31/03/12

Bom conselho

30/03/12

NOCTURNOS - 108

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Não sei para que lado da noite me hei-de virar
onde esconder de ti o rio de fogo das lágrimas
quase a transbordar e acendo mais um cigarro
e falo atabalhoadamente de um futuro qualquer
e suspiro de alívio porque não ouves o que digo
ou se calhar também não sabes onde te esconderes
esperamos que se ilumine o lado certo da noite
é quando se esgotam as palavras e os silêncios
e a minha mão procura a tua que a recebe
e a noite se unifica e todos os rios secam
menos um por onde navegamos
para abolir a noite.

Carlos Alberto Machado

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29/03/12

OMNIA VINCIT AMOR - 239

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Conta-me outra vez
Conta-me outra vez, é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-la.
Repete-me outra vez que o casal
da história foi feliz até morrer,
que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuavam os beijos todas as noites.
Conta-me mais mil vezes, por favor:
é a história mais bela que conheço.


Amália Bautista
Publicado por Aldina Duarte

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28/03/12

Millor Fernandes -breve homenagem ao humorista que nos deixou ontem

millor fernandes


"A sátira é mais eficaz do que o panfleto: a agressão é incómoda, penosa, por isso quase sempre esquecida. A piada dá prazer, ela pede para ser repetida e multiplicada. Adolf Hitler ficou furioso quando viu O Grande Ditador de Charles Chaplin, Charlot. O poderoso Fuhrer não temia ser combatido mas apavorava-se em ser ridicularizado."

millor-logoMillôr Fernandes - 1924-2012

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ARTE - 36

edward hopper  

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27/03/12

DIA MUNDIAL DO TEATRO

luzes da ribalta
Luzes da ribalta

"... o teatro precisa que as personagens que aparecem em cena levem um traje de poesia (...)  mas que ao mesmo tempo se   lhes vejam os ossos e o sangue..."
                                                                                                Federico Garcia Lorca

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DE AMICITIA - 116

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Amigo

1.
Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.

2.
Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.

Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.

                               Amigo,
se tens fome come do meu pão.

3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
- como o meu coração - sempre buscando altura.

Sorriste - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou... Menos aquela lembrança...

... Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio...

Pablo Neruda
, in "Crepusculário"

Tradução de Rui Lage

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26/03/12

DO FALAR POESIA - 143

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«A poesia não é um juízo nem uma interpretação da  existência humana», disse Octavio Paz, e nesse sentido não pode aspirar a ser veículo de nenhuma moral, de nenhuma consciência de classe. A sua amoralidade funda-se na realidade ser utilizada como vida sentimental interior, material de trabalho. A miséria social dos homens pode ser reflectida nela e suscitar a crença de que por ela é trans-
formada. Mas os poemas não lutam, «lutam os homens que os lêem». Opor a um mundo corrompido pela injustiça «a poesia, o amor e a liberdade» parecerá a muitos uma ingenuidade. Não pensavam assim nem Breton nem Éluard, para quem a experiência amorosa é a experiência revolucionária por excelência. A poesia proporciona a possibilidade de «iluminar» a realidade.


 Eduardo Bustos

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25/03/12

ANTONIO TABUCCHI, O MAIS PORTUGUÊS DOS ESCRITORES ITALIANOS

antonio tabucchi
A mulher de Porto Pim
(excerto)

Todas as noites canto, porque sou pago para isso, mas as canções que ouviste eram pézinhos e sapateiras para os turistas de passagem e para aqueles americanos que se estão a rir lá ao fundo e que daqui a pouco se vão embora aos ziguezagues. As minhas verdadeiras canções são só quatro chama-ritas, pois o meu repertório é escasso, e depois eu estou a ficar velho, e fumo de mais e a minha voz está rouca. Tenho de vestir este balandrau açoreano que se usava em tempos, porque os americanos gostam do pitoresco, depois voltam para o Texas e contam que estiveram numa tasca, numa ilha perdida, onde um velho com uma capa cantava o folclore do seu povo. Querem a viola de arame que dá este som de feira melancólica, e eu canto-lhes modinhas pirosas onde a rima é sempre a mesma, mas tanto faz, eles não percebem e, como vês, bebem gin tónico. Mas tu, o que é que procuras, que todas as noites vens aqui? Tu és curioso e procuras outra coisa, porque é a segunda vez que me convidas a beber, mandas vir vinho «de cheiro» como se fosses dos nossos, és estrangeiro e finges falar como nós, mas bebes pouco e depois ficas calado e esperas que fale eu. Disseste que és escritor e, no fundo, talvez a tua profissão tenha alguma coisa a ver com a minha. Todos os livros são estúpidos, há sempre pouco de verdadeiro neles, e contudo li muitos nos últimos trinta anos, mesmo italianos, naturalmente todos traduzidos, aquele de que mais gostei chamava-se Canaviais no vento, de uma tal Deledda, leste-o? E depois tu és jovem e gostas de mulheres, bem vi como olhavas para aquela mulher muito bonita com o pescoço alto, olhaste para ela toda a noite, não sei se estás com ela, também ela olhava para ti e talvez te pareça estranho, mas tudo isto acordou em mim qualquer coisa, deve ser porque bebi de mais. Sempre escolhi o demais na vida e isto é uma perdição, mas não há nada a fazer quando se nasce assim.

(...)

Nota pessoal:
É esta a minha homenagem, pequena, ao grande escritor italiano hoje falecido. Um dia ele contou que, estando como adido cultural em Espanha, encontrou numa estação um  um pequeno livro, de um tal Álvaro de Campos, intitulado de Bureau de Tabac. Comprou, leu, e de imediato pediu transferência para Lisboa que viria a ser, em boa parte, como para Fernando Pessoa, o seu «lar» - onde morreu hoje e vai ser sepultado. Aqui casou com Maria José Lencastre. Os dois traduziram para italiano a Poesia de Fernando Pessoa - com o título Una sola multitudine. Pessoa, de resto, teria influência sobre a sua própria obra romanesca.O primeiro livro que dele li foi justamente este, de que publico um pequeno extracto.Em tempos passei-o, integral, na Prosa da semana.Depois, continuei a lê-lo sempre com muito agrado.Um dos seus livros, Afirma Pereira daria lugar a um filme de Manoel de Oliveira, em que participou, entre outros, Marcello Mastroiani - que seria o seu último filme.Creio também que um outro dos seus livros, Nocturno Indiano, daria lugar a um filme.

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Les feuilles mortes (por Mouloudji)



a interpretação de que mais gosto, relativamente pouco conhecida, de uma das grandes canções de amor

Les feuilles mortes 

Oh ! je voudrais tant que tu te souviennes / Des jours heureux où nous étions amis./ En ce temps-là la vie était plus belle,
Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui./Les feuilles mortes se ramassent à la pelle./Tu vois, je n'ai pas oublié...
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,/Les souvenirs et les regrets aussi/Et le vent du nord les emporte
Dans la nuit froide de l'oubli./Tu vois, je n'ai pas oublié/ La chanson que tu me chantais//

Refrain:C'est une chanson qui nous ressemble./Toi, tu m'aimais et je t'aimais/Et nous vivions tous deux ensemble,/Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais/ /
Mais la vie sépare ceux qui s'aiment,/ Tout doucement, sans faire de bruit/ Et la mer efface sur le sable/Les pas des amants désunis.//
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,/Les souvenirs et les regrets aussi/Mais mon amour silencieux et fidèle/Sourit toujours et remercie la vie./Je t'aimais tant, tu étais si jolie./Comment veux-tu que je t'oublie ?/En ce temps-là, la vie était plus belle/Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui./Tu étais ma plus douce amie/Mais je n'ai que faire des regrets/Et la chanson que tu chantais,/Toujours, toujours je l'entendrai !
Poema de Jacques Prévert - música de Joseph Kosma;aqui cantada por Mouloudji  

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24/03/12

ARTE - 35


Pablo Picasso

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23/03/12

DESASSOSSEGOS - 135

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Um homem sussurrou: Deus fale comigo!
E um rouxinol começou a cantar.
Mas o homem não ouviu.

Então o homem repetiu:
Deus fale comigo!
E um trovão ecoou nos céus.
Mas o homem foi incapaz de ouvir.

O homem olhou em volta e disse:
Deus, deixe-me vê-lo!
E uma estrela brilhou no céu.
Mas o homem não a notou.

O homem começou a gritar:
Deus mostre-me um milagre!
E uma criança nasceu.
Mas o homem não sentiu o pulsar da vida.

Então o homem começou a chorar e a se desesperar:
Deus toque-me e deixe-me sentir que você está aqui comigo...
E uma borboleta pousou suavemente
Em seu ombro.
O homem espantou a borboleta com a mão e, desiludido,
Continuou o seu caminho triste, sozinho e com medo.

(dos índios cherokee)

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22/03/12

OS MEUS POETAS - 246







A Borboleta



Feliz muito feliz
tenho sido bastantes vezes na vida
mas acima de tudo quando fui libertado
na Alemanha
porque comecei a olhar uma borboleta
sem vontade de a comer


Tonino Guerra - realizador e poeta, falecido ao 92 aos,no dia da flor.
Tradução: Nuno Dempster 


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LER OS CLÁSSICOS -157


Não arredo o pé do árduo caminho, por cansado; nem retiro as mãos da obra que se me apresenta, por indolente; nem qual desesperado, viro as costas ao inimigo que se me opõe, nem como deslumbrado, desvio os olhos do divino objeto: no entanto, sinto-me geralmente reputado um sofista, que mais procura parecer sutil do que ser verídico; um ambicioso, que mais se esforça por suscitar nova e falsa seita do que por consolidar a antiga e verdadeira; um trapaceiro que procura o resplendor da glória impingindo as trevas dos erros; um espírito inquieto que subverte os edifícios da boa disciplina, tornando-se maquinador de perversidade. Oxalá, Senhor, que os santos numes afastem de mim todos aqueles que injustamente me odeiam; oxalá que me seja sempre propício o meu Deus; oxalá que me sejam favoráveis todos os governantes do nosso mundo; oxalá que os astros me tratem tal como à semente em relação ao campo, e ao campo em relação à semente, de maneira que apareça no mundo algum fruto útil e glorioso do meu labor, acordando o espírito e abrindo o sentimento àqueles que não têm luz de intelecto; pois, em verdade, eu não me entrego a fantasias, e se erro, julgo não errar intencionalmente; falando e escrevendo, não disputo por amor da vitória em si mesma, mas por amor da verdadeira sapiência e fervor da verdadeira especulação me afadigo, me apoquento, me atormento.

Giordano Bruno
encontrado em  http://palavraguda.wordpress.com/

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21/03/12

DIA MUNDIAL DA POESIA -2012


ESTE TEMPO DA «FROL» QUE HOJE SE COMEMORA:

Proençaes soen mui ben trobar

e dizem eles que é cõ amor;
Mais os que trobem no tempo da frol
e non en outro, sei eu ben que non
am tam gram coita no seu coraçom
qual m’eu per mha senhor vejo levar.


Pero que trobã e sabem loar
sas senhores o mais e o melhor
que eles podem, soõ sabedor
que os que trobã quand’a frol sazõ
á, e no ante, se deus me perdon
nõ am tal coita quel eu ei sen par.


Ca os que trobã e que s’alegrar
vã eno tempo que ten a color
a frol cõsigu’e, tãto que se for
aquel tempo,logu’en trobar razõ
no an, nem vive[en] qual perdiçõ
oj’eu vivo, que pois m’a de matar.


Dom Dinis, rei e poeta (s.XIII)

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POETAS MEUS AMIGOS - 163

FIGOS 1a
  
figos maduros 

...................................ai de mim
com esta figueira crescendo dentro
sem saber direito o momento da poda
ou da colheita 

.........................ai de mim
que não entendo de árvores
e não compreendo o que dizem
........................o que fazem 

como agem na hora do corte
e depois
na transcendência das figueiras 

..........não sei da casca
..........grossa no caule leitoso
..........que com o tempo será
..........fibra impermeável 

....................................ai de mim
que percorro a mansidão invisível
como um galo cumprindo o ofício
.............................das manhãs

 Lau Siqueira
(poema do livro Texto Sentido)
Lau publica também no seu blogue http://www.poesia-sim-poesia.blogspot.com/

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20/03/12

OS MEUS POETAS - 245

orvalho

  
A Lágrima


Manhã de Junho ardente. Uma encosta escavada,
Sêca, deserta e nua, à beira d'uma estrada.

Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha,
Bebendo o sol, comendo o pó, mordendo a rocha.

Sobre uma folha hostil duma figueira brava,
Mendiga que se nutre a pedregulho e lava,

A aurora desprendeu, compassiva e divina,
Uma lágrima etérea, enorme e cristalina.

Lágrima tão ideal, tão límpida, que ao vê-la,
De perto era um diamante e de longe uma estrêla.

Passa um rei com o seu cortejo de espavento,
Elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento.

- "No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar,
Há safiras sem conta e brilhantes sem par,

"Há rubins orientais, sangrentos e doirados,
Como beijos d'amor, a arder, cristalizados.

"Há pérolas que são gotas de mágoa imensa,
Que a lua chora e verte, e o mar gela e condensa.

"Pois, brilhantes, rubins e pérolas de Ofir,
Tudo isso eu dou, e vem, ó lágrima, fulgir

"Nesta c'roa orgulhosa, olímpica, suprema,
Vendo o Globo a teus pés do alto do teu diadema!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.

Couraçado de ferro, épico e deslumbrante,
Passa no seu ginete um cavaleiro andante.

E o cavaleiro diz à lágrima irisada:
"Vem brilhar, por Jesus, na cruz da minha espada!
"Far-te hei relampejar, de vitória em vitória,
Na Terra Santa, à luz da Fé, ao sol da Glória!

"E à volta há-de guardar-te a minha noiva, ó astro,
Em seu colo auroreal de rosa e de alabastro.

"E assim alumiarás com teu vivo esplendor
Mil combates de heróis e mil sonhos d'amor!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu e quedou silenciosa.

Montado numa mula escura, de caminho,
Passa um velho judeu, avarento e mesquinho.

Mulas de carga atrás levavam-lhe o tesoiro:
Grandes arcas de cedro, abarrotadas d'oiro.

E o velhinho andrajoso e magro como um junco,
O crânio calvo, o olhar febril, o bico adunco,

Vendo a estrêla, exclamou: "Oh Deus, que maravilha!
Como ela resplandece, e tremeluz, e brilha!

"Com meu oiro em montão podiam-se comprar
Os impérios dos reis e os navios do mar,

"E por esse diamante esplêndido trocara
Todo o meu oiro imenso a minha mão avara!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.

Debaixo da figueira, então, um cardo agreste,
Já ressequido, disse à lágrima celeste:

"A terra onde o lilaz e a balsamina medra
Para mim teve sempre um coração de pedra.

"Se a queixar-me, ergo ao céu os braços por acaso,
O céu manda-me em paga o fogo em que me abraso.

"Nunca junto de mim, ulcerado de espinhos,
Ouvi trinar, gorgear a música dos ninhos.

"Nunca junto de mim ranchos de namoradas
Debandaram, cantando, em noites estreladas...

"Voa a ave no azul e passa longe o amor,
Porque ai! Nunca dei sombra e nunca tive flor!...

"Ó lágrima de Deus, ó astro, ó gota d'água,
Cai na desolação desta infinita mágoa!"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Tremeu, tremeu, tremeu... e caíu silenciosa!...

E algum tempo depois o triste cardo exangue,
Reverdecendo, dava uma flor côr de sangue,

Dum roxo macerado, e dorido, e desfeito,
Como as chagas que tem Nosso Senhor no peito...

E ao cálix virginal da pobre flor vermelha
Ia buscar, zumbindo, o mel doirado a abelha!..
.

Guerra Junqueiro - em Os Simples

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19/03/12

DIA DO PAI

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As mãos de meu Pai


  As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra
— como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre
..................................................cólera dos justos…                                                                             
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que 
.......................................se chama simplesmente vida. 
 E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua
 ....................................... ...       cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste
                          alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra
..................................................................o vento?                                                                                               
Ah! como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das 
...............................................................tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas…
essa chama de vida — que transcende a própria vida
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma. 

Mário Quintana

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ESCREVER -111

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O Que é Escrever ?
Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso (não de livraria, mas de indignação social profunda) é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração. Mas porque a poética precisão de dum acto humano não corresponde totalmente à sua evidência. Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas. Depois de tudo, escrever é um pouco corrigir a fortuna, que é cega, com um júbilo da Natureza, que é precavida.

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18/03/12

OS MEUS POETAS - 244

17/03/12

OMNIA VINCIT AMOR - 238

JOVEM

O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente?
O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.

Bernardo Soares, Livro do Desassossego

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16/03/12

LEITURAS - 182

Tofo-Moçambique
[Sou uma ilha pequena]


«Às vezes não te compreendo bem.»
«Sou uma ilha pequena, Paula.» Sim, uma ilha pequena, sem arquipélago, e à volta o oceano desconhecido e um nevoeiro tão denso que não deixava ver os barcos, se os havia. Mas era natural que os houvesse. Há sempre barcos em volta das ilhas. Estivera um dia numa ilha assim…
A voz de Paula ria na sua sala, no seu divã. «Todos o somos, não és original.»
«Mas eu sou aquela ilha.»
Pequena e com praias de cascalho, não muito belas, e voltadas para oriente. O sol abandonava-as a meio da tarde e então fazia frio e a água ainda há pouco morna e confortável tornava-se gélida, matéria opaca, cheia de vida, de morte e de mistérios. Só havia uma coisa a fazer, subir, subir à procura de um resto de sol. Mas do lado ocidental era o reino das gaivotas e dos rochedos a pique. Coisas só para olhar. Ruídos que eram silêncio. E acabava sempre por regressar à tenda onde estava acampada com uns amigos. Cansada. Farta. A querer ir-se embora e sem partir.
«Mas a tua vida é que é uma ilha, não tu.»
«Sim, a minha vida», concordou Jô. 
«Mas o que sou eu sem a minha vida, o que somos nós sem ela?»
«Bem, é tarde, vou deitar-me», disse Paula.
 «E o teu caso, na mesma?»

Maria Judite de Carvalho

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15/03/12

OS MEUS POETAS -243

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A casa onde às vezes regresso
 * Dedicado a CME

A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos

Durmo no mar, durmo ao lado do meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo

Tivesse ainda tempo e entregava-te 

o coração


 José Tolentino Mendonça 

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14/03/12

ARTE - 34


Edward Munch, murderer (assassino)

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POEMAS COM ROSAS DENTRO - 104

vale de rosas

Ângelus

    Vê, Platero, quantas rosas caem por todos os lados: rosas azuis, cor-de-rosa, brancas, sem cor...Parece que o céu está se desfazendo em rosas. Vê como se enchem de rosas minha testa, meus ombros, minhas mãos...O que farei com tantas rosas?      Acaso sabes de onde é essa flora delicada, que não sei onde é, que enternece a cada dia a paisagem e a deixa suavemente rosada, branca e azul-celeste – mais rosas, mais rosas – como um quadro de Fra Angélico, aquele que pintava a glória de joelhos?      E ´como se das sete galerias do  Paraíso lançassem rosas à terra. Como neve suave e vagamente colorida, as rosas ficam na torre, no telhado, nas árvores. Vê: tudo o que é forte se abranda com seu adorno. Mais rosas, mais rosas, mais rosas..  Parece, Platero, enquanto soa o Ângelus, que nossa vida perde a força cotidiana e que outra força, de dentro, mais altiva, mais constante e mais pura faz, como em jorro de graça, tudo subir às estrelas que já se acendem entre as rosas...Mais rosas...Teus olhos, que não vês, Platero, e que ergues mansamente para o céu, são duas belas rosas.

 Juan Ramón Jiménez em Platero e Eu
 Tradução de Javier Zabala

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13/03/12

Gracias a La Vida

12/03/12

NOCTURNOS -107


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A NOITE 

Pouco sei da noite
mas a noite parece saber de mim,
e para mais, conforta-me como se me desejasse,
cobre-me a consciência com as suas estrelas.

Talvez a noite seja a vida e o sol a morte.
Provavelmente a noite é nada
e nada as conjecturas sobre ela
e nada os seres que a vivem.
Talvez as palavras sejam tudo o que existe
no enorme vazio dos séculos
que nos arranham a alma com as suas recordações.

Mas a noite há-de conhecer a miséria
que bebe do nosso sangue e das nossas ideias.
Ela há-de atirar ódio às nossas observações
sabendo-as cheias de interesses, de desencontros.

Mas sucede que ouço a noite chorar nos meus ossos.
A sua lágrima imensa delira
e grita que algo partiu para sempre.

Um dia voltaremos a ser.


Alejandra Pizarnik, in Las Aventuras Perdidas (1958)
Versão de Henrique Fialho  in  http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/

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11/03/12

PENSAR - 140


lingua portuguesa

"Da minha língua vê-se o mar..."


"Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir.
Da minha língua vê-se o mar.
Da minha língua ouve-se o seu rumor,
como da de outros se ouvirá o da floresta
ou o silêncio do deserto.
Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação."

Vergílio Ferreira
Ver/ouvir também:
http://www.youtube.com/watch?v=6yCAguhsnXs

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10/03/12

POETAS MEUS AMIGOS - 162

papoilas-campo de

Cartas da tarde

O meu amor sabe o meu coração.
Quando estiver a chegar, vai tossir e fazer barulho com os sapatos.
Vou ficar contente e e nem era preciso o cuidado:
o corpo inteiro guarda-lhe os cheiros e adivinha-o com os olhos.

Estudo o vento todas as tardes. 
Olho as colinas por onde vem quem espero, quem me conhece de coração, 

.......................................................de quem sei as cores que traz nos olhos;
são as que lhe dei naquele dia que sabe.

Zef 

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DESASSOSSEGOS - 134

godot
Dentro da Vida
Não estamos preparados para nada:
certamente que não para viver
Dentro da vida vamos escolher
o erro certo ou a certeza errada
Que nos redime dessa magoada
agitação do amor em que prazer
nem sempre é o que fica de querer
ser o amador e ser a coisa amada?
Porque ninguém nos salva de não ser
também de ser já nada nos resgata
Não estamos preparados para o nada:
certamente que não para morrer
Gastão Cruz 
Encontrado em modus vivendi - http://amata.anaroque.com/ 

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09/03/12

ESCREVER - 110

escritores

"Os grandes escritores nunca foram feitos para suportar a lei dos gramáticos, mas sim para impor a sua."

Erasmo de Roterdão

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08/03/12

dia da mulher-8.03

-encontrado no FBook

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EM MAIS UM DIA INTERNACIONAL DA MULHER


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RECORDEMOS UM LIVRO PIONEIRO ENTRE NÓS
( e porque ainda há muito a fazer em Portugal e no Mundo)


"Desde o princípio tiveram os homens de se julgar semideuses caídos de sua graça por obra da mulher; e logo depois tiveram que se inventar redimidos através do ventre de nova mãe, essa santa, essa capaz de conhecer Deus no seu ventre e de no seu ventre incarnar o deus salvador, depois chamado o filho do homem – que ironia rebuscada – na sua vida e nos seus actos exemplares. Porque o homem vai fazendo o mundo e cavando o seu tumulo, e vai chamando a mulher, então dizendo-lhe «mãe», para que esta lhe nomeie o mal e o bem, e lho signifique, e tome em si o absurdo insuportável da ordem das coisas, e vai o homem fazendo o mundo sobre o ventre acolhedor e produtor da mulher, então dizendo-lhe «coisa de mim», e posto na mulher o mal e o bem e o absurdo insuportável da ordem das coisas é então justo que seja ela a primeira vítima, ela a culpada até ao momento em que finalmente o homem chama a mulher, dizendo-lhe «mulher», e repara que está vazio o lugar a seu lado"

[Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta]
 -Novas Cartas Portuguesas, Futura, 1974;re-impressão em 2010-ed.D.Quixote

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07/03/12

O PRAZER DE LER - 128

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CAMONIANAS - 72

camões

              Porque, enfim, tudo passa
                                  não sabe o tempo ter firmeza em nada;
  e nossa vida escassa
foge tão apressada
                            que, quando se começa, é acabada. 
                      (excerto da ode Fogem as neves frias )

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06/03/12

ARTE -34

05/03/12

POETAS MEUS AMIGOS -161


Iluminações


Há uma rachadura em todas as coisas.
É por ela que a luz entra.
                                    Leonard Cohen



A luz de dentro dos olhos
vem do ar que se respira.


Tudo que existe
até os pensamentos mais soturnos
sobrevive da luz que aspira
– um toque do pintor em rua escura
os vagalumes fugindo e renascendo
à luz do vento.


Vem pelas veias do céu
em anos-luz de linhas desmedidas
tecendo teias.
Procura pedras da terra
vestes rasgadas
na guerra os corpos feridos.

A luz é do que corrompe ou regenera
não salva – só ilumina
não planta
germina e cresce.
Tudo que brilha é desdobramento
e é o sangue a luz do corpo.



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