30/11/10

PÉROLAS - 207












Às quatro da manhã, arranco
ervas daninhas do arrozal.

Mas que é isto: orvalho .do .campo,
ou lágrimas de dor?

Herberto Hélder

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«ENSINOU A PENSAR EM RITMO» - 8

Um dos mestres, o «que ensinou a pensar em ritmo», de Fernando Pessoa, cujo «deixar de ser visto» ocorreu neste dia, em 1935.

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À Virgem Santíssima
....................Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

Num sonho todo feito de incerteza,
De Nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...

Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade,
Era outra luz, era outra suavidade
Que até nem sei se as há na natureza...

Um místico sofrer...uma ventura
Fita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira...

Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa...
E deixa-me sonhar a vida inteira!

Antero de Quental

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29/11/10

ESCREVER -90

A dignidade da arte

Eu escrevo para os que não podem me ler. Os de baixo, os que esperam há séculos na fila da história, não sabem ler ou não tem com o quê. Quando chega o desânimo, me faz bem recordar uma lição de dignidade da arte que recebi há anos, num teatro de Assis, na Itália. Helena e eu tínhamos ido ver um espetáculo de pantomima, e não havia ninguém. Ela e eu éramos os únicos espectadores. Quando a luz se apagou, juntaram-se a nós o lanterninha e a mulher da bilheteria. E, no entanto, os atores, mais numerosos que o público, trabalharam naquela noite como se estivessem vivendo a glória de uma estréia com lotação esgotada. Fizeram sua tarefa entregando-se inteiros, com tudo, com alma e vida; e foi uma maravilha. Nossos aplausos ressoaram na solidão da sala. Nós aplaudimos até esfolar as mãos.

Eduardo Galeano em O livro dos abraços

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28/11/10

Dana Winner - Conquest of Paradise





na música de vangelis - chariots of fire
http://www.youtube.com/watch?v=v3N4aQYiJOI

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27/11/10

POETAS MEUS AMIGOS -141















Desesperança

A glicínia serpeia no tronco velho
e o dossel chama as abelhas na tarde . quente.
Ninguém perturba o seu afã de insectos eficazes.
As rolas soltam arrulhos mas não convidam à sesta
e não caem coa calma aves nem bocas de amantes.
Tudo é mudo e branco. Nada significa.


Soledade Santos - em Sob os teus pés a terra

ed.Artefacto,Lisboa, 2010 ; http://eartefacto.blogspot.com/

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26/11/10

OS MEUS POETAS - 193

autores
foto de ana assunção

é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou.
não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.


Al-Berto - Horto de Incêndio

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25/11/10

O PRAZER DE LER - 117

ler

«Lemos porque, mesmo que ler não seja imprescindível para se viver, a vida se torna mais livre, mais clara, mais vasta para aqueles que lêem do que para aqueles que não lêem».

Antoine Compagnon,Para que serve a literatura
Cit. em http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/

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24/11/10

DESASSOSSEGOS - 112

coisas

Táxi

Tenho vergonha de estender o braço
para chamar o táxi
tenho medo que ele me veja
tenho medo que ele me veja
e ainda assim
não pare.

Ana Cristina César

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23/11/10

CONVITE


[tal como anunciei no dia 20...]
Vamos lá?

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LER OS CLÁSSICOS - 134

autores
[E pois que os amores nunca dão repouso ]

Os amores no coração fazem mais rijo e continuado sentimento que outra benquerença, por estas razões: Primeira, por a contrariedade do entender que os contradiz, mostrando de uma parte quanto mal por eles se faz, defendendo que se não faça, e doutra o desejo que muito com eles reina, requerendo com grande afincamento que persevere no que há começado, fazem uma porfia que continuadamente dá grã pena de espírito, afã e cuidado, do que mui amiúde os namorados se queixam, a qual se não pode passar sem rijos sentimentos. Segunda, porque rijo, desordenado e continuado desejo, ciúmes e vanglória fazem no coração grande sentimento. E porquanto estes reinam mais com amores que com outra benquerença, porém fazem maior sentido.Terceira, porque assim como dizem as cousas costumadas não fazerem tanto sentir, por esse fundamento aquelas que se abalam convém que o acrescentem.E pois que os amores nunca dão repouso por fazerem contentar de mui pequeno bem, assim como de uma boa maneira de olhar, gracioso rir, ledo falar, amoroso e favorável jeito, e de tal contrário se assanham, tomam suspeita, caem em tristeza, filhando tão rijo cuidado por uma cousa de nada, como se tocasse a todo seu bom estado, que o não deixa enquanto dura pensar em al livremente, mas como aquele que tem véu posto ante os olhos vê as cousas, dessa guisa ele pensa em todas outras fora do seu fundamento por cima daquele cuidado que lhe faz parecer todas as folganças nada, não havendo aquela que mais deseja.E se a cobrasse, que tristeza nunca sentiria, o que é tão errado pensamento como bem demonstram muitos exemplos, os quais não quer consentir que se creiam, posto que claramente de demonstrem, pensando que nunca semelhante como ele sentiu que o contrário pudesse sentir, o que adiante as mais das vezes se demonstra mui desvairado do que parece.E por aqui se pode bem conhecer, posto que não caia em outro erro, quanto perigo é trazer um tal cuidado assim reinante em ele, que o não deixe pensar em cousa livremente sem haver dele lembramento, e como constrangido cuidar em qualquer outro feito por pesado que seja, para o coração no que tais amores lhe mandam quer embargar seu sentido, desamparando todos os outros por necessários que sejam. E por estas razões convém que traga e faça maiores sentimentos que outra maneira de amar.

D. Duarte - Leal Conselheiro
encontrado em http://cortenaaldeia.blogspot.com

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22/11/10

FELICIDADE

Querido Charlie Brown!

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POETAS MEUS AMIGOS - 140

puto reguila

Esse garoto que às vezes te visita
vive uma práxis
de outros dias
e se imiscui em teu cotidiano de aço e vidro
com sua bola de meia
num pomar de terra e verde
e seu balanço de corda.

Esse menino magro te perturba
e te renova
como se fosse o rosto da memória
e ainda te faz sorrir entre os sisudos.

É curioso, o menino, e traz questões
que não dizem respeito
ao homem sério que agora te tornaste.

Enquanto imóvel ponderas papéis de tuas pastas
ele se agita e brinca e mexe em tuas gavetas
e sem te consultar
sopra em tuas letras a brisa de outras tardes
e sensações de afago e de varanda.

Esse garoto que às vezes te visita
à noite em tua cama
canta baixinho cirandas e prelúdios
e te chama
porque em verdade
não queres que ele se perca de tua vida.

Adelaide Amorim - http://inscries.blogspot.com

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21/11/10

THE PROMISE





If you wait for me then I'll come for you
Although I've travelled far
I always hold a place for you in my heart
If you think of me
If you miss me once in awhile
Then I'll return to you
I'll return and fill that space in your heart
Remembering
Your touch
Your kiss
Your warm embrace
I'll find my way back to you
If you'll be waiting
If you dream of me
Like I dream of you
In a place that's warm and dark
In a place where I can feel the beating of your heart
Remembering
Your touch
Your kiss
Your warm embrace
I'll find my way back to you
If you'll be waiting
I've longed for you
And I have desired
To see your face, your smile
To be with you wherever you are
Remembering
Your touch
Your kiss
Your warm embrace
I'll find my way back to you
If you'll be waiting
I've longed for you
And I have desired
To see your face, your smile
To be with you wherever you are.
Remembering
Your touch
Your kiss
Your warm embrace
I'll find my way back to you
Please say you'll be waiting
Together again
It would feel so good to be
In your arms
Where all my journeys end
You can make a promise
If it's one that you can keep
I vow to come for you
If you'll wait for me
Say you'll hold a place for me in your heart.

http://www.youtube.com/watch?v=ICVN7-H6y2w&feature=related

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20/11/10

SOB OS TEUS PÉS A TERRA

Lançamento deste livro da Soledade Santos, uma das poetisas minhas amigas de que já incluí poemas no nosso barco : 6ªfeira, 26 de Novembro, pelas 21 horas, em Lisboa - na Sociedade Guilherme Cossoul, Av.D.Carlos I, 61-1º. Eu estarei lá.
edições artefacto,lisboa

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AFRONTAMENTO - 43

liberdade

[No livro dos homens fracos]

Não me leve para a guerra,
Não me faça essa surpresa
Pois não tenho natureza
De ver meu sangue na terra.
Me deixe aqui pela serra
Pra viver com os macacos,
Morando nesses buracos,
Embora passando fome,
Depois escreva meu nome
No livro dos homens fracos.

Autor desconhecido resposta de um lavrador sertanejo, reagindo contra a sua incorporação na força expedicionária brasileira da 2ªGrande Guerra- divulgado por AAM

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19/11/10

OMNIA VINCIT AMOR - 153

natureza


Pássaros em círculo

Pássaros em círculo

Atravessamos o jardim,
e, sob os nossos passos,a neve estala
como pão acabado de fazer.

Tudo tem a cor da palavra
que ainda não foi escrita.
É a hora.

Abraçados no meio do silêncio
parecemos dois anjos de barro.

Não importa se te digo «não voltes tarde a casa»,
da necessidade daquele que fica
não depende o reencontro.

Abro o gradeamento.
A sensação de perda gira dentro de mim
como um cão que ladra e que dá voltas
em redor de uma árvore.

Não importa se te digo para ficares.

A neve desnasce-se,
mostrando a fugacidade da beleza:
(amo-te porque sim, não para que o tempo
venha a ser mais benévolo comigo.)

O sol reconcilia-nos com a morte.

É a hora.
O relógio dos pássaros serve de tecto ao dia.

Josep M. Rodríguez

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18/11/10

LEITURAS - 152



[....]

E aí revivi uma sensação de menino,nas primeiras vezes que atentei para as mulheres, o andar delas, o movimento das suas saias, os volumes e os vãos nas suas saias. Eu menino não compreendi o que se passava com meu corpo naquelas horas, eu tinha vergonha de sentir aquilo, era como se o corpo doutro menino estivesse crescendo em meu corpo. Pois agora também demorei a atinar comigo, demorei a acreditar que meu desejo pudesse se restaurar a esta altura da vida tão forte quanto nos dias em que Matilde me olhava como se eu fosse o maior homem do mundo. Mas sim, eu era de novo o rei do mundo, eu era quase o meu pai, e me joguei contra a argamassa da parede como se Matilde estivesse ali para me amparar. Abracei-me à parede áspera, me esfreguei nela, com gosto me escalavrei nela, e me lembrei de Matilde tremendo inteira, cheguei mesmo a escutar sua voz um pouquinho rouca: eu vou, Eulálio. Então patinei no cimento, e antes de descambar ouvi um estalo, senti a dor de um osso a se partir com sua medula, estendido no chão vi minha perna direita retorcida. [...]

E foi num papel aéreo, que me chegou um dia uma carta do Senegal - Eva já se adaptava a África,depois do intenso frio na Indochina,etc. e tal, e embora profícua, a temporada na Indochina ficaria para sempre turvada pela notícia da trágica desaparição de Matilde, trágica desaparição de Matilde, trágica desaparição , sempre turvada pela notícia da trágica aparição de Matilde. O médico se desculpava pelo tom da sua carta anterior, escrita no calor da hora sob forte emoção, e disse que não se cansava de orar pela trágica desaparição de Matilde, desaparição, não se cansava de orar pela memória de Matilde [...]

Chico Buarque, Leite derramado

ed.D.Quixote,Lisboa, 2010
...............................................................................
Uma opinião que partilho e por isso recomendo vivamente o livro que acabo de ler:

«Leite Derramado é um livro maior, em que Chico Buarque dá um passo além de Budapeste e alcança na ficção a mesma potência vernácula e imaginativa de suas melhores canções […]. Chico Buarque escreveu um romance poderoso sobre o amor e a posse, a memória e a história.»-em Estado de S.Paulo

Ver também:


http://www.youtube.com/watch?v=_tkaXxXXKVI
http://www.leitederramado.com.br/wordpress/?p=47

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DA EDUCAÇÃO - 64

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A escola não é democrática. A escola é a preparação
para a democracia.
Fernando Savater

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17/11/10

DE AMICITIA -101


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Os amigos intensos

[...] Os amigos intensos se fazem vénias,
é por brincadeira, eu com eles concluo
do péssimo estado do mundo. Era bom, era
que fosse apenas Portugal. Os amigos
intensos não têm uma receita para me dar;
sabem que não há duas passagens iguais
da paixão ao amor, mas que é preciso
passar. Quando estão juntos os amigos intensos
são terra e ar,e água e fogo, palha e prata
luz e oiro, murmúrio de folhas, eterna
canção, jura infantil, pêndulo forte, morna
parede, jardim selvagem, desdém que pensa,
ritmo que vem lá de muito longe, paixão
que soube passar ao amor, encontro e calor.

Hélder Moura Pereira

- excerto publ.em supl. Economia do semanário Expresso em 14.11.2010

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16/11/10

NOCTURNOS - 90

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Envelhece-se mais devagar ao anoitecer. A morte enrosca-se, faz uma trégua até que de novo amanheça. Sou um homem nocturno, a luz do dia aumenta o conhecimento da minha escassa eternidade.
Malcom Lowry
encontrado em http://cortenaaldeia.blogspot.com/

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15/11/10

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 89

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A rosa, no íntimo

Entro em teu breve sono, onde os minutos
são três pássaros líquidos e enormes,
e descubro os gelados aquedutos
guardiães do silêncio, enquanto dormes.

Pouso a cabeça nos teus lábios sujos
de mundo e tempo, e vejo que possuis
em teus seios, dois bêbedos marujos
desesperados, sós, raros, azuis.

Enfim, além ( no além de tuas pernas
onde Deus repousou a sua face,
cansado de inventar coisas eternas)

desvendo, ao desespero de quem passe,
a rosa que és, mística e sombria
a noturna e serena rosa fria.

Carlos Pena Filho

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14/11/10

L'APPRODO - REGRESSO


bâteau 4

L'approdo

Felice l’uomo che ha raggiunto il porto,
Che lascia dietro di sè mari e tempeste,
I cui sogni sono morti o mai nati,
E siede a bere all’osteria di Brema,
Presso al camino, ed ha buona pace.
Felice l’uomo come una fiamma spenta,
Felice l’uomo come sabbia d’estuario,
Che ha deposto il carico e si è tersa la fronte,
E riposa al margine del cammino.
Non teme né spera né aspetta,
Ma guarda fisso il sole che tramonta.

Primo Levi

Chegada

Feliz o homem que chega a um porto
Deixando para trás mares e tempestades,
Cujos sonhos estão mortos ou não nasceram,
E se senta e bebe na cervejaria de Bremen,
Feito o caminho, agora em paz.
Feliz o homem que é apagada chama,
Feliz o homem que é areia no estuário,
Que largou a carga e enxugou a fronte
E descansa à beira do caminho.
Não teme nem deseja nem espera,
Apenas olha fixamente o sol a pôr-se.

Versão de Luís Parrado,a partir de
traduções castelhana e inglesa

O regresso ao porto

Feliz o homem que regressou ao porto,
Deixando atrás de si mares e tempestades,
Cujos sonhos estão mortos ou nem sequer nasceram
E se senta a beber na tasca de Bremen,
Junto à lareira e agora em paz.
Feliz o homem. uma chama extinta
Feliz o homem , areia na praia,
Que largou a carga e enxugou a fronte,
E descansa à beira do caminho.
Não teme nem espera nem aguarda,
Mas olha atento o sol que se põe.

Trad., a partir do original, de Amélia Pais

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13/11/10

DE AMITICIA -100

12/11/10

LEITURAS - 151

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[...] A noite avança, a minha cidade arde sempre. Vou fundar outra noutro lado. Mas não sabia eu que ela devia arder? Acaso será possível construir uma cidade como a imagino, a Cidade do Homem? Acaso não dura ela em mim, no meu sonho, apenas porque a penso sem consequências, a imagino, a não vivo, lhe não exijo responsabilidades? Não o sei, não o sei...
Mas o que sei é que o homem deve construir o seu reino, achar o seu lugar na verdade da vida, da terra, dos astros, o que sei é que a morte não deve ter razão contra a vida nem os deuses voltar a tê-la contra os homens, o que sei é que esta evidência inicial nos espera no fim de todas as conquistas para que o ciclo se feche – o ciclo, a viagem mais perfeita. Não me pergunteis como consegui-lo. O que é evidente
aparece
. Mas nestas noites de insónia em que me vou perscrutando, neste esforço natural como o da terra, em que me vou revelando, eu pude ver, em instantes de fulgor, o que me era, o que me cumpria, o destino que me gravara. E ver é já conquistar, possuir. O terreno é bom, o terreno é este. Não será tempo ainda de construir a minha cidade. Mas é já tempo de saber que se deve construir...Talvez a tua música, Cristina, ajude a mover as pedras; como certa lira de outrora...Eu a sonho, pelo menos, como o ar respirável de um dia, aberto às alturas de um triunfo apaziguado, como a alegria dominadora e sem tumulto de quem chega ao alto de uma montanha...

......Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de fim de verão entra pela varanda [....) Dou a face inteira à inundação da lua, que me corre por este corpo perecível, o trespassa do seu fluido de eternidade, o transmigra ao paíis da legenda. Um grande halo de grandes olhos abertos suspende-se raiado à anunciação da evidência. Sei e não temo Será o temor só dos outros, para os outros, como são deles as palavras? Sei, não talvez como quem conquistou mas como quem se despoja: a minha verdade é o que me sobeja de tudo. Quantos anos ainda à espera? Que caminhos desertos ou de estalagens à espera? Mas o tempo não existe senão no instante em que estou. Que me é todo o passado senão o que posso ver nele do que me sinto, me sonho, me alegro ou me sucumbo? Que me é todo o futuro, senão o que agora me projecto? O meu futuro é este instante desértico e apaziguado. [...] O tempo não passa por mim: é de mim que ele parte, sou eu sendo ,vibrando. Como imaginar o futuro?
[...]
lerVergílio Ferreira, Aparição
..................capítulo final

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11/11/10

DO FILME DO DESASSOSSEGO

cinema


Amanhã

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir — é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção -isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos. Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara cheia de olhos vidrados o silêncio que vem na luz crescente. Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão.

Bernardo Soares.Fernando Pessoa,
in Livro do Desassossego

________

Do Livro do Desassossego (o de Bernardo Soares e de todos nós) não imaginava poder fazer-se um filme. João Botelho fê-lo. Devo confessar que fui assistir com reserva. E fiquei em estado de encantamento, a ver...o filme tem, afinal, apenas 2 horas - Claro que João Botelho, que, aliás,veio, no início, dizer do porquê das suas opções, seleccionou excertos - outros teriam seleccionado nesse livro que não chegou a sê-lo, mas se vai fazendo pelas escolhas de cada um -outros; reuniu artistas,uns mais,outros menos conhecidos; encenou excertos, bem ditos ou cantados por todos eles, e não apenas pelo protagonista; filmou uma das mais belas cidades do mundo , - Oh!Lisboa, meu lar! - penso,como nunca alguém o fizera. Fotografia, actores principal e secundários – textos escolhidos - pelo filme passou a figura e o desassossego do mais célebre ajudante de guarda-livros do mundo. Passaram nos fragmentos do seu Livro/agora filme, o seu e nosso desassosego. Um achado, uma arte que se soma a outra, à do Livro. Num dos mais belos filmes portugueses de sempre,na minha opinião. Se passar aí por perto,(por emquanto anda em circuito relativamente fechado, percorrendo o país, não deixem de o ver. Há alguns pequenos excertos no youtube - mais promocionais do que verdadeiros trailers, No google, podem saber mais sobre o filme, também.E sobre o realizador. Por mim, aguardo a saída em DVD para poder voltar a encantar-me.

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PENSAR- 120








«Mas só há um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Acontece também que o sentimento do absurdo nasça da felicidade. “Acho que tudo está bem”, diz Édipo e essa frase é sagrada. Ressoa no universo altivo e limitado do homem. Ensina que nem tudo está perdido, que nem tudo foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele entrara com a insatisfação e o gosto das dores inúteis. Faz do destino uma questão do homem, que deve ser tratado entre homens. Toda a alegria silenciosa de Sísifo aqui reside. O seu destino pertence-lhe.»
Albert Camus em O Mito de Sísifo

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10/11/10

PÉROLAS - 206


arte

Une danse est un poème.

Denis Diderot

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09/11/10

ESCREVER -89

autores

Esta é uma declaração de amor

Esta é uma declaração de amor:
amo a língua portuguesa.
Ela não é fácil. Não é maleável.
E, como não foi profundamente trabalhada
pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutileza
e de reagir às vezes com um pontapé contra
os que temerariamente ousam transformá-la numa
linguagem de sentimento de alerteza. E de amor.

A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve.
Sobretudo para quem escreve tirando das coisas
e das pessoas a primeira capa do superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado.
Às vezes assusta com o imprevisível de uma frase.
Eu gosto de manejá-la - como gostava de estar montando
num cavalo e guiá-lo pelas rédeas,
às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo
nas minhas mãos - e este desejo todos os que escrevem têm.
Um Camões e outros iguais não bastaram
para nos dar uma herança de língua já feita.
Todos nós que escrevemos estamos fazendo
do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos.
Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua
que não foi aprofundada.
O que recebi de herança não me chega.

Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever
e me perguntassem a que língua eu queria pertencer,
eu diria: inglês, que é preciso e belo.
Mas como nasci muda e pude escrever,
tornou-se absolutamente claro para mim
que eu queria mesmo era escrever em português.
Eu até queria não ter aprendido outras línguas:
para que minha abordagem do português
fosse virgem e límpida

Clarice Lispector

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08/11/10

DESASSOSSEGOS - 110

comboio

Há alguma coisa mais triste do que um comboio
Que parte à hora certa,
Que só tem uma voz,
Que só tem uma via?
Não há nada mais triste do que um comboio.

Só talvez um cavalo de tiro.
Debaixo do governo das rédeas
Nem sequer pode olhar para o lado.
A sua vida é caminhar.

E um homem? Não é triste um homem?
Se vive largo tempo na solidão,
Se pensa que chegou a sua hora,
Também um homem é uma coisa triste.

escrito em 17 Janeiro de 1946

Primo Levi
Versão de Luís Parrado em http://arspoetica-lp.blogspot.com

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07/11/10

PÉROLAS - 205

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"A harmonia foi a minha mãe na canção das árvores
e foi entre as flores que aprendi a amar."

Friedrich Hölderlin

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06/11/10

DE AMICITIA -99







"Song For A Friend"

Well you're magic he said/But don't let it all go to your head/Well I bet if you all had it all figured out/Then you'd never get out of bed/No doubt/All the thing's that I've read what he wrote me/Is now sounding like the man I was hoping/To be/Keep on keeping it real/Cause it keeps getting easier indeed/He's the reason that I'm laughing/Even if there's no one else/He said, you've got to love yourself// You say, you shouldn't mumble when you speak/But keep your tongue up in your cheek/And if you stumble on to/You better remember that it's humble that you seek/You got all the skill you need,/Individuality/You got something/Call it gumption/Call it anything you want/Because when you play the fool now/You're only fooling everyone else/You're learning to love yourself// Yes you are//There's no price to pay/When you give and what you take,/That's why it's easy to thank you/You...//Let's say take a break from the day/And get back to the old garage/Because life's too short anyway/But at least it's better then average/As long as you got me/And I got you/You know we'll got a lot to go around/I'll be your friend/Your other brother/Another love to come and comfort you/And I'll keep reminding/If it's the only thing I ever do/I will always loveI will always love you/Yes you/I will always, always, always, always love/I will always, always love/I will always, always love, love//Climb up over the top./Survey the state of the soul./You've got to find out for yourself whether or not you're truly trying./Why not give it a shot?/Shake it./ Take control and inevitably wind up/Find out for yourself all the strengths you have inside of you.///

http://www.youtube.com/watch?v=XYb9OzzOiVw

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05/11/10


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As Lágrimas e os Homens

Vede que misteriosamente puseram as lágrimas nos olhos a Natureza, a Justiça, a Razão, a Graça. A Natureza para remédio; a Justiça para castigo; a Razão para arrependimento; a Graça para triunfo. Como pelos olhos se contrai a mácula do pecado, pôs a Natureza nos olhos as lágrimas, para que com aquela água se lavassem as manchas: como pelos olhos se admite a culpa, pôs a Justiça nos olhos as lágrimas para que estivesse o suplício no mesmo lugar do delito: como pelos olhos se concebe a ofensa, pôs a Razão nos olhos as lágrimas, para que onde se fundiu a ingratidão, a desfizesse o arrependimento: e como pelos olhos entram os inimigos à alma, pôs a Graça nos olhos as lágrimas, para que pelas mesmas brechas onde entraram vencedores, os fizesse sair correndo. Entrou Jonas pela boca da baleia pecador; saía Jonas pela boca da baleia arrependido. Razão é logo e Justiça, e não só Graça, senão Natureza, que pois os olhos são a fonte universal de todos os pecados, sejam os rios de suas lágrimas a satisfação também universal de todos; e que paguem os olhos por todos chorando, já que pecaram em todos vendo: Quo fonte manavit nefas, Fluent perennes lacrimae.

Padre António Vieira

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04/11/10

POETAS MEUS AMIGOS - 139

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Política


Quando menino era fazendeiro
rico. Tinha um quintal, bois de osso,
um cão chamado Dique.
Recebia presentes da avó que nunca vi.
Marmelo seco. Charque.
Tomava banho de açude.

Como era doce ser rude!

Lau Siqueira - do livro Texto Sentido
também em
http://www.poesia-sim-poesia.blogspot.com/

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03/11/10

PENSAR -120


music

"A delicadeza e a dignidade é o próprio coração que as ensina e não um mestre de dança."


Fyodor Dostoievsky

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02/11/10

«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE - 41

aristicrata-Philip Alexius de László

Estátua

Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, - frio escalpelo,
-O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista d' um rochedo.

Segredo d' essa alma, e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo,
Fui teu lábio oscular, n' um pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
D' esse entreaberto lábio gelado...

D 'esse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.

Camilo Pessanha ,Clepsydra

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01/11/10

«PERO QUE LAS HAY,HAY»


halloween



A palavra Halloween tem origem na Igreja católica. Vem de uma corrupção contraída do dia 1 de novembro, "Todo o Dia de Buracos" (ou "Todo o Dia de Santos"), é um dia católico de observância em honra de santos. Mas, no século V DC, na Irlanda Céltica, o verão oficialmente se concluía em 31 de outubro. O feriado era Samhain, o Ano novo céltico. Alguns bruxos acreditam que a origem do nome vem da palavra hallowinas - nome dado às guardiãs femininas do saber oculto das terras do norte (Escandinávia).
O Halloween marca o fim oficial do verão e o início do ano-novo. Celebra também o final da terceira e última colheita do ano, o início do armazenamento de provisões para o inverno, o início do período de retorno dos rebanhos do pasto e a renovação de suas leis. Era uma festa com vários nomes: Samhain (fim de verão), Samhein, La Samon, ou ainda, Festa do Sol. Mas o que ficou mesmo foi o escocês Hallowe'en.
Uma das lendas de origem celta fala que os espíritos de todos que morreram ao longo daquele ano voltariam à procura de corpos vivos para possuir e usar pelo próximo ano. Os celtas acreditavam ser a única chance de vida após a morte. Os celtas acreditaram em todas as leis de espaço e tempo, o que permitia que o mundo dos espíritos se misturasse com o dos vivos.
Como os vivos não queriam ser possuídos, na noite do dia 31 de outubro, apagavam as tochas e fogueiras de suas casa, para que elas se tornassem frias e desagradáveis, colocavam fantasias e ruidosamente desfilavam em torno do bairro, sendo tão destrutivos quanto possível, a fim de assustar os que procuravam corpos para possuir, (Panati).
Os Romanos adotaram as práticas célticas, mas no primeiro século depois de Cristo, eles as abandonaram.
O Halloween foi levado para os Estados Unidos em 1840, por imigrantes irlandeses que fugiam da fome pela qual seu país passava e passa ser conhecido como o Dia das Bruxas.
in http://ilove.terra.com.br/lili/palavrasesentimentos/halloween_historia.asp
ver também em http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_das_bruxas

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