30/06/10

DA EDUCAÇÃO - 58



Não conheço com legendas em português. Mas dá para entender...

Recebi do blogue da IC - http://msprof.blogspot.com/

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29/06/10

LI E RECOMENDO

ler

[Retratos de mulheres]

Há mulheres que passam
E deixam pétalas sobre os caminhos


Daniel Francoy

Em Cidade Estranha seguido de Retratos de Mulheres

Ed.artefacto, / Sociedade Guilerme Cossoul,Lisboa, Junho de 2010

ed.artefacto@gmail.com

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POETAS MEUS AMIGOS - 130



Solidão

o tilintar dos talheres assinala
que está posta a refeição

a toalha da mesa não revela os cerzidos
onde o tempo e o uso esgarçou as fibras

difusa
a luz solar
vence a cortina que esvoaça

em vestígios de uma canção
que aos comensais passa despercebida
andrógina voz canta as vicissitudes da solidão

a senhora tece comentários domésticos
aos quais o esposo assente cabeceando
olhos postos nos próprios pensamentos
ensimesmado num mundoem tudo diferente deste
onde autômato mastiga engole bebe e concorda
pela conveniência de não imiscuir-se no que considera irrelevante

a mulher fala do factual

alheio
o homem delira
e pede a sobremesa.

Fred Matos

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28/06/10

DE AMICITIA -95



1.
Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.

2.
Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.

Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.

Amigo,
................se tens fome come do meu pão.

3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
- como o meu coração - sempre buscando altura.

Sorriste - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou... Menos aquela lembrança...

...Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio...

Pablo Neruda

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27/06/10

LEITURAS - 143


"Querida. Veio-me hoje uma vontade enorme de te amar. E então pensei: vou-te escrever. Mas não te quero amar no tempo em que te lembro. Quero-te amar antes, muito antes. É quando o que é grande acontece. E não me digas diz lá porquê. Não sei. O que é grande acontece no eterno e o amor é assim, devias saber. Ama-se como se tem uma iluminação, deves ter ouvido. Ou se bate forte com a cabeça. Pelo menos comigo foi assim. Ou como quando se dá uma conjunção de astros no infinito, deve vir nos livros."
Vergílio Ferreira, Em nome da terra, 1989

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26/06/10

PÉROLAS - 199



A criança que eu fui não imaginava paisagens como esta.
Pertencia-lhe.

Isaac Pereira
In http://www.poetasdomundo.blogspot.com/

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25/06/10

+

20 000 = 220 000
visitantes

Obrigada, companheiros de navegação

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24/06/10

ALEGRIA, ALEGRIA



Foi o que achei para celebrar a recuperação do meu blogue.Estou feliz, amigos fiéis...os que me visitam e os que comentam...

Para ver a letra, ir a http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/43867/

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19/06/10

O PRAZER DE LER- 115



Os livros da minha infância


as marcas sépias do tempo
nos livros da minha infância
são como luzes que se perdem
na distância do navio que se liberta do cais

os livros da minha infância
guardam sonhos de terras distantes,
de cavaleiros andantes
e poetas, jograis, cancioneiros,
de princesas e marinheiros
das barcas vicentinas
que dobravam bojadores,
e frades de negras batinas.

as marcas sépias do tempo
nos livros da minha infância
são o espelho das rugas
que desenham no meu rosto
os caminhos que percorri
desde que os li,


os livros da minha infância

Jorge Santiago

Nota e desafio: e se os meus leitores dissessem, em comentários, títulos de livros da sua infância? Da minha parte recordo dois, e ambos da mesma autora, France Burnett - A Princezinha e O pequeno Lorde...

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18/06/10

PENSAR -113


conhece-te a ti mesmo

A maior parte do que sabemos é menor do que ignoramos

A maior parte do que sabemos, é a menor do que ignoramos. Não se achou varão tão perfeito no Mundo, que conhecesse o que tinha de sábio, senão sabendo o que lhe faltava para perfeito. Não se viu ninguém tanto nos últimos remates da perfeição, em quem não bruxoleassem sempre alguns desaires de humano. (...) Não necessitando de nada os grandes, só de verdades necessitam; porque, como custam caro, todo o cabedal da fortuna é preço limitado para elas; por isso nos grandes são mais avultados os erros, porque erram com grandeza e ignoram com presunção. Mais gravemente enferma o que logra melhor disposição, que o que nunca deixou de ter achaques: e a razão é porque a enfermidade que pôde vencer disposição tão boa, teve muito de poderosa; ignorância a que não alumiou o discurso mais desperto, tirou as esperanças ao remédio.
Padre António Vieira

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17/06/10

le temps des cerises




Le temps des cerises


Quand nous chanterons le temps des cerises

Et gai rossignol et merle moqueur

Seront tous en fête …

Les belles auront la folie en tête

Et les amoureux du soleil au cœur

Quand nous chanterons le temps des cerises

Sifflera bien mieux le merle moqueur

Mais il est bien court le temps des cerises

Où l’on s'en va deux cueillir en rêvant

Des pendants d'oreille …

Cerises d’amour aux robes pareilles

Tombant sur la feuille en gouttes de sang

Mais il est bien court le temps des cerises

Pendants de corail qu’on cueille en rêvant

Quand vous en serez au temps des cerises

Si vous avez peur des chagrins d’amour

Evitez les belles …

Moi qui ne crains pas les peines cruelles

Je ne vivrai point sans souffrir un jour

Quand vous en serez au temps des cerises

Vous aurez aussi vos peines d’amour

J’aimerai toujours le temps des cerises

C’est de ce temps-là que je garde au cœur

Une plaie ouverte …

Et Dame Fortune, en m’étant offerte

Ne pourra jamais fermer ma douleur

J’aimerai toujours le temps des cerises

Et le souvenir que je garde au cœur


(Auteur : Jean-Baptiste Clément et Antoine Renard)

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16/06/10

POETAS MEUS AMIGOS - 129



A chuva


A chuva distorce as luzes e as sombras,
e quase não se vê os rostos
do homem e da mulher que estão parados
na esquina, sob a marquise.

Talvez seja melhor assim;
pensar que os rostos ainda existem
porque a esquina ainda existe
e porque chove como antes.
Talvez seja melhor esquecer
que os rostos se desmancharam
como se fossem feitos de cera
ou de qualquer outra matéria pálida.

Daniel Francoy
em o céu vazio - http://oceuvazio.blogspot.com/

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15/06/10

LEITURAS - 142

conchas

O apanhador de conchas

uma vez, na rua, cruzei-me com um apanhador de conchas. tinha os olhos feridos pelo sal, as mãos abertas pelo ácido das marés os lábios gretados por versos inacabados. recitou-me fórmulas do campo; anunciou-me a verdade de antigas profecias. olhei para cima: e o céu continuava azul, como se nada se passasse. mas ele abriu o cesto das conchas; e um movimento de caranguejos mostrou-me o fundo da existência. talvez eu estivesse a falar com um morto; ou as suas palavras me distraíssem do verdadeiro significado das coisas."para que serve a poesia, afinal"? e continuou o seu caminho, para que eu seguisse o meu, como se nunca nos tivéssemos encontrado.
Nuno Júdice, em As coisas mais simples
recolhido em http://vinte--anos.blogspot.com/

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14/06/10

MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA











«Minha Pátria é a Língua Portuguesa»

(F.Pessoa.Bernardo Soares )

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13/06/10

NO ANIVERSÁRIO DE FERNANDO PESSOA

ANIVERSÁRIO

(excertos)

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

[...]


O que sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...

O que sou hoje (e a casa dos que me amaram

treme através das minha lágrimas),

O que eu sou hoje é terem vendido a casa,

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

Por uma viagem metafísica e carnal,

Com uma dualidade de eu para mim...

Comer o passado como pão de fome,

sem tempo de manteiga nos dentes!


[...]

Pára, meu coração! Não penses!

Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos. Duro.

Somam-se-me os dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Fernando Pessoa- Álvaro de Campos

fonte da imagem : Casa Fernando Pessoa

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12/06/10

PÉROLAS - 198

11/06/10

EPIFANIA

cinema

Poucas vezes em minha vida tive momentos de absoluta clareza. Como quando, por alguns segundos, o silêncio abafa o ruído e eu posso sentir mais do que pensar. As coisas parecem tão claras. O mundo parece tão renovado. É como se o mundo todo começasse a existir. Não posso prolongar esses momentos. Me apego a eles, mas, como tudo, eles se desvanecem. Minha vida foi vivida nesses momentos. Eles me trouxeram de volta ao presente e percebi que tudo é exatamente como deveria ser.


George, personagem de Colin Firth, no filme “A Single Man” (2009).
lido em http://palavraguda.wordpress.com/2010/06/05/epifania-2/

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10/06/10

No Dia que é de Camões e de Portugal

poetas inspiram-se em Camões

india2

A meretriz de Luís Vaz

- Lá vai a meretriz de Luís Vaz -
Assim rugem as damas invejosas
Almas iradas, hirtas, animosas
de olhar não manifesto mas mordaz

- Lá vai a meretriz - gemem danosas
num múrmure puritano mas audaz
como se só por ser fosse eu capaz
de mover dano em causas amorosas

Morrem de amores por ele, desgraçadas,
e de inveja de mim, porque sou eu
que em meu corpo alugado o seu recebo

São minhas suas noites desgarradas
e o gozo que me compra é sempre meu
pagando sem saber quanto lhe devo


Julieta Lima - 2002

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09/06/10

PENSAR - 112

autores

[...]

Nada nos pertence, Lucílio, só o tempo é mesmo nosso. A natureza concedeu-nos a posse desta coisa transitória e evanescente da qual quem quer que seja nos pode expulsar. É tão grande a insensatez dos homens que aceitam prestar contas de tudo quanto lhes é emprestado, mas ninguém se julga na obrigação de justificar o tempo que recebeu, apesar deste ser o único bem que, por maior que seja a nossa gratidão, nunca podemos restituir.[...]
autores Séneca

(Corduba, 4 a.C. — Roma, 65 d.C.)

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08/06/10

neptuno-paulo tavares





É mais logo a apresentação do livro deste amigo- livro aqui recomendado,em 19 de maio.Lançamento pelas 21 horas,na Sociedade Guilherme Cossoul,Av.D.Carlos I,61-1º-Lisboa

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LER OS CLÁSSICOS - 127

aves


A busca das andorinhas

Chegou, chegou a andorinha,
que nos traz belos tempos,

belos anos,
a andorinha do ventre branco,
a andorinha do dorso preto.
Tira a tarte de fruta
da tua casa tão rica
e uma taça de vinho
e um cestinho de queijo.
A andorinha também não recusa
o pão de trigo nem a gema de ovo.

Vamo-nos ou recebemo-lo?
Se me deres alguma coisa; se não,

não te deixaremos,
levaremos a porta ou o umbral
ou a tua mulher que está sentada dentro.
É pequena, levá-la-emos facilmente.
Se trouxeres alguma coisa,
que seja grande.
Abre, abre a porta à andorinha.
Que não somos velhos, mas jovens.

Canções gregas anónimas ( sec. VI a.C )

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07/06/10

«SONHEI QUE ESTAVA UM DIA EM PORTUGAL»







A canção é linda, as imagens assim assim... O interessante é como Maria Bethânia junta Pessoa e Camões, os dois maiores da nossa poesia, cujas efemérides se celebram nestes dias. Ora vejam :

Sonhei que estava um dia em Portugal / À toa .../ num Carnaval em Lisboa / Meu sonho voa além da Poesia / E encontra o poeta em Pessoa /A lua mingua / E a língua Lusitana / Acende a chama / E a palavra lusía.../ Na via pública / Em forma de música:/Lusía- da , Lusía-das, Lusía-... //

...
Anda Luzia, pega o pandeiro e cai no carnaval / Anda Luzia, que esta tristeza lhe faz tanto mal

(voz de Bethânia - álbum Maria)

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AFRONTAMENTO -31

Discurso sobre o filho da puta

2ªparte

o grande filho da puta
também em certos casos começa
por ser
um pequeno filho da puta,
e não há filho da puta,
por pequeno que seja,
que não possa
vir a ser
um grande filho da puta,
diz o grande filho da puta.
no entanto,há filhos da puta
que já nascem grandes
e filhos da puta
que nascem pequenos,
diz o grande filho da puta.
de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos
palmos, diz ainda
o grande filho-da-puta.
o grande filho da puta
tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho da puta.
por isso
o grande filho da puta
tem orgulho em ser
o grande filho da puta.
todos
os pequenos filhos da puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho da puta,
diz o grande filho da puta.
dentro do
grande filho da puta
estão em ideia
todos ospequenos filhos da puta,
diz o
grande filho da puta.
tudo o que é bom
para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos da puta,diz
o grande filho da puta.
o grande filho da puta
foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho da puta.
é o grande filho da puta
que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa para ser
o pequeno filho da puta,
diz o
grande filho da puta.
de resto,
o grande filho da puta
vê com bons olhos
a multiplicação
do pequeno filho da puta:
o grande filho da puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja,
o grande filho da puta.

f.puta2Alberto Pimenta

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06/06/10

AFRONTAMENTO - 30

Photobucket

Discurso sobre o filho da puta
1ªparte

O pequeno filho da puta
é sempre
um pequeno filho da puta;
mas não há filho da puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho da puta.
no entanto, há
filhos-da-puta que nascem
grandes e filhos da puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho da puta.
de resto,

os filhos da puta
não se medem aos
palmos, diz ainda
o pequeno filho da puta.
o pequeno
filho da puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno
filho da puta.
no entanto,
o pequeno filho da puta
tem orgulho
em ser
o pequeno filho da puta.
todos os grandes
filhos da puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno
filho da puta,
diz o pequeno filho da puta.
dentro do
pequeno filho da puta
estão em ideia
todos os grandes filhos da puta,
diz o
pequeno filho da puta.
tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho da puta,
diz o pequeno filho da puta.
o pequeno filho da puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem
e semelhança,
diz o pequeno filho da puta.
é o pequeno
filho da puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que
ele precisa
para ser o grande filho da puta,
diz o
pequeno filho da puta.
de resto,
o pequeno filho da puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho da puta:
o pequeno filho da puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja,
o pequeno filho da puta.

Alberto Pimenta ,Discurso sobre o filho da puta (a continuar)

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05/06/10

OS MEUS POETAS - 182

o corvo2

O corvo


Num certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.

E o rumor triste, vago, brando,
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto e:
"Com efeito (disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minhalma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora -
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo prestemente,
Certificar-me que aí estais.
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta:
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta,
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é o seu nome: "Nunca mais."

No entanto, o Corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."

Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."

Assim, posto, devaneando,
Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta:
Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua,
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

E o Corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando.
A luz caída do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!

o corvo-capa
Edgar Allan de Poe ,The Raven
- tradução de Machado de Assis (1883)

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04/06/10

DO FALAR POESIA -115


não

Diário

A partir de agora, todo o poema que fale de amor,fora.
Todo o poema que não revolucione, fora.
Todo o poema que não ensine, fora.
Todo o poema que não salve vidas, fora.
Todo o poema que não sobreviva, fora.
Vou deixar um anúncio no jornal:
Procura-se poeta. Trespasso-me.


Ana Salomé
encontrado no blogue
http://aldinaduarte.blogspot.com/

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03/06/10

OS MEUS POETAS - 181

Virá a morte e terá os teus olhos -

esta morte que nos acompanha

de manhã à noite, insone,

surda, como um velho remorso

ou um vício absurdo. Os teus olhos

serão uma palavra inútil,

um grito calado, um silêncio.

Assim os vês em cada manhã

quando sobre ti só te inclinas

ao espelho. Ó querida esperança,

nesse dia saberemos também nós,

que és a vida e és o nada.

Para todos a morte tem um olhar.

Virá a morte e terá os teus olhos.

Será como largar um vício,

como ver ressurgir

no espelho um rosto morto,

como escutar lábios fechados.

Desceremos o remoinho mudos.

Cesare Pavese,In Trabalhar Cansa

- tradução de Carlos Leite

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NOCTURNOS - 84



Noite


Sozinha estou entre paredes brancas
Pela janela azul entrou a noite
Com seu rosto altíssimo de estrelas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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02/06/10

DA EDUCAÇÃO - 57



« L'enseignement obligatoire semble miner la volonté personnelle d'apprendre. »


Ivan Illich (1926-2002)

«O ensino obrigatório parece minar a vontade pessoal de aprender.»


Sobre Ivan Illich:- ver http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/illich/index.htm

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01/06/10

NO DIA MUNDIAL DAS CRIANÇAS-2010

poema pial

POEMA PIAL

Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.


Pia número UM,
Para quem mexe as orelhas em jejum.


Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.


Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.


Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.


Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.


Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis.


Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.


Pia número OITO,
Para quem parte nozes quando é afoito.


Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.


Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.


E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias.


Fernando Pessoa,Poemas para Lili

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