22/02/11

LEITURAS -161

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É um velho de pé na ré de um barco. Aperta nos braços uma mala leve e um recém-nascido, ainda mais leve do que a mala. O velho chama-se Senhor Linh. É o único a saber que se chama assim pois todos os que o sabiam morreram à sua volta.De pé na popa do barco, vê afastar-se o seu país, o dos seus antepassados e dos seus mortos, enquanto a criança dorme nos seus braços. O país afasta-se, torna-se infinitamente pequeno, e o Senhor Linh vê-o desaparecer no horizonte, durante horas a fio, apesar do vento que sopra e o sacode como uma marioneta.A viagem prolonga-se por muito tempo. Dias e dias. E o velho passa todo este tempo na popa do barco, de olhos postos na esteira branca que acaba por se unir ao céu, a perscrutar o horizonte para continuar a distinguir a costa esvanecida. Quando o conduzem ao camarote, deixa-se guiar sem dizer nada, mas encontram-no um pouco mais tarde, na ponte da popa, uma mão agarrada à amurada, a outra estreitando a criança, a pequena mala de couro fervido pousada aos pés. A mala está atada por uma correia para não poder abrir-se, como se guardasse bens preciosos. Na verdade, contém roupa co­çada, uma fotografia que a luz do sol apagou quase totalmente, e um saco de lona no qual o velho conserva um punhado de terra. Foi tudo o que o homem pôde levar consigo. E a criança, obvia­mente.

Philipe Claudel ,1ªpágina de A Neta do Senhor Linh
recolha de aberturas de livros por iniciativa de José Matias Alves

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