hilde Domin, em Estende a mão ao milagre
Cosmorama, 2ªed,2008
Trad de Maria José Peixoto Lieberwirth

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26/02/09

DESASSOSSEGOS - 85


foto de Roberto Marquino

Deixa imediatamente de procurar o mar e a lã
das ondas empurrando as traineiras
debaixo do céu estamos sós e os peixes e as
árvores são algas


Yorgos Seferis
Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis

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25/02/09

DA EDUCAÇÃO - 46




«A educação moderna cada vez se assemelha mais a uma amnésia institucionalizada. Deixa o espírito da criança vazio do peso das referências vividas. Substitui o saber de cor, que é também uma saber do cor(ação), pelo caleidoscópio transitório dos saberes efémeros. Reduz o tempo ao instante e vai instilando em nós, até enquanto sonhamos, uma amálgama de heterogeneidade e de preguiça.»-

Georges Steiner -in o silêncio dos livros

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24/02/09

MANHÃ DE CARNAVAL


[aguarde uns momentos]
canta Maysa Matarazzo

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Sonho de uma terça - feira gorda



Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros,
[ e negras
eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgubre
Tão constratado pelo sentimento felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava... Que nos penetrava como

[uma espada de fogo...
Como a espada de fogo que apunhalava as santas

[extáticas.

E a impressão em meu sonho era que estávamos
Assim de negro, assim por fora inteiramente negro,
— Dentro de nós, ao contrário, era tudo claro

[ e luminoso!

Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores de fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas, ao gosto popular,
em cores cruas.

Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes — Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas — deusa disto, deusa daquilo,
já tontas e seminuas.

A turba, ávida de promiscuidade,
Acotevelava-se com algazarra,
Aclamava-as com alarido.
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.

Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgubre, negro, negros...
mas dentro em nós era tudo claro e luminoso!
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
— A profunda, a silenciosa alegria...


Manuel Bandeira

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23/02/09

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 64



Ária -I


Para onde quer que nos voltemos na tempestade
[de rosas,
a noite ilumina-se de espinhos, e o trovão
da folhagem, antes tão leve nos arbustos,
segue-nos agora de perto.

Onde quer que se apague o incêndio das rosas,
a chuva inunda-nos o rio. Oh, noite tão distante!
Mas uma folha que nos encontrou é levada

[pelas ondas
e segue-nos até à foz.

Ingborg Bachmann
Tradução de: João Barrento e Judite Berkemeier
In O Tempo Aprazado, Assírio & Alvim, 1992

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22/02/09

Em domingo de Carnaval


Vinícius de Morais e Tom Jobim; aqui também com Toquinho e Miúcha

(música para o filme Orfeu Negro,de Marcel Camus. baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Morais)

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«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» -32



Depois das bodas de oiro,
Da hora prometida,
Não sei que mau agoiro
Me enoiteceu a vida...

Temo de regressar...
E mata-me a saudade.
- Mas de me recordar
Não sei que dor me invade.

Nem quero prosseguir,
Trilhar novos caminhos,
Meu pobres pés dorir,
Já roxos dos espinhos.

Nem ficar... e morrer:
Perder-te, imagem vaga...
Cessar, não mais te ver,
Como uma luz se apaga.

Camilo Pessanha -Clepsydra

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21/02/09

PÉROLAS- 157


"Assemelha-te de novo à árvore que amas, a árvore de grandes ramos: silenciosa e atenta, ela deixa-se pender sobre o mar."

Friedrich Nietzsche
foto:ana assunção

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20/02/09

AUPRÈS DE MON ARBRE

J'ai plaqué mon chêne
Comme un saligaud
Mon copain le chêne
Mon alter ego
On était du même bois
Un peu rustique un peu brut
Dont on fait n'importe quoi
Sauf naturell'ment les flûtes
J'ai maint'nant des frênes
Des arbres de Judée
Tous de bonne graine
De haute futaie
Mais toi, tu manques à l'appel
Ma vieille branche de campagne
Mon seul arbre de Noël
Mon mât de cocagne
{Refrain}
Auprès de mon arbre
.Je vivais heureux
J'aurais jamais dû
M'éloigner de mon arbre
Auprès de mon arbre
Je vivais heureux
J'aurais jamais dû
Le quitter des yeux

Je suis un pauvre type
J'aurai plus de joie
J'ai jeté ma pipe
Ma vieille pipe en bois
Qu'avait fumé sans s'fâcher
Sans jamais m'brûler la lippe
L'tabac d'la vache enragée
Dans sa bonne vieille tête de pipe
J'ai des pipes d'écume
Ornées de fleurons
De ces pipes qu'on fume
En levant le front
Mais j'retrouv'rai plus ma foi
Dans mon cœur ni sur ma lippe
Le goût d'ma vieille pipe en bois
Sacré nom d'une pipe
{Au refrain}
Le surnom d'infâme
Me va comme un gant
D'avecques ma femme
J'ai foutu le camp
Parce que depuis tant d'années
C'était pas une sinécure
De lui voir tout l'temps le nez
Au milieu de la figure
Je bats la campagne
Pour dénicher la
Nouvelle compagne
Valant celle-là
Qui, bien sûr, laissait beaucoup
Trop de pierres dans les lentilles
Mais se pendait à mon cou
Quand j'perdais mes billes
{Au refrain}
J'avais une mansarde
Pour tout logement
Avec des lézardes
Sur le firmament
Je l'savais par cœur depuis
Et pour un baiser la course
J'emmenais mes belles de nuits
Faire un tour sur la Grande Ourse
J'habite plus d'mansarde
Il peut désormais
Tomber des hallebardes
Je m'en bats l'œil mais
Mais si quelqu'un monte aux cieux
Moins que moi j'y paie des prunes
Y a cent sept ans - qui dit mieux ?
Qu'j'ai pas vu la lune

de georges brassens

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19/02/09

LEITURAS - 103

[Fragmento de Justine]


"Colocou a sua mãozinha sobre a minha e pôs-se a rir novamente, enrugando deliciosamente o narizinho; o seu riso era tão límpido, tão ligeiro e espontâneo que decidi imediatamente não resistir ao amor que sentia começar a nascer dentro de mim.Nessa tarde, fomos passear de braço dado para a beira-mar. A nossa conversa foi cheia de fragmentos das nossas vidas sem rumo, sem plano geométrico. Não tínhamos nenhum gosto em comum. Os nossos caracteres e predisposições eram completamente diferentes, e entretanto, na mágica facilidade desta amizade, sentíamos que algo nos estava prometido. Também gosto de recordar o primeiro beijo junto ao mar, com o vento a brincar-lhe nos cabelos- Um beijo interrompido pelos acessos de riso que a tomavam quando se recordava do meu lastimoso discurso. Era o símbolo da paixão que gozávamos, da sua índole e da sua superficialidade: da sua caridade. "

Lawrence Durrel- Justine
Fragmento publicado em http://aguarelast.blogspot.com/

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18/02/09

POETAS MEUS AMIGOS - 98




esqueces

baixas as pálpebras
para que teus olhos não me vejam.
esqueces que vivo dentro deles

(hesitei tantos séculos
até me aventurar por estes precipícios)


sílvia chueire

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17/02/09

PENSAR - 91




[O tempo fugaz a que chamamos vida]

«Porque há um tempo fugaz, que decorre como um suspiro e é vão como um sonho, e este é o tempo a que chamamos vida. Na sua brevidade, os homens abeiram-se da loucura. Constroem castelos efémeros, crendo que hão-de ser mansões de eternidade. Mas a vida destrói-os, porque carrega em si mesma a semente da destruição imediata. Assim nascem os impérios e assim caem depois. Mas existe um tempo eterno, inscrito na própria essência das coisas, no constante devir que se transmite de homem a homem. E é um tempo muito mais vasto do que poderiam calcular os historiadores do palácio e vai muito mais além de quanto possam esgotar os homens do futuro.»

Terenci Moix

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16/02/09

LER OS CLÁSSICOS - 106



[tanto o amor me manteve acorrentado]

Tanto o amor me manteve acorrentado
e acostumado à sua serventia,
que o peso que no peito eu conhecia
hoje em leveza vejo transformado.

Porém amor, de forças renovado,
me toma o espírito e me silencia
e minh'alma em doçura delicia
e sem cores me deixa desmaiado.

Depois ele retoma seu poder
e faz com que os espíritos em bando
saiam todos, chamando

a minha dama por me socorrer.
É o que me ocorre ao vê-la e me domina
tanto, que coisa igual não se imagina.

Dante Alighieri

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15/02/09

O PRAZER DE LER - 94


aguarde breves segundos e oiça...

Pode também ir a http://www.youtube.com/watch?v=iRDoRN8wJ_w ou http://www.youtube.com/watch?v=SOGvIlRXmx8 (este tem também o texto em legenda)

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14/02/09

UMA ATITUDE SE IMPÕE: AFRONTAMENTO - 21



Medos

Lembro do tempo em que ele era todo-poderoso,
na corte da mentira triunfante.
O medo se esgueirava por toda parte,
como uma sombra,infiltrava-se em cada andar.

Agora é estranho lembrarmo-nos disso,
o medo secreto que alguém nos delate,
o medo secreto de que venham bater à nossa porta.

E depois, o medo de falar com um estrangeiro…
com um estrangeiro?até mesmo com sua mulher!

E o medo inexplicável de, depois de uma marcha,
ficar sozinho com o silêncio.

Não tínhamos medo de construir em meio à tormenta,
nem de marchar para o combate sob o bombardeio,
mas tínhamos às vezes um medo mortal,
de falar, nem que fosse com nós mesmos.

Evgeni Evtuchenko
trechos do poema "Babi yar" ; tradução de Lauro Machado Coelho
encontrado em http://piccolamarcia.multiply.com

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13/02/09

PÉROLAS - 156



uma luz

Uma luz que veio de longe.
Assim foi criada a terra.
E o amor.

Casimiro de Brito

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12/02/09

DA EDUCAÇÃO - 45



Da Poedagogia

A poesia pode ter uma função pedagógica. Bem sei que o conceito de pedagogia cria urticária em muito boa gente, mas eu prefiro irritar-me com as boas gentes que se deixam intimidar pelos conceitos. Os conceitos não fazem mal a ninguém, quando devidamente contextualizados. Além disso, no exercício da docência, sinto a pele muito mais irritada quando me deparo com graves défices de pedagogia. Alguns gregos antigos reconheceram essa função pedagógica da poesia. Jaeger fala-nos de Homero como o «educador do seu povo», referindo que «a não-separação entre a estética e a ética é característica do pensamento grego primitivo». Acredito nas virtudes de uma educação que compacte a ética e a estética sobre os alicerces da poesia, não tanto pelo valor referencial ou ideal da linguagem poética, mas mais pela sua capacidade de ver para além dos castradores convencionalismos sociais; pelo seu «poder ilimitado de conversão espiritual»; em suma, pela consciencialização de uma liberdade sempre inalienável de uma verdadeira compreensão dos outros e de si próprio. Platão pretendia expulsar os poetas da sua cidade ideal. Contudo, a cidade ideal de Platão nunca passou disso mesmo: duma cidade ideal. Não consta que o filósofo grego alguma vez tivesse a pretensão sequer de se expulsar a si próprio de uma qualquer cidade. Numa cidade real, os poetas desabrocham no meio da gente mais comum, são parte integrante dessa gente. Não vale a pena vê-los de outra maneira, ainda que haja quem julgue o contrário, ou seja, que os poetas são seres extraordinários. Para mim, são tão extraordinários quanto o pode ser um extraordinário calceteiro. Há poetas que escrevem a vida com matizes de corola, asas de passarinho e diáfanas águas a correr sem cessar. São gente, gente tão passível de errar, de pecar, de cometer crimes, como outra gente qualquer. Todavia, o produto do seu labor conferiu-lhes, ao longo do tempo, uma áurea especial. É nesse mesmo produto que reside a tal função pedagógica da poesia. Ou então no próprio labor poético. Julgo que isso se deve às características da linguagem poética. Citando Josef Simon, direi que «a poesia, enquanto lugar do uso linguístico originário, surge como a origem da linguagem». Sabendo que a função pedagógica da poesia não se faz sentir na decifração técnica a que alguns poemas são sujeitos em aulas fastidiosas, sabendo também que o denso caudal de conferências, colóquios, encontros, com poetas mais ou menos monocórdicos, nada tem contribuído em prol da poesia, só o acto de fazer poesia, praticar a poesia, pode, sem dúvida alguma, acrescentar algo de muito valioso ao processo educativo. Porque a poesia coloca o indivíduo na presença da sua originalidade. Tenho uma enorme fé na prática da poesia enquanto treino ideal da sensibilidade, das emoções, da liberdade. A expressividade granjeia na poesia, tal como, refira-se, noutras formas de expressão artística, um espaço privilegiado para o encontro do indivíduo consigo mesmo. E eu estou em crer que a apreensão de certos valores essenciais (como a tolerância, a liberdade, o amor, o belo, etc.) será bem mais efectiva se proceder de dentro para fora e não o contrário. Isto é, acredito que a apreensão desses valores pode sair favorecida se o indivíduo puder encontrá-los dentro da sua própria humanidade, despojando-se de preconceitos e estereótipos através da expressão, libertando-se pela expressão, fazendo-se reflectir naquilo que cria. Porque isso fará com que ele passe a acreditar nas suas próprias potencialidades humanas. Criando, dando-se, transmutando-se pela palavra, na palavra. Não sei se estarei a ser demasiado ingénuo, mas creio que muitos dos males no mundo advêm precisamente de não ser dada às pessoas a possibilidade de sentirem o prazer da criação. Ao contrário, as pessoas são, desde muito cedo, descaradamente educadas para a destruição, para a obediência, para a reverência, para a normalização, tudo em nome dessa mecânica que assenta no princípio da produção enquanto condição essencial para o consumo. Isso destrói, sobretudo, as próprias pessoas. Embora seja isso o que se pretende na tal cidade ideal, essa cidade que exige aos seus cidadãos a destruição da individualidade em proveito da comunidade. A poesia pode ajudar a transformar o monstro da socialização num saudável exercício de humor: amparando os indivíduos no processo da sua descoberta, ajudando-os a entender, por si próprios, que é a relação entre as letras, as palavras, os versos, que faz o poema. O poema é o resultado desse encadeamento, dessa música, desse ritmo conjunto. E nesse ritmo conjunto nenhuma individualidade sairá esgotada pelo todo.

Henrique Manuel Bento Fialho, in O Meu Cinzeiro Azul, Canto Escuro, pp. 54-56, 2007.

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11/02/09

DO FALAR POESIA - 94


nascido em 10 de fevereiro
de 1890

O Dom da Poesia

(Fragmento)

Deixa a palavra escorregar,
Como um jardim o âmbar e a cidra,
Magnânimo e distraído,
Devagar, devagar, devagar.

Boris Pasternak
Trad. de Haroldo de Campos

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10/02/09

POETAS MEUS AMIGOS - 97

Fala-me

Fala-me da dor
Que te dou amor
Fala-me de carinho
Que te dou meus mimos
Incita-me para a vida
Que te trago emoção.


Cláudia Rodrigues in Bela Flor
Scortecci editora -S.Paulo,2008


Obs.: tive o gosto de conhecer em pessoa esta net-amiga de longa data..A Cláudia ofereceu-me este seu livro, que agradeço, e de que divulgo o poema que faz a contracapa.

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09/02/09

EFEMÉRIDES-53- -NO CENTENÁRIO DE CARMEN MIRANDA

O pretexto foi este centenário daquela portuguesinha ali de Marco de Canavezes, que viveu a sua vida entre Brasil e Estados Unidos e lançou, em espectáculos e filmes, a nível mundial, a música brasileira.

E a realidade, que também tem a ver com a efeméride , foi a de tentar, e pelos vistos conseguir, colocar vídeos no barco de flores...estou contente por isso.Agora já sei...ao fim de 4 anos de conselhos dados por amigos.

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LEITURAS - 102









o silêncio

[...] então o mar vinha vindo pelo crepúsculo adiante, até bater na orla do jardim, a espuma saltando até às janelas, disse, e ele riu, seguro de si, porque ela dizia sempre coisas impossíveis - mas havia uma distância enorme, desde logo em altura, entre a casa e a praia, afirmou, e ela corrigiu a falsidade, experimentou com outras palavras - então assim: havia uma enorme distância, desde logo em altura, entre a casa e a praia, mas ela imaginava que o mar vinha vindo pelo crepúsculo adiante e que a espuma batia nas janelas, sobre as quais tu corrias um cortinado verde-escuro, com anémonas brancas,mas não eram anémonas, eram flores não especificadas, e não eram brancas, mas rosa-pálido, e ela corrigiu, porque ele a obrigava: flores brancas, não especificadas, que aliás não eram brancas, mas rosa-pálido, e do jardim subia o cheiro da lúcia-lima,mas nunca houve lúcia-lima, disse ele, você é tão inexacta,o cheiro do rosmaninho, do tojo, do alecrim bravo,mas não havia rosmaninho, nem tojo, nem alecrim bravo, porque é que você refere sempre justamente o que lá não estava,então ela retirou o rosmaninho, o tojo, o alecrim bravo e a lúcia-lima, retirou o jardim, a casa, o mar e a praia, e reconheceu que eles eram um homem e uma mulher que não se amavam, porque não conseguiriam falar nunca.[...]

Teolinda Gersão - O silêncio

foto de Carla Robalo Martins

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08/02/09

RESPONDENDO AO DESAFIO DO FRED*

Um belo nome para uma cidade
É difícil escolher uma cidade pelo nome - então decido-me por Sófia (nome bonito pelo som e pelo sentido = sabedoria).Coloco foto de algo que me encantou e surpreendou no centro histórico - vejam só...Fernando Pessoa-ou melhor,Álvaro de Campos e o início de «Tabacaria» em caracteres cirílicos e em português.Sabe bem encontrar um tal compatriota ...

E agora a parte mais difícil a cumprir: a quem enviar o desafio?Tenham lá paciência, mas vou enviar para
*ver comentário ao post sobre o Padre António Vieira, em 6.02

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DESASSOSSEGOS - 84




Cada um ao nascer traz uma dose de amor
mas os empregos,os salários
tudo isso, seca o solo do coração .

Maiakovski
«achado» em http://www.almocrevedaspetas.blogspot.com/

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07/02/09

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OMNIA VINCIT AMOR -117



O que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem:
o amor secreto, as suaves ofertas e a cama,
que são flores da juventude sedutoras
para homens e mulheres...

Mimnermo -630 - 600 a.C
(trad. de Frederico Lourenço)

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06/02/09

EFEMÉRIDES- 52-PADRE ANTÓNIO VIEIRA



Somos Pó

Esta nossa chamada vida, não é mais do que um círculo que fazemos de pó a pó: do pó que fomos ao pó que havemos de ser. Uns fazem o círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros mínimo: De utero translatus ad tumulum: Mas ou o caminho seja largo, ou breve, ou brevíssimo; como é círculo de pó a pó sempre e em qualquer parte da vida somos pó. Quem vai circularmente de um ponto para o mesmo ponto, quanto mais se aparta dele, tanto mais se chega para ele: e quem, quanto mais se aparta, mais se chega, não se aparta. O pó que foi nosso princípio, esse mesmo e não outro é o nosso fim, e porque caminhamos circularmente deste pó para este pó, quanto mais parece que nos apartamos dele, tanto mais nos chegamos para ele: o passo que nos aparta, esse mesmo nos chega; o dia que faz a vida, esse mesmo a desfaz; e como esta roda que anda e desanda juntamente, sempre nos vai moendo, sempre somos pó.

Padre António Vieira, nascido neste dia 6 de fevereiro,há 401 anos

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DA EDUCAÇÃO - 44



[Deixa falar o mestre ]


Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia


Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um á-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...

Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorri!

Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...


Miguel Torga - in Diário - IX

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05/02/09

PRÉMIOS









O nosso barco de flores foi contemplado com dois prémios: Globo de Ouro,pela Elsa Duarte, em nome do blogue da sua escola (http://brevescamposmelo.blogspot.com/) e Pedagogia dos afectos, também pela Elsa e pela Isabel Campeão (IC- http://msprof.blogspot.com/).
Aqui ficam os meus agradecimentos e testemunhos visuais dos 2 prémios atribuídos.dar a devida sequência, coincidem, na prática, com os que ambas premeiam. Os meus agradecimentos pelos dois prémios.São mais flores bonitas para o nosso barco.
Os blogues que poderia escolher, para dar a devida sequência, coincidem, na prática, com os que ambas premeiam. Os meus agradecimentos pelos dois prémios.São mais flores para o nosso barco. Além dos acima referidos, acrescentaria,os da IC e da Elsa, o nocturno com gatos- http://nocturnocomgatos.weblog.com.pt/

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LEITURAS - 101


[Dois excertos de contos de Rainer Maria Rilke]:

De repente, Bohusch achou-se junto dela.
- Maminko – disse com voz que parecia a de uma criança doente.

E a velha, cheia de medo, compreendeu. Sentia-se crescer, tornava-se rica, voltava a sentir-se mãe. E só aquela palavra provocara isso. Toda a sua inquietação se converteu, de súbito, em bondade, e ela, que há um instante parecia tão desanimada, tornou-se poderosa e estendeu com meiguice os braços. Para Bohusch era como que um regresso. Apoiou a pesada e perturbada cabeça ao peito da mãe, fechou os olhos afogueados e deixou-o-se cair no seio daquele amor profundo e infnito. Calara-se. E eis que alguma coisa começou no fundo dele, a chorar. Ouviu, distintamente, o começo desse íntimo choro. Devia ser algures, nele, muito profundamente, tão fracamente o ouvia. E abriu os olhos de curiosidade; queria saber donde era aquele choro. E eis o que viu: não era ele que chorava, mas a mãe. Bohusch não podia já cerrar as pálpebras, por detrás das quais se sentia a abundante pressão das lágrimas.E de súbito, foi como que uma festa no quarto. Os objectos que rodeavam aqueles dois pobres seres, tomaram um brilho que nunca até então tinham tido, mesmo nos melhores dias. Cada vasinho, cada pequeno objecto da cómoda aparecia, de repente, na luz mais favorável, e como que rejubilava disso, querendo passar por uma estrela. E pode-se imaginar a luz que naquele quarto haveria! Depois o relógio soou, lentamente, como se tivesse um desgosto.Soaram cinco pancadas e a mãe partiu.
-Onde vai? - perguntou o corcunda.
-Tenho e ir buscar Frantichka.
Bohusch, de repente, recuperou a memória. Hesitou e depois disse com tristeza.
- É isso, sim, Frantichka.

Foi esse o adeus. [...]

- Do conto O rei Bohusch


“Vladimiro, contudo, fechou a porta, esperando o cair da noite, Lá está ele sentado, muito encolhido, na borda do divã, chorando nas mãos brancas e geladas. As lágrimas afluem-lhe suavemente, levemente, sem esforço, sem angústia. É esta a única coisa que não traiu ainda e que só a ele pertence: a sua solidão”

– final do conto «Vladimiro, o pintor de nuvens»


Rainer Maria Rilke,O pintor de nuvens e outros contosTrad. de José Marinho;
ed.bonecos rebeldes,Lisboa – ; inicialmente publicada em 1946 - na editorial Inquérito,Lisboa .

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04/02/09

DO FALAR POESIA - 93



Ahora aspiro a las cosas sencillas de la vida

Al principio yo anhelaba ser el príncipe
de la poesía, el rey de las palabras,
un ministro de los poemas con una medalla
sobre mi oscuro pecho, una corona de oro
alumbrando con su dorada luz mi noble cabeza.
Después, bajé mis metas y me propuse ser
un licenciado, un doctor en gramática,
políglota, un James Joyce, usar barba,
un abrigo negro hasta los tobillos,las gafas
circulares,la pipa entre los labios
recitando los versos de Charles Baudelaire.
(Recuerdo que tenía la foto de Vallejo
debajo del cristal de mi mesa de noche
y, mirándola, apoyaba mi rostro y mis manos
cruzadas encima de un bastón con el puño
de plata, en forma de león, para creer
un instante que mi nombre era César.
—Incluso estuve preso por parecerme a él.
Me decía a mí mismo frases de Kierkegaard:
“para el hombre que aspire a triunfar en la vida
existen dos caminos: ser César o ser Nada”.
Y yo lo repetía con la convicción de que era
(sólo faltaba tiempo) un dios o hijo de un dios.
Sin embargo,las cosas han cambiado y mi punto
de vista se cayó en un abismo. Ya no aspiro
a ser príncipe, ni ministro, ni rey, ni políglota
un día, mucho menos deseo ser Joyce o Baudelaire
porque ambos están muertos, y un hombre,
si está muerto, vale menos que un perro.
Ahora aspiro a las cosas sencillas de la vida.
(Me lo dijo Ray Carver y nunca lo entendí.)
Miro el agua de un río sin pensar qué es el agua,
me acuesto entre la hierba y disfruto del sol.
Pienso, respiro, siento cómo limpia el oxígeno
mi sangre, mis pulmones, late en mi corazón.
Soy feliz con vivir sencillo, aspiro a eso:
Posado, como un pájaro, sólo quiero una rama
para cantar mis versos, también una ventana
para mirar el mundo, aunque no tenga un piso,
ni un palacio, ni un templo. Un marco,
una ventana para asomar mis ojos, humilde,
con asombro, sabiendo que soy polvo,
y, debajo del cielo, un animal o nada.


Dolan Mor in Confesiones, 2008
[poeta cubano]

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03/02/09

OMNIA VINCIT AMOR -116



Não posso dormir quando estou contigo
por causa de teu amor.
Não posso dormir quando estou sem ti
por causa de meu pranto e gemidos.
Passo as duas noites acordado
mas, que diferença entre uma e outra!

Rumi - poeta sufi

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02/02/09

PÉROLAS - 155



Árvores

que me doem
na garganta
- quem as arranca?
Quem as planta?

Albano Martins - in "Vocação do Silêncio

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01/02/09

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 63



Tema da rosa - I

Parecia uma rosa madrugando
Aquela rosa ali, naquele dia.
Era quando em redor amanhecia,
Porém sem Lugar-Onde ou Tempo-Quando,
Estava eterna e eterna parecia.
Não se sabia a luz que a estava olhando,
Ou se ela olhava a luz desabrochando,
Nem se era dela que esta luz surgia.
Nada movia em torno, mas da haste
Parecia vibrar, tensa e nervosa,
A onda de um acorde num segundo
Sonhando em rubro e alheio a seu engaste,
Que era a história das rosas numa rosa,
A rosa em si, dentro de si, no mundo.


Jorge Wanderley in De Manias de Agora (1995)

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